Setores mais pobres da população também marcham contra Maduro
Após o falecimento da filha Anhely em um hospital em condições precárias, Paula Navas diz que "a Venezuela tem que mudar"
AFP
Publicado em 19 de abril de 2017 às 18h20.
Paula Navas marcha contra o governo venezuelano em nome de sua filha Anhely, que faleceu há uma semana em um hospital em condições precárias sem os recursos necessários para salvá-la.
A ferida é tão recente que Paula rompe em lágrimas apenas com a evocação do nome da filha, na conversa com a AFP em sua casa simples, em Petare, um dos maiores complexos de favelas da América Latina.
Ela não é alheia à política. Hoje, Paula trabalha, fazendo o elo entre a comunidade e a prefeitura governada pela oposição.
Anhely, de 22 anos, era a quinta de nove filhas - duas adotadas -, criadas sozinha por essa mulher de 50 anos.
"Ia a todas as marchas", lembrou, garantindo que, se a filha estivesse viva, teria ido junto com ela à manifestação contra o presidente Nicolás Maduro , no centro de Caracas.
"A Venezuela tem que mudar. Isso não é vida. Essa gente tem que sair. E as comunidades estão indo para a oposição. O chavismo está desaparecendo", indicou.
Navas garante que é amiga de todos, incluindo os chavistas, na comunidade 5 de Julio de Petare, onde vive há 15 anos no alto de um morro caraquenho cercado de pobreza.
No caminho, vai apontando com o dedo e um sorriso nos lábios: "esses estão com a oposição", "esses também". E, ao trocar olhares com uma senhora que estava com um boné do chavismo, contou que "essa também está conosco".
Milhares de pessoas estão nas ruas em Caracas e em outras cidades, nesta quarta, contra o governo de Nicolás Maduro. Um enorme plano de segurança foi instalado para impedir desestabilização e "terrorismo".
Agora, para na casa da senhora Nena para buscar Leinny García, de 32. Carregando uma bandeira venezuelana, esta última se une ao cortejo que segue até a avenida principal. Lá, reúne com outras cinco pessoas.
"Somos um grupo grande. Vamos saindo aos poucos, porque nos ameaçaram. Outros vão à manifestação do chavismo obrigados", revelou.
Até o final
No dia em que Anhely Azuali foi velada, o cheiro de gás lacrimogêneo invadiu a funerária. Naquele momento, uma marcha da oposição era dispersada pelos policiais.
A jovem morreu em um domingo, depois de ficar uma semana internada em um hospital. Apresentando um quadro de diarreia e vômito, ela recebeu penicilina - único remédio disponível, ao qual era alérgica.
"Eu disse à doutora que ela era diabética. Mas ela não releu as informações que tinha, não perguntou nada. O chefe dos médicos disse a ela quando chegou: 'você a matou'. A mim também", desabafou.
Aqueles dias foram um inferno, correndo de um lado para o outro em busca de remédios e até de tubos para o respirador, já que o hospital não tinha nenhum desses itens. Em paralelo, a oposição marchava.
Além de líder comunitária, Navas "se vira" fazendo faxinas. Já trabalhou como costureira para manter as filhas. À exceção de uma, que está no último ano, todas terminaram a escola.
Agora, também cuida de Sofia, a simpática filha de Anhely que mostra, orgulhosa, a filha da mãe no celular de sua avó.
Com apenas uma garrafa de água na mão, ela caminha com seus companheiros de marcha de Petare a um dos pontos de concentração da oposição.
Pega um ônibus, onde também estão uma menina com as cores da bandeira venezuelana pintada no rosto e um senhor com o boné tricolor, muito usado pelos críticos do governo.
Ao chegar, vai cumprimentando outras pessoas, que conhece de sua comunidade.
"E aqui fico até o final, com ou sem gás lacrimogêneo. Marcho por minhas filhas, por minha Anhely", afirmou, antes de se perder no mar de gente.