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Sem um bom acordo climático não há justiça social

A luta pela inclusão e pela justiça social passa pelas negociações climáticas que estão acontecendo em Paris na COP 21

Marcha pelo clima: na bandeira lê-se, "Soluções Climáticas e Justiça Climática 100% possível". (Reuters)
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Da Redação

Publicado em 11 de dezembro de 2015 às 15h25.

Paris - A luta pela inclusão e pela justiça social passa pelas negociações climáticas que estão acontecendo em Paris na COP21 . As populações que estão sendo e serão mais afetadas pelas mudanças climáticas são também as mais mais pobres e mais vulneráveis – seja em Bangladesh e nos países-ilha do Pacífico, seja entre as pessoas que moram em áreas passíveis de alagamento nas grandes cidades brasileiras e naquelas sujeitas à desertificação no Nordeste do país.

Entre 1995 e 2014, os maiores impactos de inundações, tempestades e ondas de calor ocorreram em países em desenvolvimento. Foram mais de 525 mil mortes provocadas diretamente por aproximadamente 15 mil eventos climáticos extremos que causaram prejuízos de quase US$ 3 trilhões.

Das dez nações mais afetadas, nove são consideradas de renda baixa ou de média para baixa . E tudo isto aconteceu sob um aumento da temperatura média do planeta menor do que 1°C.

Se não houver controle sobre essa tendência de elevação na temperatura, estamos colocando em risco milhões de pessoas que vivem em zonas costeiras e nos países tropicais, incluindo o Brasil, onde desastres naturais consumiram o equivalente a um programa Bolsa Família por ano apenas entre 2002 e 2012, segundo estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A meta de manter o aumento da temperatura abaixo de 1.5°C até o final deste século – um dos elementos ainda em questão nas negociações climáticas em Paris - não é só moralmente necessária; ela também é técnica e economicamente viável, segundo relatório Turn Down the Heat: Confronting the New Climate Normal, do Banco Mundial.

Para que ela seja alcançada, porém, será necessário um esforço imediato de mitigação, com a consequente escalada do portfólio de tecnologia nessa direção e a redução da demanda de energia de fontes poluentes.

Isso significa investir mais fortemente em energias renováveis, cujos custos já estão em patamares bastante competitivos, em especial em comparação com o custo real dos combustíveis fósseis, que ainda são altamente subsidiados em todo o mundo.

Transferir esses subsídios para energias limpas e conectá-las aos planos e às políticas nacionais de energia é uma oportunidade única de promover o crescimento econômico, com geração de empregos e criação de riqueza.

Alcançar essa meta exigirá grandes esforços dos maiores emissores globais, entre os quais está o Brasil, ao lado de China, Índia, Estados Unidos e União Europeia. E, apesar dos equívocos na nossa política energética recente, o Brasil tem melhores condições do que os outros para enfrentar esse desafio.

A começar pela forte base hidráulica em nossa matriz energética, que pode ser complementada pelo enorme potencial do país em solar e eólica. No caso dos transportes, temos toda uma estrutura de transporte público a ser implantada, que pode incorporar tanto uma maior parcela de biocombustíveis quanto a maior eletrificação.

Na agricultura temos a possibilidade de dar escala ao Plano de Agricultura de Baixo Carbono que aumenta a eficiência do produtor e reduz as emissões do setor.

Apesar de nossa crise econômica, o cenário mundial é favorável: fundos de investimentos responsáveis por US$ 3,4 trilhões já anunciaram planos de desinvestimento em combustíveis fósseis. São recursos que buscarão portfólios de energias renováveis.

Descarbonizar a economia é um dos mais promissores caminhos para um crescimento inclusivo, já que as fontes de energia fósseis, ainda prevalentes no planeta, são intensivas em capital, dependentes de subsídios e geram poucos empregos, enquanto as fontes renováveis de energia são em geral menos capital-intensivas, mais intensivas em mão de obra, têm rápida instalação e menor impacto ambiental, o que faz delas uma oportunidade de crescimento e inclusão social para os países menos desenvolvidos e para os emergentes.

Por sua vez, ações de adaptação às mudanças climáticas ao redor do planeta estão gerando crescimento e inclusão em pequenas comunidades vulneráveis.

Mas, além dos investimentos no curto prazo, os países precisarão revisar rapidamente os atuais compromissos voluntários que foram apresentados para o acordo a ser fechado no final desta semana em Paris para fechar o hiato que ainda existe entre a quantidade de emissões dos gases causadores do efeito estufa que precisamos cortar e o que já foi prometido.

O ciclo de revisão a cada cinco anos, que está na mesa de negociações da COP21, é vital para isso e precisa prever uma etapa antes de 2020, que é quando o acordo deve entrar em vigor. Para os investidores, isso significa que as oportunidades de negócios continuarão existindo – e crescendo!

Para quem mora em regiões vulneráveis – seja na costa do Nordeste, nos morros da serra fluminense, no interior do Rio Grande do Sul, ao longo dos rios da Amazônia ou no Jardim Pantanal, em São Paulo – isso significa que os atuais riscos não crescerão tão dramaticamente a ponto de expulsá-los de suas casas. Significa que há a possibilidade de adaptação a essa nova realidade climática.

A justiça climática só se concretizará com menos poluição (e menos doenças respiratórias), melhores transportes públicos (e melhor qualidade de vida) e a construção de cidades e comunidades mais resilientes: a erradicação da pobreza não é possível sem um clima estável. Para que isso seja possível, há todo um caminho a ser trilhado. Mas esse caminho só existirá se conseguirmos fechar um bom acordo climático.

*Carlos Rittl é secretário executivo do Observatório do Clima

São Paulo - Para muitos, a discussão sobre mudança climática,que domina a reunião da ONU sobre clima em Paris, a COP 21 , pode parecer um exercício de futurologia, um problema que só vai cobrar juros das gerações vindouras. Isto é um engano. A mudança do clima na Terra acontece aqui, agora e desde sempre. Mas esta variação, que leva de décadas até milhões de anos, tem se intensificado como resultado das atividades humanas, que liberam na atmosfera milhares de toneladas de gases efeito estufa, os vilões do aquecimento global . O último relatório do IPCC, o estudo de referência sobre o assunto, deixou bem claro: o homem é o maior responsável pela intensificação das mudanças climáticas atualmente. Extremos de temperatura estão mais comuns do que nunca (14 dos 15 anos mais quentes da história ocorreram desde 2000), as tempestades estão mais violentas, as secas, mais severas e os ciclones e furacões menos piedosos. E os juros já estão sendo cobrados: desde a primeira Conferência sobre Mudança Climática (COP1), em 1995, pelo menos 606.000 vidas foram perdidas em desastres relacionados ao clima, segundo o relatório " O Custo Humano dos Desastres Relacionados ao Clima " divulgado pela ONU. Em 20 anos, enchentes, secas e furacões causaram perdas e danos dolorosos. Veja nos slides um raio-x da fúria da natureza em grandes números.
  • 2. Mortes

    2 /13(Getty Images)

  • Veja também

    Desde a primeira Conferência sobre Mudança Climática (COP1), em 1995, pelo menos 606.000 vidas foram perdidas e 4,1 bilhões de pessoas se feriram ou perderam suas casas em desastres relacionados ao clima.
  • 3. Custos crescentes

    3 /13(REUTERS)

  • Nos últimos vinte anos, 90% das grandes catástrofes naturais foram causadas por eventos relacionados ao clima: ao todo, foram 6.457 enchentes, tempestades, ondas de calor, secas, entre outros fenômenos que têm a água como força motriz.
  • 4. Refugiados climáticos

    4 /13(Getty Images)

    Em média, 205 milhões de pessoas foram afetadas a cada ano entre 1995 e 2015. No Brasil, 51 milhões de pessoas sofreram com desastres naturais nos últimos 20 anos.
  • 5. Custos econômicos

    5 /13(AFP / Gerald Bourke)

    A ONU calcula que as perdas com os desastres naturais, incluindo terremotos e tsunamis, estejam entre US$ 250 bilhões e US$ 300 bilhões por ano.

  • 6. Perdem os ricos e pobres

    6 /13(AFP)

    Os cinco países mais atingidos nas duas últimas décadas por desastres relacionados ao clima foram os Estados Unidos (472), China (441), Índia (288), Filipinas (274), e Indonésia, (163).
  • 7. Ásia

    7 /13(Wikimedia Commons)

    A Ásia é o continente que mais sofreu com os desastres nos últimos 20 anos. O saldo de mortos no período chega a 332.000. Em 2008, o ciclone Nargis, um dos mais fatais, matou 138.000 pessoas em Mianmar.
  • 8. Décadas

    8 /13(REUTERS)

    No total, foram registrados uma média de 335 desastres relacionados ao clima por ano entre 2005 e 2014, um aumento de 14% em relação a 1995-2004, e quase o dobro do nível registrado durante 1985-1995.
  • 9. Enchentes

    9 /13(Mechielsen Lyndon/AFP)

    As enchentes foram responsáveis por 47% de todos os desastres relacionados ao clima entre 1995 e 2015, afetando 2,3 mil milhões de pessoas e matando 157.000.
  • 10. Fúria dos ventos

    10 /13(ChinaFotoPress/Getty Images)

    Tempestades, ciclones e furacões foram os tipos mais mortais de desastres relacionados com o clima, sendo responsáveis por 40% (242.000) dos óbitos relacionados com o clima global. A maior parte das mortes (89%) ocorreram em países mais pobres.
  • 11. Calor

    11 /13(Enrique Marcarian/Reuters)

    Ondas de calor foram responsáveis por 148.000 das 164.000 vidas perdidas devido a temperaturas extremas (o que inclui frios recordes). Segundo o estudo, 92% das mortes por calor ocorreram no hemisfério norte, principalmente na Europa, que responde sozinha por 90% desse total.
  • 12. Secas

    12 /13(REUTERS/Sigit Pamungkas)

    Já as secas severas afetam a África mais do que qualquer outro continente. Nos últimos 20 anos, o continente africano registrou nada menos do que 136 eventos do tipo, sendo 77 secas concentradas em países do leste africano.

  • 13. A reunião mais quente do século

    13 /13(Stephane Mahe / Reuters)

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