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Revolução dos Cravos, o golpe que começou com um pneu furado

A Revolução de 25 de abril foi protagonizada por um grupo de militares comandado pelos oficiais Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço

Passeata do 40º aniversário da Revolução dos Cravos: na opinião do hoje coronel Vasco Lourenço, foi "a melhor operação militar na história de Portugal" (Rafael Marchante/Reuters)
DR

Da Redação

Publicado em 25 de abril de 2014 às 18h47.

Lisboa - A Revolução de 25 de abril, que significou o fim da ditadura em Portugal há 40 anos, foi protagonizada por um grupo de militares comandado pelos oficiais Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço, e começou a ganhar forma enquanto trocavam um pneu furado.

A lembrança foi relatada à Agência Efe por Vasco Lourenço, hoje presidente da Associação 25 de Abril, criada para manter vivo o espírito daquele movimento que acabou num piscar de olhos com o regime e criou a base para a volta da democracia em Portugal.

"Quando retornávamos de uma de nossas primeiras reuniões, tivemos um pneu furado e o trocamos. Eram duas da madrugada, mais ou menos, quando disse a Otelo que não íamos solucionar nada com requerimentos e papéis, que devíamos dar um golpe de Estado e convocar eleições. Ele me olhou e disse: "Mas você também pensa assim. Esse é meu sonho!", contou.

De encontros como esse entre militares, surgiu o Movimento das Forças Armadas (MFA), uma entidade nascida em 1973 com o objetivo oficial de "recuperar o prestígio" do exército entre a população e resolver algumas exigências "de tipo corporativo".

Surpreendentemente, o MFA foi autorizado pelo executivo de Marcelo Caetano, herdeiro do ditador Antonio de Oliveira Salazar - morto quatro anos antes -, o que os permitiu atuar dentro de certa legalidade.

"Essa estrutura permitiu nos organizar e reunir, não dissemos abertamente que íamos conspirar contra o governo e dar um golpe de Estado, embora no fundo o propósito era derrubar o fascismo e a ditadura", explicou Vasco Lourenço.


Os militares protestavam então pela guerra que Portugal mantinha em várias de suas colônias, um conflito sangrento que se transformou na faísca que acendeu o pavio da Revolução.

No final de fevereiro de 1974, tudo se acelerou. A publicação de um livro do general Antonio Spinola que defendia uma solução política para as guerras coloniais pôs em alerta o regime.

Como consequência, Vasco Lourenço foi transferido para as Ilhas Açores, situadas no meio do Atlântico, a 1.500 quilômetros de Lisboa. E, no dia 16 de março, surgiu uma primeira tentativa de golpe de Estado, liderada por seguidores de Spinola, mas que não foi bem sucedida.

O antigo líder do MFA só soube do golpe de 25 de abril por meio de uma mensagem cifrada enviada por telegrama a uma conhecida: "Tia Aurora, sigo para os Estados Unidos da América 25.0300". Um abraço, primo Antonio".

"O interessante vinha no final, já que me dizia a data e a hora na qual começaria o golpe", relatou Lourenço.

Ele disse que passou um dos momentos mais angustiantes de sua vida: "pensava no que teria feito se estivesse no lugar de Otelo, e sabia que teria ocupado uma emissora de rádio. Por isso passei a noite zapeando de uma emissora para outra".

"Primeiro escutei um comunicado em uma emissora no qual se convocava médicos e enfermeiras a irem aos hospitais, o que não me permitiu saber se era nosso ou não. Passaram uns minutos, que a mim pareciam horas, pararam a marcha militar, e escutei os nossos. Fiquei louco", afirmou.


O hoje coronel atribui à experiência adquirida pelos militares nas guerras coloniais o fato de a Revolução dos Cravos ter sido pacífica, sem derramamento de sangue, o que também ajudou ao apoio da população ao levante.

Na sua opinião, foi "a melhor operação militar na história de Portugal".

"Ninguém esperava que ocorresse isso, nem sequer os serviços de espionagem, inclusive tínhamos no país uma esquadra da Otan", destacou Lourenço, que tem apenas um "mas" sobre o fato ocorrido há 40 anos atrás.

"Nosso grande defeito foi não ter preparado bem o dia seguinte. Não ter limpado todo o aparelho criou problemas que mais tarde fizeram com que hoje estejamos como estamos", lamentou.

São frequentes suas críticas ao atual governo português, de tendência conservadora, e às políticas de austeridade dos últimos anos, marcados pelo programa de ajustes estipulado com a União Europeia e o FMI em troca de um resgate financeiro.

"Sinto uma grande desilusão, não acredito nos políticos de hoje", admitiu o militar, atualmente com 71 anos, defensor de "uma nova revolução".

Vasco Lourenço acredita que os governantes de hoje "agem como se fossem os herdeiros dos que perderam" em uma revolução que, apesar de tudo, "valeu a pena" e tornou possível um país que agora é "completamente diferente, para melhor".

"Se os que ocupam o poder não mudarem de atitude, a ruptura acabará sendo violenta", alertou.

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Lisboa - A Revolução de 25 de abril, que significou o fim da ditadura em Portugal há 40 anos, foi protagonizada por um grupo de militares comandado pelos oficiais Otelo Saraiva de Carvalho e Vasco Lourenço, e começou a ganhar forma enquanto trocavam um pneu furado.

A lembrança foi relatada à Agência Efe por Vasco Lourenço, hoje presidente da Associação 25 de Abril, criada para manter vivo o espírito daquele movimento que acabou num piscar de olhos com o regime e criou a base para a volta da democracia em Portugal.

"Quando retornávamos de uma de nossas primeiras reuniões, tivemos um pneu furado e o trocamos. Eram duas da madrugada, mais ou menos, quando disse a Otelo que não íamos solucionar nada com requerimentos e papéis, que devíamos dar um golpe de Estado e convocar eleições. Ele me olhou e disse: "Mas você também pensa assim. Esse é meu sonho!", contou.

De encontros como esse entre militares, surgiu o Movimento das Forças Armadas (MFA), uma entidade nascida em 1973 com o objetivo oficial de "recuperar o prestígio" do exército entre a população e resolver algumas exigências "de tipo corporativo".

Surpreendentemente, o MFA foi autorizado pelo executivo de Marcelo Caetano, herdeiro do ditador Antonio de Oliveira Salazar - morto quatro anos antes -, o que os permitiu atuar dentro de certa legalidade.

"Essa estrutura permitiu nos organizar e reunir, não dissemos abertamente que íamos conspirar contra o governo e dar um golpe de Estado, embora no fundo o propósito era derrubar o fascismo e a ditadura", explicou Vasco Lourenço.


Os militares protestavam então pela guerra que Portugal mantinha em várias de suas colônias, um conflito sangrento que se transformou na faísca que acendeu o pavio da Revolução.

No final de fevereiro de 1974, tudo se acelerou. A publicação de um livro do general Antonio Spinola que defendia uma solução política para as guerras coloniais pôs em alerta o regime.

Como consequência, Vasco Lourenço foi transferido para as Ilhas Açores, situadas no meio do Atlântico, a 1.500 quilômetros de Lisboa. E, no dia 16 de março, surgiu uma primeira tentativa de golpe de Estado, liderada por seguidores de Spinola, mas que não foi bem sucedida.

O antigo líder do MFA só soube do golpe de 25 de abril por meio de uma mensagem cifrada enviada por telegrama a uma conhecida: "Tia Aurora, sigo para os Estados Unidos da América 25.0300". Um abraço, primo Antonio".

"O interessante vinha no final, já que me dizia a data e a hora na qual começaria o golpe", relatou Lourenço.

Ele disse que passou um dos momentos mais angustiantes de sua vida: "pensava no que teria feito se estivesse no lugar de Otelo, e sabia que teria ocupado uma emissora de rádio. Por isso passei a noite zapeando de uma emissora para outra".

"Primeiro escutei um comunicado em uma emissora no qual se convocava médicos e enfermeiras a irem aos hospitais, o que não me permitiu saber se era nosso ou não. Passaram uns minutos, que a mim pareciam horas, pararam a marcha militar, e escutei os nossos. Fiquei louco", afirmou.


O hoje coronel atribui à experiência adquirida pelos militares nas guerras coloniais o fato de a Revolução dos Cravos ter sido pacífica, sem derramamento de sangue, o que também ajudou ao apoio da população ao levante.

Na sua opinião, foi "a melhor operação militar na história de Portugal".

"Ninguém esperava que ocorresse isso, nem sequer os serviços de espionagem, inclusive tínhamos no país uma esquadra da Otan", destacou Lourenço, que tem apenas um "mas" sobre o fato ocorrido há 40 anos atrás.

"Nosso grande defeito foi não ter preparado bem o dia seguinte. Não ter limpado todo o aparelho criou problemas que mais tarde fizeram com que hoje estejamos como estamos", lamentou.

São frequentes suas críticas ao atual governo português, de tendência conservadora, e às políticas de austeridade dos últimos anos, marcados pelo programa de ajustes estipulado com a União Europeia e o FMI em troca de um resgate financeiro.

"Sinto uma grande desilusão, não acredito nos políticos de hoje", admitiu o militar, atualmente com 71 anos, defensor de "uma nova revolução".

Vasco Lourenço acredita que os governantes de hoje "agem como se fossem os herdeiros dos que perderam" em uma revolução que, apesar de tudo, "valeu a pena" e tornou possível um país que agora é "completamente diferente, para melhor".

"Se os que ocupam o poder não mudarem de atitude, a ruptura acabará sendo violenta", alertou.

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