Reforma política pode reduzir corrupção entre candidatos
Especialistas discutem os impactos de mudanças do sistema nas eleições, como a diferença da distribuição de verba
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h42.
São Paulo - Dinheiro não contabilizado destinado à corrupção, desigualdade na distribuição de dinheiro entre candidatos e partidos políticos, campanha política cara e muito poder destinado a grandes empresas doadoras de campanhas políticas. Se esses são os principais problemas relacionados à captação de dinheiro para as campanhas políticas no Brasil, como evitar que ocorram ou diminuir seus efeitos?
Para a cientista política Helcimara Telles, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a solução passa por uma reforma política, aliada a uma legislação mais rígida que evite a sensação de impunidade. "Em cada pleito, cada estado tem 3 mil candidatos na disputa. Essa alta competitividade, por exemplo, faz com que os candidatos tenham que gastar muito para se sobressair", disse. "Essa competitividade faz com que as campanhas fiquem muito caras", completou.
Há quem aposte até na exclusividade do tipo de financiamento, que hoje é misto (com dinheiro privado e público). "A sugestão de uma melhoria da lei seria, de início, a reformulação na forma de arrecadação. Pensar até na possibilidade de um financiamento público geral, onde aquelas pessoas envolvidas com o processo democrático, com o processo de cidadania do país, poderiam doar para o próprio Estado, que poderia fazer essa repartição de gastos, eliminando esses problemas do abuso de poder econômico, de certa forma. Ou, pelo menos, mitigando, deixando mais clara essa vinculação do privado com os candidatos", afirmou o juiz Marco Antonio Martim Vargas, assessor da presidência do Tribunal Regional Eleitoral.
Vargas ressaltou, no entanto, que ainda considera essa ideia ideológica e utópica. "Não sei se teríamos um interesse tão grande dessas empresas ou dessas pessoas para esse ato de cidadania, pensando tão somente no processo democrático, tão somente na estabilidade das instituições."
O coordenador de Projetos da organização não governamental (ONG) Transparência Brasil, Fabiano Angélico, discorda da proposta de um sistema exclusivamente público, principalmente por não acreditar que as empresas vão conseguir se distanciar do processo eleitoral e político. Para Angélico, o sistema misto é o mais adequado para o Brasil.
Segundo ele, estudos indicam que o sistema brasileiro "tem um esqueleto correto". O coordenador destacou que o financiamento político ideal deve se basear em um tripé. Em primeiro lugar, deve haver a transparência total e absoluta. O segundo ponto é a existência de "um misto de financiamento público e privado, em que o Estado consiga manter o sistema político em funcionamento, mas permitindo a participação de empresas e pessoas até como forma de incentivar uma cobrança maior".
O terceiro ponto que o coordenador considera fundamental é um sistema de sanções eficaz. "Ou seja, assim que for identificado um dinheiro que não deveria ter entrado, uma prestação de contas errada para ludibriar, que isso seja punido exemplarmente e vigorosamente", afirmou.
Angélico avalia que, embora seja adequado, o sistema misto precisa ser melhorado. "A gente precisa melhorar esse aspecto da legislação eleitoral para possibilitar uma investigação mais célere, mais rápida. Uma coisa que poderia melhorar logo de cara são os dados [prestação de contas] que são disponibilizados só depois das eleições. Há recursos tecnológicos para apresentá-los em tempo real."
A cientista política Maria do Socorro Souza Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar-SP), diz não ter uma opinião formada sobre se um sistema exclusivamente público seria o melhor para o Brasil. A princípio, para ela a ideia não parece muito adequada, se comparada ao caso do México, que fez essa escolha. "Não deu certo porque as empresas continuam financiando. Só que agora é pior porque elas financiam e não se tem nenhum tipo de conhecimento de quem está financiando e nem de quanto [está sendo financiado]. Então gerou um problema muito maior de corrupção no México."
Para Maria do Socorro, uma saída seria uma fiscalização mais efetiva do sistema eleitoral. "O que falta no México é que eles não têm uma Justiça como há no Brasil, organizada, fazendo esse papel de fiscalizadora. No Brasil, na hora da punição é que há o problema."
De acordo com a cientista política, outro problema é que não existe um mecanismo na legislação brasileira para identificar a divisão do dinheiro doado. "Hoje os partidos recebem e só se identifica quem doou e qual foi a quantia. Mas depois que chega às lideranças partidárias, não existe nenhum mecanismo que nos diga como essas lideranças redistribuem esse dinheiro."
O coordenador de Projetos da Transparência Brasil defende o estímulo às doações de valores baixos por pessoas físicas. "Em alguns países, como a Costa Rica, existe o sistema de premiar e incentivar a doação de pequena monta. O sujeito que doa uma pequena quantia, por exemplo, tem desconto no Imposto de Renda ou outro benefício", disse Fabiano Angélico.
Segundo ele, isso pode evitar "que grandes empresas coloquem o deputado no bolso". "Isso acontece no Brasil, primeiro porque os caras não respeitam os 2%. Há muitos casos de doação acima do limite". Pare ele, há problemas que dificultam essa fiscalização. "Só que aí se esbarra em problemas. O sigilo fiscal no Brasil é algo extremamente exagerado, lógico que deve existir, mas os órgãos públicos deveriam ter um pouco mais de facilidade para acessar esses dados. O teto de 2% para uma empresa de grande porte é muito dinheiro, mas você pode estabelecer faixas: empresas com faturamento superior a x podem dar 1%, por exemplo", sugeriu.
A cientista política Maria do Socorro Souza Braga também aprova o estímulo a doações de pessoas físicas. "Algo assim é interessante para vermos a adesão das pessoas às campanhas e aos partidos."
Helcimara Telles, da UFMG, também acredita que uma resposta seja a participação e a consciência popular. "A corrupção no Brasil acaba gerando não só a necessidade de uma reforma do sistema eleitoral, mas a própria necessidade de o público interferir na concepção da democracia, na proliferação de espaços mais participativos no país e de maior controle das políticas públicas."