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Putin usa fim do desconto no gás para pressionar a Ucrânia

Ameaça da Gazprom aumenta o ônus financeiro de Kiev e seu governo próximo da falência

Bandeiras ao vento perto de uma tela com o logotipo da companhia Gazprom, em São Petersburgo (Alexander Demianchuk/Reuters)

Bandeiras ao vento perto de uma tela com o logotipo da companhia Gazprom, em São Petersburgo (Alexander Demianchuk/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 3 de março de 2014 às 23h16.

Moscou - A ameaça da OAO Gazprom de acabar com o desconto no preço do gás natural enviado para a Ucrânia aumenta o ônus financeiro de Kiev e seu governo próximo da falência e transforma o fornecimento de energia na Europa em mais um capítulo na escalada da crise.

A empresa que monopoliza as exportações de gás da Rússia disse no dia 1º de março que pode dar um fim ao acordo de fornecimento assinado no ano passado com a Ucrânia, que prevê uma taxa mais barata, se não forem pagos US$ 1,55 bilhão devidos pelo combustível. É a primeira vez desde a derrubada do presidente pró-Moscou, Viktor Yanukovych, no mês passado, que a Rússia usou diretamente sua posição como fornecedora dominante de energia à Ucrânia para pressionar o novo regime.

Vladimir Putin, que tem permissão do Congresso russo para enviar tropas à Ucrânia, usou repetidas vezes o gás para coagir seu vizinho do oeste, tendo cortado o fornecimento duas vezes desde 2006 devido a desentendimentos relacionadas ao pagamento. Como a Ucrânia abriga uma rede de tubulações da era soviética, que transporta mais de metade das exportações do gás da Rússia para a União Europeia, qualquer interrupção no fornecimento coloca em risco a segurança energética da região.

A dívida do gás “é um tradicional movimento russo para pressionar a Ucrânia”, disse Mikhail Korchemkin, diretor da East European Gas Analysis, com sede em Malvern, Pensilvânia. “Na última década, o Kremlin usou a válvula de gás como uma ferramenta de pressão política sobre as antigas repúblicas soviéticas”.

As ações da Gazprom caíram até 17 por cento, para 116,79 rublos em Moscou, a maior queda desde 2008, enquanto os investidores venderam ações e moeda russas em resposta às ações de Putin na Ucrânia.

Governo interino

O governo interino da Ucrânia, liderado por Arseniy Yatsenyuk, não tem recursos para cumprir a exigência da Gazprom quanto aos pagamentos atrasados e tenta negociar com o Fundo Monetário Internacional um resgate de US$ 15 bilhões. A Ucrânia, que usa mais gás do que a França, obtém mais da metade de seu fornecimento da Rússia.

A Ucrânia tem um acordo, negociado no ano passado pelo governo Yanukovych, para a compra de gás a uma taxa com desconto até o fim de março. Alguns dias depois que o governo caiu, o primeiro-ministro da Rússia disse que o acordo seria honrado pelo novo regime. Isso, agora, mudou.


O ministro da Energia ucraniano, Yuriy Prodan, disse a repórteres em Kiev, no dia 1º de março, que não sabe quando poderão ser feitos os pagamentos à Gazprom, que tem sede em Moscou.

“Parece que se não realizar os pagamentos pelo gás e não cumprir os compromissos, a Ucrânia não poderá continuar a ter seu atual desconto no preço do gás”, disse o porta-voz da Gazprom, Sergei Kurpriyanov, por telefone.

O Ministério da Energia da Rússia não vê motivo para renovar o acordo para reduzir os preços do gás no segundo trimestre, informou a Interfax, citando um funcionário da pasta, sem identificá-lo.

Carregamentos de gás

Até o momento, os carregamentos russos de gás para a Ucrânia e o resto da Europa não foram interrompidos durante a crise. O fornecimento está sendo enviado pela tubulação como de costume, disseram ontem dois funcionários da gestora nacional das tubulações Ukrtransgaz, que pediram para não serem identificados porque não estão autorizados a falar com a imprensa. Os fornecimentos e o tráfego continuam sem interrupção, disse a assessoria de imprensa da Gazprom, hoje, por telefone.

“É muito difícil prever os próximos movimentos. Qualquer uma das partes no conflito pode ir para o tudo ou nada”, disse Dennis Sakva, analista de energia da Dragon Capital, em Kiev. Se a Rússia colocar um fim aos contratos de fornecimento para a Ucrânia, a medida pode ter um efeito dominó sobre o fornecimento europeu, disse ele.

A Gazprom forneceu em torno de 30 por cento do gás usado pela Europa no ano passado, segundo dados de uma apresentação realizada no mês passado. Apesar de o inverno ameno ter mantido a moderação da reação do mercado do gás à crise, porque os estoques europeus estão mais altos que a média, hoje os preços subiram.

South Stream

No longo prazo, a crise dará impulso ao projeto South Stream da Gazprom, um gasoduto pelo Mar Negro ligando a Rússia e a Europa sem cruzar a Ucrânia. A conexão Nord Stream, que vai da Rússia à Alemanha, já reduziu a proporção do gás enviado à UE por meio da Ucrânia de 80 por cento de quando ele foi inaugurado, em 2011, para cerca de 50 por cento, agora.

“A ramificação principal está acelerando a construção do South Stream com mais apoio agora para este projeto de consumidores europeus anteriormente céticos”, disse Lev Snykov, sócio da Greenwich Capital em Moscou.

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