Putin para Finlândia: acabar com neutralidade ao entrar na Otan é um erro
Presidente da Rússia e da Finlândia conversaram por telefone, em um diálogo que foi descrito pelo Kremlin como “troca franca de pontos de vista”
Estadão Conteúdo
Publicado em 14 de maio de 2022 às 11h31.
O presidente russo, Vladimir Putin, disse ao presidente finlandês Sauli Niinisto neste sábado (14) que acabar com a neutralidade e aderir à Otan seria um erro que poderia prejudicar as relações entre os dois países.
A declaração foi divulgada pelo Kremlin e feita dois dias depois que a Finlândia anunciou a intenção de se juntar à aliança ocidental. O governo de Putin descreveu esse movimento como "ameaça à segurança" que força uma resposta, mas não especificou qual.
Os dois presidentes conversaram por telefone, em um diálogo que foi descrito pelo Kremlin como “troca franca de pontos de vista”. Niinistro disse que foi uma “conversa direta e conduzida sem rodeios. Evitar tensões foi considerado importante.”
Segundo o gabinete do presidente finlandês, ele afirmou a Putin que “o objetivo de impedir que os países se juntem à Otan e a invasão à Ucrânia em fevereiro alteraram o ambiente de segurança da Finlândia”. Em seguida, ressaltou que o país pretende se relacionar com a Rússia “de maneira correta e profissional”.
O Kremlin ressaltou que Putin julgou o abandono da neutralidade militar como um erro, “já que não há ameaças à segurança da Finlândia”. “Tal mudança na política externa do país pode ter um impacto negativo nas relações russo-finlandesas”, declarou.
A candidatura da Finlândia à Otan deve se tornar oficial neste domingo. A intenção deve ser seguida por um movimento semelhante da Suécia e confronta com um dos objetivo de Putin ao iniciar a guerra na Ucrânia, de frear a expansão da Otan para as fronteiras da Rússia.
Entretanto, a entrada na Otan necessita da aprovação dos 30 países-membros da aliança e uma oposição turca pode atrapalhar os planos dos países escandinavos. Nesta sexta-feira, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, acusou os dois países escandinavos de abrigar militantes curdos, considerados terroristas por Ancara, e se disse contra a adesão.
“Não temos uma opinião positiva. Os países escandinavos são como uma casa de hóspedes para organizações terroristas”, disse Erdogan a repórteres, citando o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerado um grupo terrorista pela Turquia.
Neste sábado, o porta-voz de Erdogan afirmou que o país não fechou a porta para a entrada da Suécia e da Finlândia, mas que busca negociações com os dois países e uma repressão ao que vê como atividades terroristas.
Rússia interrompe fornecimento de energia elétrica para a Finlândia
Antes da conversa, Moscou cortou as exportações de energia elétrica para a Finlândia. O corte foi anunciado nesta sexta-feira pela empresa RAO Nordic, de 100% de capital russo, por “falta de pagamento”. Segundo a empresa, o pagamento não é realizado pela Finlândia desde 6 de maio. Não foi revelado se os problemas de pagamentos estão relacionados com as sanções europeias adotadas contra a Rússia após a guerra na Ucrânia.
A Finlândia importa da Rússia 10% da energia elétrica de que necessita. A rede continuou funcionando graças a importações da Suécia.
Entrada da Finlândia na Otan redesenha mapa geopolítico na Europa
O movimento que potencialmente redesenha o mapa de segurança e defesa da Europa é a mais profunda transformação decorrente da invasão da Ucrânia pela Rússia até o momento - a Suécia também discute o ingresso no bloco, o que pode significar uma mudança ainda mais profunda. Caso o ingresso no bloco se confirme, a fronteira compartilhada entre Otan e Rússia aumentaria em cerca de 1.300 quilômetros.
Historicamente, a Finlândia é um país não alinhado militarmente, que durante os anos de disputa entre Otan e União Soviética se manteve neutro para evitar qualquer ameaça à sua soberania. Mas desde que o presidente russo, Vladimir Putin, autorizou suas tropas a partirem em direção a Kiev, autoridades do país nórdico colocaram em xeque o posicionamento de décadas - e deixaram claro que a decisão tem como motivação o avanço russo.
Finlândia e Suécia estão prontas para se juntar à aliança militar ocidental
“A guerra iniciada pela Rússia põe em risco a segurança e a estabilidade de toda a Europa. (...) A invasão da Ucrânia pela Rússia alterou o ambiente de segurança europeu e finlandês”, disse o ministro das Relações Exteriores da Finlândia, Pekka Haavisto, a parlamentares europeus nesta quinta.
De acordo com o analista político Oliver Stuenkel, coordenador do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da FGV-SP, a contribuição militar e geopolítica dos países nórdicos bem como o fato de serem democracias estáveis, deve facilitar o ingresso no Tratado do Atlântico Norte.
“O cálculo que o bloco militar faz é mensurável à contribuição que o novo membro traz, mas também avalia o possível risco trazido por essa adesão. A cada novo país, o bloco precisa estender sua garantia de segurança a um território adicional, e isso produz uma série de responsabilidades e obrigações. Os novos países também ganham responsabilidades, porque precisam atender às garantias de segurança coletiva, caso um aliado seja atacado”, explicou o professor, que vê a iminente adesão dos países como um fracasso diplomático de Moscou.
“A Rússia fez uma grande aposta ao invadir a Ucrânia com a justificativa de buscar conter a expansão da influência da Otan. Agora, mesmo se conseguir evitar o ingresso ucraniano (que, diga-se de passagem, não era iminente), a adesão da Suécia e da Finlândia é um fortalecimento do bloco militar”.
O Kremlin reagiu imediatamente às declarações das lideranças finlandesas, afirmando que a adesão à Otan “definitivamente” representava uma séria ameaça à Rússia e que tomaria “as medidas necessárias” para garantir a segurança. Moscou não detalhou quais seriam essas medidas.
“A expansão da Otan não torna nosso continente mais estável e seguro”, disse o porta-voz do governo russo, Dmitri Peskov, segundo registro da agência de notícias Interfax. Peskov ainda acrescentou que a Rússia pode tomar novas medidas para “equilibrar a situação” caso a adesão à aliança se confirme.