Chile: "Que os milicos vão embora!", repetiram em coro os manifestantes (Ivan Alvarado/Reuters)
AFP
Publicado em 22 de outubro de 2019 às 09h05.
Última atualização em 24 de outubro de 2019 às 13h01.
O presidente chileno, Sebastián Piñera, propôs na noite desta segunda-feira (21) um "acordo social" para fazer frente às demandas expressas durante as intensas manifestações que duram quatro dias e já deixaram 15 mortos em todo o Chile. De acordo com o subsecretário do Interior do Chile, Rodrigo Ubilla, detalhou que todas as mortes contabilizadas ocorreram em um contexto de "incêndios e saques, principalmente de estabelecimentos comerciais".
"Amanhã (terça) me reunirei com presidentes de partidos, tanto do governo quanto da oposição, para poder explorar e oxalá avançar para um acordo social que permita a todos nos aproximarmos com rapidez, eficácia e também responsabilidade para melhores soluções aos problemas que afligem os chilenos", informou Piñera.
Milhares de pessoas ocuparam a praça Itália, em Santiago, nesta segunda-feira, na maior manifestação registrada no local desde o início, na sexta passada, dos protestos que não diminuem de intensidade.
"Que os milicos vão embora!", repetiram em coro os manifestantes, em aberto desafio às forças militares e policiais, que resguardam em grande número o centro da capital chilena, sob estado de emergência, sem que até o momento tenham ocorrido novos enfrentamentos.
"Isto não para, isto não para, irmão", declarou uma manifestante a uma emissora de TV local, enquanto em um clima de grande tensão, os chilenos começavam o primeiro dia de trabalho após o início dos protestos, os mais violentos desde a volta do país à democracia, em 1990, com o fim da ditadura de Augusto Pinochet.
"O número oficial de mortos que temos que lamentar nestes últimos dias é 11", disse a jornalistas Karla Rubilar, intendente (governadora) da Região Metropolitana.
Após esta coletiva, um jovem de 23 anos foi atropelado por um caminhão militar durante um saque na cidade de Talcahuano, 500 km ao sul de Santiago, tornando-se a 12ª vítima fatal dos protestos, segundo as autoridades da região de Biobío.
O ministro da Saúde, Jaime Máñalich, informou que há 239 civis feridos - oito em risco de vida - depois dos protestos.
O titular da pasta do Interior, enquanto isso, disse que 50 policiais e soldados também ficaram feridos. A procuradoria informou, ainda, 2.151 detidos em todo o país.
Neste primeiro dia de trabalho desde que os protestos começaram, muitos empregadores liberaram os funcionários e as aulas foram suspensas em praticamente todos os colégios e universidades.
As autoridades estimaram em 20 mil os postos de trabalho afetados pela destruição. A bolsa de Santiago caiu 4,61% e o peso chileno perdeu 2,06% de seu valor nesta segunda-feira, primeiro dia de operações após o início dos protestos.
A falta do metrô - eixo do transporte público, que transporta cerca de três milhões de passageiros por dia - é o que mais causa estranhamento nesta cidade de quase sete milhões de habitantes, agora obrigados a fazer longas filas para pegar ônibus ou para ter acesso às poucas estações que abriram.
A poucos metros da Casa de Governo, em pleno centro de Santiago, a estação de metrô La Moneda abriu suas portas depois das 7h locais (mesmo horário em Brasília), permitindo o ingresso de dezenas de pessoas que esperavam impacientes para poder embarcar. Vários soldados controlavam o fluxo de entrada.
Esta tarde, o chefe militar a cargo da segurança em Santiago, Javier Iturriaga, anunciou o decreto do toque de recolher pelo terceiro dia consecutivo.
"Precisamos novamente decretar toque de recolher, que vigorará para toda a região metropolitana a partir de hoje às 20h e até amanhã às 06h", disse Itturriaga em mensagem transmitida pela TV.
Se o estopim do conflito foi o aumento das tarifas do metrô, com o correr das horas os protestos ecoaram outras reivindicações em uma sociedade que há anos vive um descontentamento com um modelo econômico em que o acesso à saúde e à educação é praticamente privado, com alta desigualdade social, baixas pensões e carestia dos serviços básicos.
O governo condenou os protestos violentos e pediu calma, mas Piñera, que até poucos dias atrás se referia ao seu país como um oásis de tranquilidade, afirmou na noite de domingo que o Chile estava "em guerra contra um inimigo poderoso".
Em Paris, 400 chilenos residentes na França pediram a saída de Piñera em uma manifestação em solidariedade aos protestos no Chile.
"Um presidente que declara guerra ao seu povo não é presidente", "Temos o direito de viver em paz", diziam alguns cartazes, enquanto manifestantes batiam em panelas e repetiam em coro "O povo unido jamais será vencido" durante o ato no distrito VII de Paris, bairro das embaixadas e consulados.
No centro de Santiago, permanece forte a presença de militares e de policiais. Algumas lojas - as menores - abriram as portas, mas a maioria dos supermercados e shopping centers permaneciam fechados ou abriram parcialmente.
Em alguns supermercados, as pessoas faziam longas filas à espera de que abrissem as portas para comprar provisões. Nos postos de gasolina também eram vistas longas filas de veículos esperando para abastecer.
A virulência dos protestos deixou muitos perplexos e com medo. Ao mesmo tempo, a sociedade se mantém na expectativa de mudanças que podem vir.
"Sabia-se que isso estava vindo. O governo não fez nada. Não foi apenas o bilhete do metrô que deflagrou isso e terminou em vandalismo. Se o governo não fizer coisas contundentes, medidas para melhorar os salários, a saúde, a previdência...", disse à AFP Carlos Lucero, de 30 anos, que vende sanduíches no Paseo Ahumada, no centro.
Com duas noites consecutivas de toque de recolher após a decretação do estado de emergência em várias cidades do Chile, em meio a saques em todo país, os moradores se organizaram para evitar ataques a suas residências.
Armados com pedaços de paus e com os coletes amarelos que popularizaram os recentes manifestos na França, defenderam suas casa, supermercados e o comércio de bairro que ficaram de pé e não foram vandalizados.
"A ideia foi nos organizarmos e nos identificarmos entre os moradores, por isso colocamos os coletes amarelos. Houve algumas tentativas de roubo no setor e, por conta disso, nós nos organizamos para nos defender", afirmou Priscila, que mora em Macul (leste de Santiago), em entrevista ao canal 24 horas.
Os moradores fizeram rondas de vigilância junto com policiais e militares, que lhes permitiram sair às ruas apesar do toque de recolher.