O casal presidencial se negou a antecipar eleições como propõe a Conferência Episcopal, mediadora de um diálogo com a oposição para tentar resolver a crise nacional (Oswaldo Rivas/Reuters)
AFP
Publicado em 17 de julho de 2018 às 13h40.
Última atualização em 17 de julho de 2018 às 16h29.
Em 19 de julho de 1979, Daniel Ortega era um herói à frente da insurreição que derrubou a ditadura de Anastasio Somoza, mas, 39 anos depois, governa a Nicarágua junto com sua mulher, Rosario Murillo, apegado ao poder em meio a protestos que reivindicam sua saída.
Ele é um ex-guerrilheiro de 72 anos, admirador de Che Guevara. Ela, uma poetisa excêntrica de 67 anos, que exerce o poder nos bastidores, do alto de seu cargo de vice-presidente.
Em meio à crise política deflagrada desde abril com sangrentos protestos, Ortega passou de altos índices de popularidade para uma rejeição de 63%, segundo um estudo de maio do instituto CID Gallup.
Pouco resta daquele líder revolucionário de 39 anos atrás. Hoje, a comunidade internacional o aponta como responsável por uma feroz repressão contra os que querem tirá-lo do poder. São pelo menos 280 mortos em três meses.
Murillo descreve a onda de violência que castiga o país desde 18 de abril como "tempos de escuridão" provocados por "malignos".
Após meses de protestos e com a economia em queda livre, Ortega aparece pouco em público e, quando isso acontece, fala de paz, amor, Deus e evita atacar o "imperialismo".
O casal presidencial se negou a antecipar eleições como propõe a Conferência Episcopal, mediadora de um diálogo com a oposição para tentar resolver a crise nacional.
O dissidente sandinista Julio López, amigo de Ortega desde que eram estudantes, disse estar "surpreso" com a forma como o líder tenta pôr fim aos protestos, com um uso desproporcional da força.
A espiral de violência também deixou cerca 1.500 feridos e um número ainda impreciso de detentos e desaparecidos, segundo organismos de direitos humanos.
Ortega é acusado de corrupção e de nepotismo por seus críticos. Segundo o ex-candidato presidencial Edmundo Jarquín, "ele busca o dinheiro enquanto lhe dá poder (...) Não aceita limites nas leis".
Os protestos, que levaram os estudantes às ruas em várias partes da Nicarágua desde 18 de abril, puseram em xeque o histórico controle das mobilizações sociais de Ortega e sua Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) nos últimos 40 anos.
Ortega nasceu em 11 de novembro de 1945 na cidade mineira de La Libertad (centro), em uma família católica. Ainda jovem abandonou a universidade para se somar à luta contra a dinastia dos Somoza.
Governou pela primeira vez à frente da Revolução Sandinista, que derrubou o regime somozista em 1979 com o apoio de Cuba e da União Soviética. Em sua primeira presidência, enfrentou a guerrilha dos "contras", apoiada pelos Estados Unidos, em um conflito que deixou 35.000 mortos até 1990.
Após perder as eleições de 1990 para Violeta Barrios de Chamorro, livrou-se do uniforme verde-oliva que o acompanhou durante a Revolução Sandinista e passou a andar à paisana como líder da oposição.
Depois de seu retorno ao poder em 2007, aliou-se ao empresariado, com o qual governou nos últimos 11 anos, em um modelo que chama de "diálogo e consenso". Outros setores foram alijados.
Depois de se reeleger em 2011, graças a uma manobra legal, Ortega deixou o poder praticamente nas mãos de Murillo, sua porta-voz oficial e que se tornou sua vice-presidente em 2016.
Os dois mantêm ferrenho controle sobre todas as instituições do Estado: Exército, Polícia, Congresso e tribunal eleitoral.
Muitos de seus ex-companheiros o acusam de desvirtuar os ideais sandinistas, assim como de autoritarismo e nepotismo, ao compartilhar o poder com sua mulher, enquanto seus dois filhos são donos, ou dirigem veículos de comunicação do governo, e alguns ocupam cargos públicos.
"Nos anos 1980, Ortega era parte de um projeto de mudança revolucionária. Agora é um capitalista encantado com o poder, dedicado a ampliar seus privilégios e suas fortunas", disse à AFP a ex-guerrilheira Mónica Baltodano, que deixou a FSLN em 2000.
"Antes o poder era para o povo, hoje é para sua família e pessoas próximas. Defende esse poder com os mesmos instrumentos da ditadura somozista: pactos com a oposição, a mais reacionário das hierarquias eclesiásticas e o grande capital", criticou Baltodano.
A imagem de Ortega sofreu um golpe após as acusações de abuso sexual feitas em 1998 por sua enteada Zoila América, atualmente exilada na Costa Rica. Ela acusa a mãe, Rosario, de persegui-la politicamente.
A cara do governo é Rosario Murillo, mãe de nove filhos, seis deles com Ortega. Pessoas próximas elogiam sua grande capacidade de trabalho. Ortega também tem um filho de uma relação anterior.
A vice-presidente nasceu em 22 de junho de 1951, em Manágua, onde se formou como educadora. Na juventude, integrou um movimento chamado Gradas, de artistas e poetas contrários à ditadura, antes de aderir à FSLN em 1969. Foi lá que ela e Ortega se conheceram.