Escravidão: a Comissão diz que o governo é culpado de escravidão sistemática, recrutamento forçado e outros abusos (Mario Tama / Getty Images/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 8 de junho de 2016 às 11h28.
A ONU contabiliza entre 300.000 e 400.000 pessoas em condição de escravidão na Eritreia, devido ao serviço militar obrigatório e ilimitado, em um relatório publicado pela Comissão de Investigação sobre a Eritreia, que denuncia crimes contra a humanidade.
"Acreditamos que há 300.000 ou 400.000 pessoas escravizadas", disse aos jornalistas em Genebra Mike Smith, diretor da Comissão de Investigação sobre as violações dos direitos humanos na Eritreia da ONU.
Em seu segundo relatório, publicado nesta quarta-feira, a Comissão diz que o governo do presidente Isaías Afewerki, no poder desde a independência do país, em 1991, é culpado de escravidão sistemática, recrutamento forçado e outros abusos.
O texto denuncia a duração ilimitada do serviço militar ou do serviço nacional.
"As autoridades eritreias exercem, assim, um direito de propriedade sobre os cidadãos eritreus", indicou o documento, acrescentando que "há boas razões para crer que as autoridades eritreias cometeram crimes de escravidão, um crime contra a humanidade, de maneira sistemática e persistente desde 2002".
"Poucos eritreus são liberados de suas obrigações de serviço militar", acrescentou Smith. Esta obrigação de servir indefinidamente ao exército é um dos motivos pelos quais milhares de eritreus fogem deste país de 6,5 milhões de habitantes situado no Chifre da África.
Para a Comissão de Investigação, o recrutamento militar deve ser reduzido a, no máximo, um ano e meio, como o previsto.
Refugiados do repressivo estado do Mar Vermelho representaram nos últimos anos um dos maiores grupos de pessoas que arriscam suas vidas para viajar à Europa buscando uma nova vida.
"O que pedimos é que o Conselho de Segurança tome medidas específicas" contra os responsáveis por abusos de direitos, disse Smith, sem querer dar o nome dos envolvidos.
Em 2015, mais de 47.000 eritreus pediram asilo na Europa, e a Comissão solicita aos países que concedam a eles o status de refugiados.
Os eritreus, que fogem em massa do regime, se refugiam na Europa, sobretudo em Suécia, Alemanha, Suíça e Holanda.
"Abusos generalizados"
Segundo o relatório, "na Eritreia foram cometidos crimes contra a humanidade de maneira generalizada e sistemática nos centros de detenção, nos campos de treinamento militar e em outros locais do país nos últimos 25 anos".
"Indivíduos particulares, incluindo funcionários das mais altas esferas do Estado, do partido do poder - Frente Popular pela Democracia e pela Justiça - e comandantes são responsáveis por crimes contra a humanidade", acrescenta o texto.
A divisão em 1991 entre Etiópia e Eritreia levou a uma guerra de independência de 30 anos, onde os rebeldes eritreus lutaram contra as forças mais bem equipadas da Etiópia, apoiadas pela primeira por Washington e depois pela União Soviética.
Smith disse que Isaías Afewerki presidia o Estado sem instituições democráticas que funcionem.
"A Eritreia é um Estado autoritário, não há nenhum poder judicial independente, não há uma assembleia nacional, e não há instituições democráticas (...) Há impunidade total para os crimes contra a humanidade cometidos há um quarto de século", declarou.
O diretor da Comissão acrescentou que não há nenhuma possibilidade de que o sistema judicial da Eritreia garanta julgamentos legítimos contra os responsáveis por estes crimes.
A Eritreia negou em muitas ocasiões o acesso ao país de investigadores da ONU.
Entre as recomendações que serão apresentadas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, a Comissão pede que o governo da Eritreia aplique a Constituição de 1997 e ratifique muitas convenções que garantem os Direitos Humanos, assim como a aplicação do Código Penal, do procedimento penal, do Código Civil e o procedimento civil, de maio de 2015.