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O que a eleição fragmentada no Peru traz de lições ao Brasil

Com pouco mais de 80% das urnas apuradas nesta segunda-feira, o segundo turno no Peru ainda é incerto. Mas a divisão política pode dar sinais de o que esperar do Brasil em 2022

Pedro Castillo após votar no domingo, 11: base sindical e apoio nos rincões do Peru fizeram candidato ser a grande surpresa do primeiro turno até agora (Vidal Tarqui/ANDINA/Reuters)
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Carolina Riveira

Publicado em 12 de abril de 2021 às 18h41.

Última atualização em 12 de abril de 2021 às 21h10.

O cientista político Steven Levitsky, co-autor do livro "Como as Democracias Morrem", assim descreveu a política do Peru neste mês: "Eu tenho um doutorado em ciência política e não consigo distinguir entre os partidos peruanos".

Com todos os ex-presidentes recentes presos ou processados -- muitos ainda pelos escândalos de corrupção envolvendo a empreiteira brasileira Odebrecht -- o Peru foi às urnas neste domingo, 11, com nada menos que 18 candidatos na disputa, nenhum deles tendo mais de 15% dos votos nas pesquisas.

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"É impossível porque [os partidos] não têm programas claros, e isso também é um problema para o eleitorado", disse Levitsky à BBC em espanhol, antes do pleito.

A fala do especialista era sobre o Peru, mas poderia muito bem se aplicar ao cenário político brasileiro. Para o pesquisador Mauricio Moura, fundador do instituto de pesquisa especializado em opinião pública IDEIA, o cenário peruano traz acontecimentos que lembram o Brasil de 2018, com desilusão sobre a política e busca por candidatos outsiders. O debate mostra também um presságio do que podem ser as eleições brasileiras em 2022.

"Os peruanos foram às urnas com uma descrença muito grande, e isso proporciona a ida de políticos mais radicais para o segundo turno, pelo que se desenha até agora", diz Moura. "O resultado mostra que, em várias partes da América Latina, se o centro quiser ter êxito, precisa se aglutinar".

Com experiência em pesquisas e análises eleitorais nas eleições peruanas e brasileiras, Moura falou à EXAME sobre os resultados no Peru e as semelhanças com o cenário político no Brasil. Veja os destaques abaixo.

Eleição dos outsiders

Até às 18h desta segunda-feira, a Oficina Nacional de Procesos Electorales, órgão eleitoral no Peru, somava pouco mais de 80% das urnas apuradas na disputa presidencial.

O professor sindicalista Pedro Castillo, de 51 anos, do partido Peru Livre, tinha 18,6% dos votos. Castillo é uma surpresa nos resultados: o professor é político tido como de extrema esquerda e não despontava entre os favoritos antes do pleito.

Em seguida, com 13,2% dos votos, vem a ex-congressista Keiko Fujimori, do Força Popular, filha do ex-ditador Alberto Fujimori e figura tradicional na política peruana. Ela é seguida de perto pelo economista liberal Hernando de Soto, com 12,1%.

Em quarto e muito perto de De Soto está o empresário de ultradireita Rafael López, com 12% dos votos, que promete combater o que chama de "a nova ordem marxista".

O resultado é imprevisível, mas o cenário se desenha para a chegada de Fujimori ao segundo turno porque os votos de lugares mais longínquos -- os que demoram mais a ser contabilizados -- tendem a ir para a ex-congressista.

Com exceção de Fujimori, todos os candidatos que lideram na apuração guardam algo em comum: não estiveram amplamente presentes na política institucional peruana nos últimos anos.

Em 2016, Castillo se tornou conhecido ao liderar uma greve nacional de professores que ganhou grandes proporções. No entanto, fora o movimento, o professor não teve cargo político de destaque.

Já De Soto, que tem 79 anos, chegou a trabalhar no governo de Alberto Fujimori nos anos 90, e desde então escreve livros pautados no neoliberalismo e presta consultoria no exterior (incluindo a ex-presidentes dos Estados Unidos, de Bill Clinton a George W. Bush). Ele afirmou ser defensor de reformas liberais no Peru e, na pandemia do coronavírus, da compra de vacinas pelo setor privado.

Hernando de Soto em debate presidencial: defesa de compra privada de vacinas e promessa de reformas liberais (Sebastian Castaneda/Pool/Reuters)

Já Fujimori, a única não outsider entre os favoritos do Peru, disputou as últimas duas eleições presidenciais (em 2011 e 2016) e foi congressista, além de herdar a base política de seu pai e ser líder de seu partido. Ela influenciou amplamente o Congresso no último ciclo eleitoral e é figura carimbada na política peruana.

Seu histórico pode ser um entrave em um eventual segundo turno, sobretudo se disputar com De Soto, que tende a angariar votos de rejeição ao fujimorismo. Já caso haja um segundo turno entre Fujimori e a esquerda mais extrema, na figura de Castillo, muitos podem terminar anulando o voto ou votando na ex-congressista -- mesmo com as acusações de corrupção e seu discurso mais extremista -- para evitar a chegada do sindicalista ao poder.

Moura aponta que o cenário lembra o pleito de 2018 no Brasil, quando a anti-política dominou e o segundo turno terminou tendo uma corrida pela menor rejeição entre Fernando Haddad (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (hoje sem partido). Um movimento parecido pode ocorrer em 2022, desta vez entre Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Pesquisa EXAME/IDEIA mostrou que 38% dos brasileiros não querem votar nem em Lula, nem em Bolsonaro.

Infinidade de partidos

Como no Brasil, a política no Peru, historicamente, conta com muitos partidos diferentes -- e, como apontou Levitsky, sem programas muito claros.

Desta vez, no entanto, o número de opções foi além, mesmo para o multipartidarismo dos peruanos. Nas pesquisas, a diferença entre o primeiro e o quinto candidato não passavam da margem de erro. Mesmo quem for ao segundo turno em maio, o fará com menos de 20% dos votos.

"Ou seja, há mais de dois terços do país que não votaram nos candidatos que irão ao segundo turno", diz Moura, do IDEIA. "Quando há uma eleição como essa, aumenta muito o índice de abstenção. O segundo turno deve ser um referendo de rejeição, e o mesmo pode acontecer no Brasil", diz.

Debate presidencial no Peru: haviam tantos candidatos que o debate precisou ser feito em dois dias diferentes (Sebastian Castaneda/Reuters)

É um problema, também, para a futura legitimidade do presidente eleito, que já chega ao cargo sem o apoio de parte significativa da população. Soma-se a isso, no Peru, o fato de que alguns dos possíveis eleitos não devem ter um Congresso favorável, sobretudo no caso de Castillo.

O Congresso foi um problema dos grandes para o ex-presidente Pedro Pablo Kuczynski (o PPK), eleito em 2016, em um ciclo eleitoral em que os peruanos elegeram parlamentares amplamente fujimoristas. Esse mesmo Congresso, mais tarde, viria a pressionar pela renúncia de PPK e passaria o impeachment de seu vice, Martín Vizcarra. No Peru, o Congresso tem a prerrogativa ainda de votar uma moção de confiança contra o presidente no poder. "O Congresso peruano tem mais poder sobre o presidente do que no Brasil, por exemplo", explica Moura.

Sem espaço para o centro

Ao contrário do Brasil, que tem dois polos fortes que se desenham para a eleição (a esquerda ou centro-esquerda de Lula e do PT, e a direita de Bolsonaro), o Peru não teve dois nomes que polarizaram diretamente no primeiro turno.

Os 18 candidatos foram às urnas sem que nenhum fosse claro favorito - Castillo, que hoje lidera, sequer figurava entre os cinco primeiros nas pesquisas de opinião.

Mas, tal como no Brasil, houve pouco espaço para candidatos que tentaram se mostrar como mais moderados.

Muitos candidatos terminaram se radicalizando, ainda que dentro de seus espectros. Keiko Fujimori, por exemplo, ao contrário de suas duas últimas eleições, quando tentou se descolar da herança do fujimorismo ao disputar com adversários mais ao centro, desta vez apelou para o "núcleo duro" dessa base eleitoral.

"Para partidos radicais, quanto mais diluído for o cenário, melhor; eles conseguem sentar em cima da base e ver o que dá para fazer a partir daí", diz Moura. Lula e Bolsonaro no Brasil, por exemplo, seguem cada qual com cerca de 30% de apoio, valor que se mantém sólido ao longo do tempo mesmo com críticas a ambos os lados.

Keiko Fujimori, do Força Popular, em discurso após eleições: aceno ao "núcleo duro" do fujimorismo (Sebastián Castañeda/Reuters)

Castillo também roubou votos de uma esquerda tida como mais moderada. Foi o caso de Veronika Mendoza, do partido Juntos pelo Peru, que em 2016 havia ficado em terceiro lugar e, desta vez, figura em sexto. Mendonza caiu dos 19% de votos em 2016 contra 8% até agora na apuração. O baixo número de votos da candidata, comparado ao crescimento de Castillo, se mostrou uma surpresa.

O sindicalista tem, por exemplo, posições mais conservadoras nos costumes, sendo contra discussões de gênero na educação e contra a legalização do aborto. Para muitos analistas peruanos, os votos de Castillo foram uma vitória do "Peru do interior", que estava esquecido em meio à pandemia e ao debate centrado nas regiões metropolitanas, como a capital Lima.

"Uma lição para 2022 é que, quanto mais candidaturas houver no Brasil, mais os polos se beneficiam", diz Moura. "Vamos ter muita gente falando para poucos no Brasil em 2022. O Lula falando para o petismo, o Bolsonaro para o bolsonarismo, os tucanos falando para os tucanos. Quanto mais candidaturas de centro tivermos, menos haverá candidatos moderando e buscando consenso."

Para ele, uma lição na América Latina como um todo é que, "se o centro quiser ter êxito, precisa se aglutinar".

O analista afirma que casos de vitória de políticos mais moderados ocorreram recentemente na América Latina, o mais recente sendo o ex-banqueiro Guillermo Lasso no Equador, que venceu também neste domingo após 14 anos de correísmo no país, movimento liderado peloex-presidente socialista Rafael Correa.

Moura aponta ainda como trunfos de candidatos menos extremistas dentro de seus espectros políticos nomes como Alberto Fernández na Argentina (de centro-esquerda, mas visto como mais de centro que parte da ala kirchnerista) e até mesmo Carlos Mesa na Bolívia (ainda de esquerda, mas também tido como mais moderado dentre os apoiadores de Evo Morales).

Hora da economia

A corrupção foi um tema amplamente presente no debate peruano, mas a pandemia e o combate ao coronavírus também colocaram a economia no centro do debate.

Devido a um começo desastroso de pandemia no ano passado, o país de 33 milhões de habitantes é até hoje o com mais mortos por milhão na América Latina e o 17º no mundo (o Brasil é o 18º, segundo o portal Worldometers). O desemprego está pouco acima de 14%, taxa similar à do Brasil, mas também com maior grau de informalidade (mais de 70%, ante 40% no Brasil).

A segunda onda do coronavírus que já assola a América do Sul é ainda uma preocupação crescente, com o Peru tendo vacinado menos de 3% da população até agora. O debate sobre como acelerar a vacinação e como recuperar a economia deve avançar no segundo turno.

Peru: país foi palco de amplos protestos no ano passado, com alta rejeição frente ao Congresso (Sebastian Castaneda/Reuters)

Para Mauricio Moura, a eleição de 2022 no Brasil terá temas parecidos. A expectativa é de que a pandemia já esteja controlada até lá, mas sobrará o cenário de terra arrasada e alto desemprego no país.

"No Peru, a discussão sobre recuperação pós-pandemia foi muito forte. Independentemente de quem seja eleito, vamos ter modelos econômicos bem diferentes propostos", diz. "Eu apostaria que a eleição brasileira também será sobre economia."

O analista reforça, ainda, que o debate sobre mudar a Constituição foi amplamente presente no Peru. Movimento parecido aconteceu em outros países latino-americanos nos últimos anos, em especial no Chile -- onde a Constituição vinha da ditadura de Augusto Pinochet.

Moura acredita que esse debate pode chegar ao Brasil, com questionamento sobre os pontos que embasam a Constituição de 1988. Enquanto isso, no Peru, os rumos de uma futura constituinte podem variar a depender de quem vencer. "Uma nova Constituição será muito diferente a depender de se o presidente for Castillo, De Soto ou Fujimori", diz.


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