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Jornalista de 37 anos deve ser eleita premiê da Nova Zelândia

A popularidade espontânea de Jacinda Ardern já a fez ser comparada com outros ícones da esquerda mundo afora, como o canadense Justin Trudeau

JACINDA WARDEN: frenética usuária do Instagram e do Facebook, ela posta imagens e textos sobre o dia a dia / Fiona Goodall/ Getty Images

JACINDA WARDEN: frenética usuária do Instagram e do Facebook, ela posta imagens e textos sobre o dia a dia / Fiona Goodall/ Getty Images

DR

Da Redação

Publicado em 21 de setembro de 2017 às 19h56.

Última atualização em 22 de setembro de 2017 às 08h32.

Auckland, Nova Zelândia A cada três anos os neozelandeses vão às urnas escolher um novo primeiro-ministro. É um dos calendários eleitorais mais apertados do planeta. Fora isso, as eleições nesta ilha do Pacífico Sul com pouco mais de 4 milhões de habitantes raramente despertam a atenção da comunidade internacional. Também não são conhecidas pela renovação. Ou melhor, não eram, até a chegada de Jacinda Ardern, uma jornalista de 37 anos, DJ nas horas vagas e nenhuma experiência em cargos executivos que tem chances reais de conquistar a vitória no sábado.

Jacinda não chegou com promessas mirabolantes ou uma retórica incendiária. Sua ascensão diz muito sobre a Nova Zelândia, um país sem guerra de traficantes, ódio racial, desemprego galopante, malas cheias de dinheiro de propina. Os neo-zelandeses podem se dedicar às pequenas e importantes questões políticas. Mas isso não significa que estejam imunes às tendências vistas nas urnas mundo afora.

Uma das democracias menos corruptas do mundo, segundo a ONG Transparência Internacional, a Nova Zelândia tem dois partidos principais: o Nacional, de centro-direita, e o Trabalhista, de centro-esquerda. Desde os anos 80, as duas legendas gravitam suas propostas sobre uma plataforma de abertura econômica, menos interferência do Estado nos negócios e rigor fiscal — uma agenda liberal implementada pelo partido Trabalhista, mantida pelos rivais, e responsável por fazer a economia da Nova Zelândia ter uma das mais altas taxas de crescimento entre os países desenvolvidos. No fim das contas, em meio a essa convergência de ideais, o que costuma definir a disputa para os neozelandeses é a experiência do candidato no dia a dia de governo.

Com tanta estabilidade, a eleição de 2017, marcada para o sábado, dia 23 de setembro, tinha tudo para ser uma verdadeira mamata para o atual primeiro-ministro, Bill English, de 55 anos, candidato à reeleição pelo Partido Nacional. A pasmaceira eleitoral se repetiria neste ano não fosse o aparecimento de Jacinda.

Alçada à liderança dos trabalhistas em agosto, após quase dez anos de militância em partidos de esquerda que incluiu um estágio no gabinete do primeiro-ministro inglês Tony Blair, Jacinda pegou um partido que há um mês estava 20 pontos atrás do Nacional nas pesquisas e que, atualmente, briga de igual para igual com o rival — as últimas pesquisas mostram um empate técnico entre os dois partidos na casa dos 40%.

A popularidade espontânea já a fez ser comparada com outros ícones da esquerda mundo afora, como o canadense Justin Trudeau e o inglês Jeremy Corbyn, e criou uma nova expressão comum aos neozelandeses: Jacindamania. Entre os jovens, a intenção de votos de Jacinda supera os 50%. “Ela é um exemplo pela paixão com que defende os mais pobres”, diz a estudante de pedagogia Chloe Cull, de 26 anos, logo após sair de um sala de votação antecipada em Christchurch, a terceira maior cidade do país.

Jacinda marca uma ruptura com o discurso liberal predominante nos país. Uma das principais plataformas de campanha, e uma das mais polêmicas, é a proibição de estrangeiros não residentes na Nova Zelândia de comprarem imóveis no país. A medida anti-liberal visa atacar os efeitos colaterais de uma economia globalizada vítima de seu próprio sucesso. A abertura comercial das últimas décadas, e a facilidade de fazer negócios no país, aqueceram o mercado imobiliário local, hoje inundado de investidores asiáticos — atualmente o valor médio dos apartamentos em Auckland, a maior cidade do país, é de 1 milhão de dólares neozelandeses (cerca de 2 milhões de reais).

A especulação imobiliária é o principal motivo para a Nova Zelândia ter hoje 1% da população vivendo sem-teto ou em pensões — a maior taxa entre os países desenvolvidos, segundo a OCDE. O plano de Jacinda também inclui limitar a entrada de imigrantes para 30.000 pessoas por ano, metade do que deve imigrar para o país em 2017, para forçar a queda nos preços dos imóveis, e regular os contratos de aluguel para dar mais direitos aos inquilinos, algo praticamente inexistente hoje no país, o que tornou comum o aluguel de espaços precários nas grandes cidades.

“Queremos uma regulação para que todos os neozelandeses tenham casas que sejam aquecidas e que tenham coisas básicas, como janelas”, diz ela. A retórica estatizante colocou pressão sobre English, que nas últimas semanas prometeu 1 bilhão de dólares para ajudar as prefeituras locais a construir casas populares. Só em Auckland seriam 34.000 unidades na proposta do candidato de centro-direita, que ainda mantém a retórica de abertura irrestrita aos estrangeiros.

O fenômeno Jacindamania também se explica pela informalidade da candidata. Frenética usuária do Instagram e do Facebook, onde posta imagens e textos sobre o dia a dia, Jacinta costuma interagir muitas vezes “vestindo a camisa” do eleitorado — algo que, no Brasil, está por trás da popularidade de políticos como o prefeito de São Paulo, João Doria. Numa visita recente da candidata, presenciada por EXAME, a um centro de distribuição de alimentos a famílias carentes em Mangere, um subúrbio a 30 minutos de Auckland, sem muita cerimônia Jacinda vestiu o uniforme dos voluntários do local e ajudou a montar algumas cestas básicas em frente a dezenas de câmeras de jornalistas e curiosos, em meio a descontraídas conversas sobre os alimentos que deveriam ser empacotados.

“Ela não fala nem age como uma política, uma novidade numa sociedade acostumada com políticos que estão sempre tentando vender o seu ponto de vista para o eleitorado”, diz o cientista político Grant Duncan, da Universidade de Auckland. A abertura das urnas eleitorais, neste sábado, vai dizer se a novidade política neozelandesa colou de verdade — ou se o país seguirá a cartilha da política tradicional.

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