"No mask, no entry!": uma aventura por Miami na reabertura
Consegui pegar o último voo, quase lotado com cerca de trezentos brasileiros que contavam inusitadas sagas para chegar até Miami
Felipe Giacomelli
Publicado em 1 de junho de 2020 às 09h18.
Sempre tive fascinação por viagens no tempo, especialmente aquelas para algum lugar do futuro, mesmo que esse futuro fosse próximo, talvez até uma simples olhada na vida pós quarentena.
Com essa ideia na cabeça decidi chegar em Miami três dias após a reabertura gradual da economia, que aconteceu em 18 de maio, e vislumbrar como seria a nossa retomada em algum momento após 30 de maio.
O primeiro passo da jornada foi passar pelo aeroporto internacional de Guarulhos, que estava absolutamente irreconhecível, quase nenhum carro a competir pelo espaço na calçada onde as malas são descarregadas. Ao entrar no enorme saguão do Terminal 3, ele parecia ainda maior diante do pequeno número de passageiros, todos com máscaras. Um deles tinha Jesus em letras garrafais estampado na sua, talvez por acreditar que o vírus é coisa do capeta ou qualquer outra idiossincrasia.
No balcão de check-in tudo foi rápido, na entrada do embarque internacional uma moça vestida de astronauta apontou uma espécie de pistola laser para medir minha temperatura. Sem filas na checagem de segurança e imigração, caminhei até o portão de embarque passando pelas inúmeras lojas e restaurantes fechados.
O embarque ocorreu com os passageiros respeitando o distanciamento padrão. Aeromoças com máscaras e serviço de bordo quase inexistente em tempos de pandemia.
No desembarque no aeroporto de Miami, também sem filas na imigração e até funcionários da ICE demonstrando alguma simpatia.
Após me instalar no apartamento de um amigo em Aventura, fui até Miami Beach, onde alguns carros antigos e coloridos, pareciam indicar que o tempo parou. Poucas pessoas caminhavam pelas ruas e um solitário imitador de Michael Jackson parecia se exibir para fantasmas. Poucas placas de hotéis indicavam que estavam abertos mas não vi sinais de hóspedes ou turistas acidentais.
No dia seguinte a visita ao Aventura Mall, um grande shopping center com mais de 350 lojas e restaurantes, dos quais apenas 20% estavam funcionando. Medidas de segurança incluíam faixas de ida e vinda de clientes, obrigatoriedade de uso de máscaras e painéis de acrílico a separar os balconistas das lojas dos clientes.
Na verdade vi poucas pessoas comprando, a maioria parecia passear e aproveitar a visita ao antes proibido local. Os restaurantes tinham menos mesas, mais espaço entre elas, garçons com máscaras, luvas, escudo facial. Placas com QR Codes indicavam os menus virtuais para evitar manuseios desnecessários.
Lojas Big Box como Walmart e Target tinhamm grande fluxo por conta do drive-thru, pois as pessoas compram on-line e retiram as mercadorias nas lojas físicas. Target teve aumento desse tipo de pedido em 1.000% comparado a março de 2019, mostrando o poder da combinação click-and-mortar na vida pós-pandemia.
Em Coral Gables o famoso Hotel Biltmore estava funcionando, sua imensa piscina sem hóspedes, um restaurante com apenas três mesas ocupadas e os já usuais padrões de distanciamento e segurança para funcionários e clientes.
Na ruas da cidade havia mais carros transitando que pessoas, as poucas lojas de rua exigiam o uso de máscara para a entrada nas mesmas, sempre limitando o número de clientes dentro dos estabelecimentos. Placas nas portas alertavam : NO MASK, NO ENTRY!
Uma exceção em termos de movimento era uma loja de artigos esportivos e bicicletas, que tinha fila na porta, também obedecendo a distância recomendada pelas autoridades sanitárias.
A vida parece que lentamente volta ao normal, um grande número de pessoas fazendo caminhadas, procurando criar uma rotina saudável e alguma sanidade.
A maioria dos americanos com quem conversei (donos de pequenos negócios, advogados, executivos, trabalhadores) demonstra fé na excepcionalidade do país, na sua capacidade de se reinventar, mas demonstra preocupação com a velocidade da retomada da economia. Todos falaram em economizar por haver uma sensação de saírem da pandemia um pouco mais pobres do que entraram.
No quarto dia da visita Trump anunciou o fechamento do país para brasileiros a partir da meia-noite do dia 26/05. Consegui pegar o último vôo, quase lotado com cerca de trezentos brasileiros que contavam inusitadas sagas para chegar até Miami.
A julgar pelo que vi no futuro, teremos uma retomada ainda mais lenta e mais difícil por aqui, ao contrário da pujante economia americana, a nossa foi surpreendida pelo meteoro quando dava pequenos sinais de recuperação, após um longo período de dificuldades.
Independente do Trump e suas restrições acho que as visitas à Disney vão ter que esperar muito.
*Sérgio Cavalcanti, empreendedor, é CEO e fundador da NationSoft Tecnologia