Painel “Iniciativa Clima e Desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030, em Glasgow, na Escócia (Marisa Bastos/Divulgação)
Perspectivas sobre um novo modelo de desenvolvimento para o país, voltado para um futuro ambicioso de descarbonização – esse foi o tema do Painel "Iniciativa Clima e Desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030”, apresentado na tarde de ontem no Brazil Climate Hub, em Glasgow, na Escócia, como parte da programação paralela da COP26.
O evento marca o lançamento na COP do relatório de mesmo nome, divulgado em outubro, elaborado por representantes da sociedade brasileira com propostas concretas de como aumentar as metas brasileiras no Acordo de Paris e acelerar o ritmo da transição para uma economia de baixo carbono.
Coordenado pelo Instituto Talanoa e o CentroClima da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com apoio do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e de um expressivo conjunto de organizações, o documento é fruto de um amplo processo de consulta de três meses, que envolveu mais de 300 especialistas e lideranças de diversos setores.
“A gente não está propondo uma transição só de fontes energéticas. Mas também uma transição de empregos, uma transição de modelos de negócio, uma transição de modelo de país. É disso que estamos falando, é isso que estamos construindo”, resumiu Natalie Unterstell, presidente do Talanoa.
Trabalhando com três cenários, o estudo aponta caminhos para que o Brasil possa reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em patamares entre 66% e 82% até o fim desta década (a meta atual do governo é a redução de 43% no mesmo período).
Para trazer atores e visões distintas sobre o assunto, deram seu depoimento algumas das vozes que contribuíram com a Iniciativa, incluindo governadores, CEOs, empreendedores, lideranças indígenas, periféricas, entre outros agentes essenciais para o sucesso desta transição.
Confira a seguir pontos de vista compartilhados por alguns dos participantes:
“Nós, 22 governadores, estabelecemos um método de mobilização dos estados, que foi a criação do Consórcio Brasil Verde, a coalizão dos governadores pelo clima. Tem o objetivo claro de uma articulação nacional e internacional, mas tem primeiro um objetivo para dentro dos nossos estados. Porque não adianta assumir compromissos se a gente não dá o exemplo. Na minha avaliação, a primeira tarefa é que cada estado tenha seu plano de neutralidade de carbono e mudanças climáticas.”
“Nas terras indígenas, já temos uma configuração – não ideológica, mas científica – de que são as áreas mais protegidas no Brasil. Se permitirmos flexibilizações de licenciamentos ambientais e demarcações que não respeitem os povos indígenas ou se não investirmos em proteção, monitoramento e fiscalização dessas terras, estaremos fadados a aumentar a temperatura. Então, é preciso incluir esses povos nos financiamentos climáticos como protagonistas e como estratégia para barrar o aquecimento.”
“Acho que, do ponto de vista de formação de consciência, já se avançou muito. Se é para olhar a metade cheia do copo, a ausência do governo federal gerou uma mobilização maior da sociedade civil e uma presença dessa agenda mais forte nos governos subnacionais, que têm seus desafios para serem superados quando deveriam estar sob uma coordenação nacional com uma estratégia de desenvolvimento sustentável para o país.”
“Temos o ano decisivo de 2022 como ano de consolidação dos planos de adaptação climática. Teremos que criar nossas metas e primordialmente metas de curto prazo. 2030 é fundamental para vermos se estamos no caminho certo. Qualquer correção deverá ser feita no máximo até 2030. Tudo com objetivos, metas, planejamento. O ano que vem é fundamental para arregaçarmos as mangas para termos em 2030 o efetivo medidor do caminho de como chegarmos a 2050 com a neutralidade das emissões.”
“Uma transição justa só é possível se o pilar principal for o da desigualdade – ele não pode ser um apêndice. A gente tem que construir cada ação, em um país tão desigual como o nosso, pensando na redução da desigualdade. Os mais vulneráveis são os mais afetados pelas mudanças climáticas, mas são aqueles que menos participam desse debate.”
“Uma das coisas que mais tem me inquietado é o quanto a gente ainda está jogando lá para a frente. Eu olho 2020-2030 e penso: será que em 2030 a gente estará mais uma vez reunido nesta sala falando ‘e aí, o que vamos fazer em 2020-2050?’. Então, a gente precisa sim pensar nessa agenda 2020-2030, mas precisa pensar no que a gente vai fazer saindo aqui, no agora. Não temos mais nenhum tempo para ficar postergando. Temos que pensar que construção a gente quer a partir do agora.”
“Para chegar a esse cenário que esperamos, a gente não só tem que acabar com o desmatamento. Isso é insuficiente para chegar a 1,5 ºC. Precisamos ter também uma agenda de restauração dos ecossistemas brasileiros extremamente robusta, rigorosa, rápida e com escala. Senão, não vamos chegar lá. Todos temos a ganhar com isso: para não ter crise hídrica, para não ter apagão, para ter comida etc.”
“Os CEOs do CEBDS, junto com outros CEOs de outras entidades, se uniram há dois anos e falaram: o desmatamento ilegal tem que acabar o quanto antes. Não tem nem uma data, é o quanto antes. É uma página que temos que virar, e virar logo. Manter a floresta em pé já foi falado em outras COPs, mas pela primeira vez isso se tornou um assunto central, o que mostra que o curto prazo também é um assunto central desta conferência.”
“Está todo mundo enxergando o mesmo caminho, e é quando as coisas acontecem. Ninguém vai ganhar ou perder: ou ganhamos todos ou perdemos todos. Acho que vai ter uma aceleração grande de empresas que vão assumir o compromisso de ser net zero. Esse aumento vai se dar primeiro pela tomada de consciência, mas também porque, como nós da JBS, 95% das nossas emissões são entre os consumidores e os fornecedores. Ou seja, vamos ter que trabalhar toda essa cadeia, mobilizar nossos fornecedores e obrigatoriamente trabalhar juntos. E esse ‘trabalhar junto’ vai estimular a todos. Assim, vai se cruzar um monte de cadeias. Vamos conseguir ter uma adoção muito grande.”
“Tem 38 milhões de jovens que estão na escola, segundo o censo escolar, que a gente ainda não conversa. Porque, desde que o atual governo assumiu, acabou toda a estrutura educação ambiental e climática que tínhamos no país, que já era pouquíssima. São 38 milhões de pessoas com quem poderíamos estar dialogando para construir o cenário em que queremos viver.”
“Precisamos que a sociedade brasileira tome uma postura radical de pressionar os poderes e intervir na dinâmica eleitoral no ano que vem para que o debate ambiental seja tema do debate eleitoral. Isso é muito importante, que o tema do meio ambiente seja central.”
“Acho que estamos prontos para entrar em ação. Quando o Trump disse que os EUA iam sair do Acordo de Paris, a sociedade e as empresas disseram: não, a gente vai ficar. Eles usavam a expressão em inglês ‘we are still in’ (nós ainda estamos dentro). O Brasil está no Acordo, então é ‘all in’ (todos dentro). Foi isso que tentamos colocar no papel – e colocamos. Se o governo atual ou os próximos não fizerem algo alinhado com nossos patamares de ambição, vamos perder a oportunidade de participar de forma mais ativa dessa corrida.”
“Estamos vendo aqui uma série de anúncios, até surpreendentes, inclusive do governo brasleiro. Mas qual a credibilidade disso se no dia a dia o que está acontecendo é exatamente o contrário? O que importa agora é credibilidade. Esses anúncios têm que ser cobrados, têm que entrar no cotidiano. Quando houver um licenciamento ambiental, por exemplo, tem que se perguntar qual o impacto disso em termos de gases de efeito estufa, o que pode ser feito para reduzir ou compensar, como vai adaptar. Ou seja, em todos os instrumentos que temos, precisa estar inserida a dimensão climática.”
“A escolha que o Brasil tem é de combate a desigualdade e de uma economia de baixo carbono. Não precisamos fazer uma escolha entre um e outro. A gente tem essa oportunidade para debater um outro modelo de desenvolvimento – não um modelo poluente ou excludente. O trabalho científico que foi feito mostra que isso é possível, e é bom para a economia, é bom para os brasileiros e é bom para o planeta.”
“Temos que contar novas – e belas – histórias do Brasil. Para isso, precisamos trazer o futuro para o presente. Não tem 2030. Tem 2022 e tem 2025. Se não formos capazes de dar o kick off certo, vai continuar essa estratégia de postergar. Agir significa tomar a agenda para si e entender essa complexidade, que tem a ver com o seu João, a Dona Maria. Tem que fazer tudo isso chegar ao dia a dia das pessoas como solução.”