Governo argentino reduz idade mínima para posse de armas e gera controvérsias (Alejandro Pagni/AFP)
Agência de notícias
Publicado em 16 de dezembro de 2024 às 15h38.
Em consonância com a retórica da extrema direita global, o governo de Javier Milei avança na desregulamentação do acesso às armas de fogo na Argentina. Nesta segunda-feira, 16, o presidente decretou a redução da idade mínima para o uso de armas: sem debate ou participação do Congresso, Milei decidiu diminuir a exigência de 21 para 18 anos. Enquanto altos funcionários se exibem nas redes sociais praticando tiro ou posando com pistolas e rifles, o Executivo também promove uma lei para “incentivar e facilitar” a posse de armas, entre outras medidas que flexibilizam os controles atuais.
O principal argumento do governo para reduzir a idade mínima para posse de armas é que, desde 2009, a maioridade na Argentina é atingida aos 18 anos, e não mais aos 21. A Rede Argentina para o Desarmamento adverte que o discurso e as decisões do governo sugerem a violência como solução para conflitos e aumentam os riscos para a população. Na Argentina, com uma população de 46 milhões de pessoas, há pouco mais de um milhão de usuários de armas registrados, com 1,7 milhão de armas autorizadas. Especialistas em segurança estimam, no entanto, que as armas não registradas são o dobro desse número.
“A partir de agora, maiores de 18 anos podem ser usuários legítimos de armas”, celebrou no X a ministra da Segurança de Milei, Patricia Bullrich, ao anunciar o decreto presidencial. “Aos 16 anos, eles podem votar. Aos 18, podem ir para a guerra, formar uma família ou integrar forças de segurança. E, por incrível que pareça, em qualquer idade eles podem escolher uma mudança de sexo que os marcará para sempre. Então, por que aos 18 anos não poderiam ser usuários ou portadores legítimos de uma arma?”, questionou Bullrich.
María Pia Devoto, coordenadora da Rede de Segurança Humana na América Latina e no Caribe, afirma que “essa medida pode levar muitas pessoas a se sentirem autorizadas a usar a violência”. Já Julián Alfie, da Rede Argentina para o Desarmamento, alerta para os riscos específicos dessa faixa etária, como o maior risco de suicídio, acidentes e decisões impulsivas.
O decreto de Milei não foi uma medida isolada. Como deputado nacional, ele já manifestava apoio ao “livre porte de armas”. Embora tenha tentado moderar esse discurso durante a campanha eleitoral, a plataforma de seu partido, A Liberdade Avança, propunha a “desregulamentação do mercado legal” de armas de fogo, seguindo o mesmo caminho tomado por outros políticos de extrema direita, como o republicano Donald Trump nos Estados Unidos ou o ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022) no Brasil.
A vice-presidente argentina, Victoria Villarruel, declarou ser uma “usuária legítima” de armas e defendeu que “cidadãos de bem possam se defender” contra crimes. No mês passado, ela visitou a principal fábrica privada de armas da Argentina, a Bersa, e posou para fotos segurando um rifle. Antes de se desentenderem, Milei e Villarruel chegaram a aparecer juntos num tanque de guerra durante um desfile militar.
A exibição de armas de fogo é comum entre integrantes do governo argentino, legisladores e militantes. O principal assessor de Milei, Santiago Caputo, foi visto nas redes sociais fazendo aulas de tiro. Também é pública a afinidade com armas do secretário da Cultura, Nahuel Sotelo, e de outros dirigentes libertários como Daniel Parisini, que recentemente lançou a organização “As Forças do Céu”, autodenominada “braço armado” de Milei.
Além da eliminação de alguns controles sobre os solicitantes e sobre aqueles que renovam as licenças, a principal iniciativa do governo na área até agora foi um projeto de lei para “promover e facilitar o acesso legal à posse de armas de fogo”, segundo o Ministério da Segurança. A proposta, que já foi aprovada pela Câmara de Deputados e agora aguarda votação no Senado, tem dois objetivos principais.
O promotor Gabriel González da Silva, responsável pela Unidade Especializada na Investigação de Crimes Relacionados a Armas de Fogo, alertou que o projeto poderia representar “uma espécie de anistia penal” para “qualquer pessoa que tente ‘regularizar’ armas de fogo no país”.
“As decisões do governo são preocupantes porque ocorrem num contexto de flexibilização no acesso às armas de fogo”, conclui Alfie. “A Argentina sempre teve uma política restritiva para o acesso a armas, e nossa sociedade sempre compreendeu que a maior circulação de armas aumenta os níveis de violência e o risco de que qualquer conflito termine em morte ou ferimentos graves. Hoje vemos um governo promovendo o acesso a armas, quando o papel do Estado deveria ser conscientizar sobre seus riscos. O que estão promovendo é uma sociedade mais violenta.”