EUA cria missão militar para conter ataques a navios cargueiros por rebeldes do Iêmen
Ação envolverá dez países e é tomada após várias empresas de carga deixarem de navegar pela região por risco de segurança
Redação Exame
Publicado em 19 de dezembro de 2023 às 09h47.
Última atualização em 19 de dezembro de 2023 às 14h28.
Os Estados Unidos e outras nove nações criaram uma nova força conjunta para proteger os navios que transitam no Mar Vermelho. A medida vem após uma série de ataques por drones e mísseis disparados de áreas do Iêmen controladas pelo grupo rebelde houthis contra embarcações de carga. O anúncio foi feito pelo secretário de Defesa americano, Lloyd J. Austin, no Bahrein, país que visitou depois de se reunir com autoridades em Israel na segunda-feira, 18.
"Os países que buscam defender o princípio fundamental da liberdade de navegação devem se unir para abordar o desafio proposto por este ator não estatal", afirmou Austin por meio de nota, em referência aos houthis.
Reino Unido, Bahrein, Canadá, França, Itália, Holanda, Noruega, Seychelles e Espanha se juntaram aos EUA na missão. Alguns dos países realizarão patrulhas conjuntas, enquanto outros fornecerão apoio de inteligência no sul do Mar Vermelho e Golfo de Áden.
Três navios de guerra dos EUA, o USS Carney, o USS Stethem e o USS Mason, todos destróieres da Marinha, têm se deslocado diariamente pelo Estreito de Bab el-Mandeb para ajudar a dissuadir e responder aos ataques dos houthis
Em 2019, os Estados Unidos já tinham impulsionado uma coalizão naval para proteger o comércio marítimo na região do Golfo, após uma série de ataques que as autoridades israelenses atribuíram ao governo do Irã.
Entenda a crise no Mar Vermelho
O Iêmen, que vive uma guerra civil desde 2014, fica perto do mar Vermelho, o que torna a região vulnerável a ataques. As ações contra os navios estão sendo feitos por rebeldes houtis, que lutam contra o governo do Iêmen e apoiam o grupo palestino Hamas. Em 2022, houve um cessar-fogo no Iêmen, mas as negociações para o fim do conflito ainda estão em andamento.
Nas últimas semanas, os houtis têm usado drones e mísseis para tentar atacar navios que passam pela região e que estariam levando suprimentos a Israel, que iniciou uma guerra contra o Hamas, na Faixa de Gaza, após ser alvo de ataques terroristas, em outubro. Os houtis recebem apoio do Irá.
Cerca de 40% do comércio mundial passa pelo estreito de Bab Al Mandab, o corredor que conecta o Chifre da África com a Península Arábica.
Esta ameaça fez com que cinco transportadoras, entre elas as duas maiores empresas de frete marítimo do mundo, anunciassem que evitarão a rota pelo Mar Vermelho.
A petrolífera britânica BP anunciou na segunda-feira que suspendeu todo o tráfego por esta rota, o que fez os preços do petróleo subirem. A gigante taiwanesa de navegação Evergreen fez o mesmo. A Frontline, uma das maiores companhias de navios-petroleiros do mundo, declarou que estava realizando mudanças nos trajetos das embarcações e que "apenas aceitaria novos negócios" que possam passar pelo Cabo da Boa Esperança, na África do Sul. Esta rota é muito mais longa e consome mais combustível.
A gigante ítalo-suíça MSC (Mediterranean Shipping Company), a francesa CMA CGM, a alemã Hapag-Lloyd, a belga Euronav e a dinamarquesa A.P. Moller-Maersk - esta última responsável por 15% do transporte mundial de contêineres - também deixaram de operar no Mar Vermelho até segundo aviso.
Os ataques se transformaram em "uma crise de segurança marítima" com "implicações comerciais e econômicas na região e além", comentou à AFP Torbjorn Soltvedt, do centro de análise Verisk Maplecroft.
Como foram os ataques
Segundo as Forças de Segurança de Israel, já houve mais de 70 ataques aos navios. Quase todos foram interceptados por sistemas de defesa áerea, operados por Israel, Arábia Saudita, Estados Unidos e França.
Na segunda, 18, os rebeldes disseram que o navio norueguês M/V Swan Atlantic, que navega com bandeira das Ilhas Cayman, e o MSC Clara, de bandeira panamenha, foram atacados após se recusarem a responder a seus chamados de contato.
A Inventor Chemical Tankers, dona do Swan Atlantic, disse que o navio foi atingido por "objeto não identificado". Nenhum tripulante, todos de nacionalidade indiana, ficou ferido e o barco sofreu "danos limitados", segundo a empresa. "O navio não tem nenhuma relação com Israel", afirmou o proprietário da embarcação, que informou ainda que a embarcação fazia um trajeto da França para a Ilha da Reunião, um território ultramarino francês no Oceano Índico.
Antes, na sexta, 15, um navio da MSC foi contatado, no começo da manhã, por rebeldes houtis, que ameaçaram atacar caso a embarcação não desse meia-volta. O navio seguiu e não foi atacado, segundo divulgou o Comando Central miltar dos EUA.No mesmo dia, o navio Al Jasrah, da UASC, foi atacado por um míssil e teve um incêndio a bordo, mas conseguiu apagá-lo e seguir viagem. Houve ainda um terceiro ataque, que atingiu outro cargueiro de forma leve. Não houve feridos em nenhum dos casos.
Há sites na internet que detalham as rotas dos navios de carga. Assim, é possível saber quais deles estariam a caminho de Israel e quando devem passar em cada ponto, o que facilita ataques.
No sábado, um destróier americano derrubou no Mar Vermelho 14 drones lançados de zonas do Iêmen controladas pelos rebeldes, informou o Exército americano. O Reino Unido também afirma que um de seus destróieres derrubou um suposto drone de ataque na zona.
Efeitos da guerra de Israel
Os ataques dos houtis aos navios trazem o risco de gerar uma escalada de conflito militar na região, como reflexo da guerra entre Israel e Hamas. No entanto, as chances disso ocorrer ainda são difíceis de estimar.
A Guerra do Iêmen ocorre desde 2014, e envolve Arábia Saudita e Irã. Os sauditas apoaim o governo do Iêmen, enquanto os iranianos apoiam os rebeldes.
O conflito começou depois que o governo reprimiu com força protestos contra medidas para cortar subsídios aos combustíveis. A situação foi escalando, até que manifestantes invadiram o palácio presidencial e forçaram o presidente Abdrabbuh Hadi a renunciar.
No entanto, Hadi reuniu forças militares e iniciou uma campanha para retomar o poder, com apoio dos sauditas. O confronto deixou mais de 150 mil mortos, segundo a ONU, e gerou uma crise de fome no país.
Durante os anos de conflito, houve ataques pontuais ao territorio da Arábia Saudita e a navios que passavam pelo mar Vermelho, mas sem maiores consequências. A região tem presença militar forte dos EUA, do Reino Unido e de outros países que possuem negócios na região e que não querem um conflito de grandes proporções ali.
A guerra atual em Gaza começou após o ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro, no qual seus combatentes mataram cerca de 1.140 pessoas, a maioria civis, e sequestraram outras 250, segundo as autoridades israelenses. O Ministério da Saúde de Gaza, governado pelo Hamas, afirma que mais de 19.453 pessoas, a maioria mulheres e menores de 18 anos, morreram na ofensiva de Israel.
Com AE e AFP.