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Emergentes devem retaliar o protecionismo dos ricos, diz professor

Para Jagdish Bhagwati, uma das maiores autoridades mundiais em livre comércio, os emergentes não podem hesitar em reagir à nova onda protecionista nos EUA e Europa

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h39.

Uma das maiores autoridades mundiais em livrecomércio, o economista indiano-americano Jagdish Bhagwati já atuou como conselheiro da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o tema. Professor da Universidade Columbia, Bhagwati é autor de livros clássicos, como "Comércio Livre Hoje" e "Em Defesa da Globalização", este último publicado no Brasil. Nesta entrevista exclusiva a EXAME, ele defende que os países em desenvolvimento não hesitem em retaliar a nova onda protecionista desencadeada por americanos e europeus.

Como o senhor compara a atual onda de protecionismo com a guerra comercial da década de 1930?

As guerras comerciais que surgiram em consequencia da lei tarifária americana Smoot-Hawley tinham como característica principal o uso de barreiras tarifárias, que se valiam do princípio da retaliação e da imitação das ações praticadas pelos EUA. Além disso, a troca de restrições obedecia a um padrão bilateral. Mas hoje, as barreiras tarifárias tem um nível muito baixo e o perigo das guerras comerciais está sobretudo nos pacotes de resgate e estímulo econômico, que violam os tratados de 1955 que integram as regras da Organização Mundial do Comércio. Tais regras foram criadas para impedir que uso desenfreado de subsídios em escala bilateral acabasse prejudicando outros países, como as chamadas cláusulas “compre América” do pacote de estímulo americano. Em seu formato original, esse tipo de cláusula violava o acordo de compras governamentais da OMC, de 1997, que visa impedir a discriminação de fornecedores estrangeiros, além de uma aceleração das medidas anti-dumping, que por sinal são o recurso protecionista preferido dos Estados Unidos e da União Européia.

Estamos, novamente, na iminência de uma nova guerra comercial mundial, ou será que as regras da OMC serão capazes de evitá-la? E se tivermos uma guerra comercial, que impacto ela terá?

Depois de alguma demora, o presidente Obama declarou que o pacote de estímulo americano seguirá as regras da OMC. Mesmo assim, tenho dito que existe o risco de uma nova guerra comercial eclodir, ainda que as nações sigam as regras da OMC. Uma vez que o Brasil, a Índia ou a China, entre outros grandes países em desenvolvimento não são signatários do acordo de compras governamentais, tais nações podem vir a ser excluídas das compras governamentais americanas - e isso não vai contra as regras da OMC. Mas o Brasil, a Índia e a China podem vir a retaliar em várias formas, também seguindo as regras da OMC! Por exemplo, esses países podem elevar suas tarifas em produtos que interessem aos Estados Unidos, uma vez que muitas das tarifas que tais países praticam estão abaixo do teto máximo definido pela OMC. Além disso, já que nenhum desses países emergentes tem qualquer tipo de obrigação em relação ao tratado de compras governamentais, eles podem simplesmente deixar de importar produtos americanos, passando a comprá-los da Europa ou do Japão, trocando, por exemplo um avião da Boeing por um da Airbus. Para resumir, as regras da OMC não são capazes de impedir uma guerra comercial e mesmo tendo feito alguns progressos no sentido de evitar uma guerra comercial imediata, garantindo que os EUA vão seguir as regras da OMC, o presidente Obama precisa ir mais longe em termos de garantir que o protecionismo exercido de acordo com as regras da OMC não irá desencadear uma guerra comercial.

De que maneira os países desenvolvidos e também os emergentes - como a Índia e o Brasil - devem reagir ao que o senhor chama de "vírus protecionista"?

A única maneira de se conter o vírus protecionista que vem dos EUA e de outros países ricos é ameaçar com retaliação. Se empresas exportadoras americanas como a GE e a Caterpillar, concluírem que podem vir a sofrer a retaliação de outros países, elas irão trabalhar junto ao governo americano para impedir as primeiras ações protecionistas do lado americano. Isso funcionaria como um contraponto de poder político contra os interesses protecionistas. Portanto, países como o Brasil, a Índia e a China devem preparar listas de produtos americanos que podem vir a sofrer retaliação, caso os EUA queiram seguir o caminho protecionista - seja dentro ou fora das regras da OMC. Além disso, tanto o Brasil quanto a China podem vir a sofrer com o protecionismo, na forma da exigência da adoção de padrões trabalhistas e ambientais exigidos por sindicatos como o AFL-CIO, a maior federação sindical americana, que aliás contribuiu com a campanha democrata, inclusive com a campanha de Obama. Tais exigências são criadas para elevar os custos de produção dos países emergentes, com o objetivo de neutralizar sua competição. Elas se enquadram no que os economistas chamam de "exportação do protecionismo". A desculpa é que tais medidas são exigidas por motivos altruístas: "estamos elevando os padrões de trabalho porque nos preocupamos com os seus trabalhadores, não apenas com os nossos". A resposta dos emergentes deveria ser: "somos democracias capazes de estabelecer nossos padrões trabalhistas, assim como vocês estabelecem os seus, e só quando o presidente Obama passar a permitir que o presidente francês Nicolas Sarkozy estabeleça padrões trabalhistas para os americanos, nós faremos o mesmo!" Portanto, o Brasil e a Índia, entre outros grandes países emergentes, devem continuar a se opor a tais exigências.

Como a China deve reagir às acusações de "manipulação cambial" feita pelos americanos?

A China enfrenta pressões similares àquelas sofridas pelo Japão entre os anos 1980 e 1990. O Japão simplesmente ignorou as acusações americanas, muitas vezes concordando com elas, mas acabou não fazendo nada a respeito de aceitar cotas de importação de produtos japoneses pelos americanos. Mas a China é muito menos delicada que o Japão e deverá confrontar os EUA, caso eles insistam em trilhar o caminho protecionista. Apesar de alguma privatização, grande parte das compras chinesas é feita por empresas estatais. Não podemos nos esquecer das enormes reservas chinesas, que hoje estão aplicadas em títulos americanos, que podem vir a ser vendidos a qualquer hora. Aliás, se o secretário do Tesouro americano, Timothy Geithner, quiser de fato definir o valor ideal para a valorização do câmbio chinês - um cálculo que considero impossível de ser feito -, gostaria de convidá-lo para um seminário na Universidade Columbia; talvez os banqueiros consigam definir coisas que os experts acadêmicos não conseguem, simplesmente porque sabemos demais sobre o tema!

O que podemos esperar da Rodada de Doha? Será que a Índia e os Estados Unidos vão chegar a um acordo sobre os subsídios agrícolas?

Até recentemente, eu acreditava que os EUA e a Índia estavam tão próximos de alcançar um acordo sobre suas divergências quanto à agricultura, que seria possível fechar um acordo, quem sabe até o final deste ano. Mas a crise econômica dificultou as negociações. Enquanto os EUA aumentaram seus subsídios industriais, dificilmente a Índia estará disposta a concordar com uma versão mais branda do mecanismo de salvaguardas especiais para a agricultura, uma condição para a conclusão de Doha. Além disso, muito dificilmente países democráticos fazem avanços em termos de liberalização comercial em tempos de estresse macroeconômico. Logo, Doha continuará paralisada até que a crise comece a amainar. E o que o Brasil, a Índia, os EUA e o primeiro-ministro britânico Gordon Brown podem fazer a respeito é promover um fórum informal de "nações responsáveis" que consideram o comércio como o motor da prosperidade e o combate à pobreza. Enquanto isso, todos precisamos nos focar no combate ao protecionismo. Trata-se de uma questão de vigilância, pois existem muitas maneiras isoladas e insidiosas através das quais o protecionismo pode atacar.

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