É a hora de Schulz?
Thiago Lavado A chanceler alemã Angela Merkel costumava ter um aliado importante no Parlamento Europeu. Quando algo tinha que ser tratado a nível de continente ela podia contar com o auxílio solícito de Martin Schulz, um homem forte do Partido Social Democrata Alemão (SPD), que entre 2012 e o início deste ano presidiu o Parlamento […]
Da Redação
Publicado em 17 de fevereiro de 2017 às 19h59.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h43.
Thiago Lavado
A chanceler alemã Angela Merkel costumava ter um aliado importante no Parlamento Europeu. Quando algo tinha que ser tratado a nível de continente ela podia contar com o auxílio solícito de Martin Schulz, um homem forte do Partido Social Democrata Alemão (SPD), que entre 2012 e o início deste ano presidiu o Parlamento Europeu em Bruxelas. Os dois partilham de valores semelhantes em prol da construção de uma Europa unida. Frente ao crescente sentimento eurocético, Schulz era um dos principais nomes com o qual Merkel podia contar.
Mas os chás e telefonemas entre Merkel e Schulz, que há pouco eram tão comuns, parecem ter ficado no passado distante. No final de janeiro, ele decidiu voltar ao seu país: foi anunciado como o líder do SPD e lançou candidatura a ser o novo chanceler da Alemanha, frente à tentativa de Merkel de concorrer ao quarto mandato. Schulz assumiu a missão de se opor ao reinado de 12 anos da chanceler após Sigmar Gabriel, então líder do SPD, descer do posto e abrir o caminho para ele. “Se eu permanecesse [como candidato] eu iria falhar, e comigo iria o SPD. Schulz marca um novo começo. E é disso que se trata uma eleição ao Bundestag”, disse Gabriel quando passou a liderança do partido para Schulz. A decisão encontrou respaldo no partido: 79% dos eleitores do SPD apoiaram a renúncia de Gabriel e quase 70% deles acredita que Schulz trará vida nova ao partido nas eleições de setembro.
Desde 2013, o SPD e Gabriel compuseram a grande coalizão de Merkel, como partido e membros da base aliada. Gabriel detinha pouca aprovação dentro do próprio partido, principalmente na ala mais à esquerda, e não tem autoridade para criticar e atacar Merkel em uma campanha eleitoral — ele atualmente é o ministro de Relações Exteriores e por 4 anos foi o vice-chanceler, um aliado próximo da mandatária.
Neste cenário, Schulz é realmente um nome “novo” dentro do SPD e da política interna alemã, principalmente porque, até pouco tempo, era um político mais europeu do que alemão. Nem por isso vem para a campanha sem conhecimento de causa. À revista alemã Der Spiegel ele afirmou que teve boas chances de estudar Angela Merkel e conhecê-la bem. “Trabalhei ao lado de Merkel por mais tempo do quase qualquer outro político do SPD”, disse.
Quando assumiu a liderança do partido, prometeu “acabar com todo o populismo” e é uma alternativa da esquerda alemã frente ao conservadorismo de centro-direita da União, formada pela União Democrata Cristã (CDU) de Merkel e União Social Cristã (CSU), irmã bávara da CDU, conhecida por ser mais conservadora. Segundo o cientista político Konstantin Vössing, da Universidade Humboldt em Berlim, a candidatura de Schulz era a única viável para o SPD, principalmente porque passa a pressionar Merkel. “Ele se encaixa no partido. É realmente um social-democrata, ao contrário de Sigmar Gabriel. Ele consegue falar com o trabalhador tradicional e se opor ao populismo”, afirma o professor.
Em sua conta no Twitter ele se posiciona cada vez mais como tal. “Não somente hoje, todos os dias devemos nos levantar e nos opor ao anti-semitismo e à xenofobia. Meu primeiro dever como chanceler é dizer: nunca mais”, escreveu ele, em uma alusão ao histórico nazista alemão e à crescente que partidos como o Alternativa para Alemanha (AfD), de extrema-direita, vem conquistando nos últimos anos. Em outra ocasião, Schulz escreveu que “se vier os Estados Unidos primeiro, a França primeiro, a Alemanha primeiro, só um irá vencer. É melhor para todos se unirem”.
O professor de relações internacionais da Universidade de Brasília, Argemiro Procópio Filho, afirma que Schulz é um homem de grande visibilidade no continente e sua candidatura fortalece a social-democracia no continente. “Um bom desempenho de Schulz vitaminaria todos os sociais democratas da Europa”, diz. Se Merkel, quando se candidatou para o quarto mandato, era a alternativa para uma Europa unida, ela não parece mais ser a única.
Vida internacional
Martin Schulz, 61 anos, nasceu em 20 de dezembro de 1955 na Alemanha Ocidental, na vila de Hehlrath, parte oeste do rio Reno, próximo da fronteira com a Bélgica e a Holanda. Schulz é filho de um pai policial e social-democrata e uma mãe conservadora que era membro ativa da CDU. Nascido e criado próximo à fronteira, ele sempre teve parentes em outros países, e conviveu desde pequeno com o internacionalismo. Segundo Werner Weidenfeld, professor e diretor do Centro de Pesquisa de Política Aplicada da Universidade Ludwig-Maximilians em Munique e um dos principais consultores do governo alemão, ter sido criado nessa região foi determinante para a visão europeia de Schulz. “A região onde ele cresceu é bastante aberta ao internacionalismo e obteve grandes vantagens da integração da Europa”.
Aos 19 anos, Schulz entrou na política ao se filiar ao SPD e participar da Juventude Socialista do partido. Em 1984, depois de compor o conselho municipal de Würselen, Schulz foi eleito o prefeito da cidade no estado de Nordrhein-Westfalen — à época ele havia sido o político mais jovem a alcançar o posto no estado, então com 31 anos. De fato, Schulz é um homem de origem simples, que não tem diploma do ensino médio, algo incomum à política no país, e se comunica de maneira clara. Ele tem como hábito contar histórias da época em que era prefeito na região do Rio Reno, que demonstram sua simplicidade.
Dez anos depois, se candidatou para ser membro do Parlamento Europeu, sendo eleito ao cargo que ocuparia pelos próximos 23 anos, deixando para trás a política alemã.
Até agora. Schulz volta à terra natal e é descrito por partes da imprensa alemã, como o jornal Die Zeit, como “um socialista de classe” e tido como um político forte, que “não tem nada a perder”. Outras partes da imprensa, como a rádio hr1, duvidam da capacidade dele de conseguir maioria frente à União e formar uma coalizão que apresente uma maioria.
Segundo o professor Vössing, da Universidade Humboldt, Schulz só é viável como candidato justamente porque conseguiu unir o SPD. “Ao contrário de Gabriel, que tinha uma visão sobre levar o SPD mais próximo do populismo, Schulz aproxima o partido da social-democracia. Ele conversa com a classe trabalhadora e com o jovem urbano de maneira melhor do que Merkel e Gabriel”, disse.
Na internet, Schulz virou meme entre o público mais jovem. A página Memes da Social Democracia da Europa (Sozialdemokratie Memes aus Europa) usa imagens que misturam a campanha de Barack Obama em 2008 com a de Donald Trump em 2016, além da hashtag #Gottkanzler, Chanceler Deus, em tradução livre. Como a imagem que ilustra esta matéria, um cartaz com as cores da esperança de Obama acompanha os dizeres MEGA, Make Europe Great Again, em referência ao slogan de Trump. No site de discussões Reddit, Schulz tem sua própria página, agremiando fãs e memes — sempre voltado para a socialdemocracia e para a integridade da União Europeia.
As pesquisas, por enquanto, mostram que o fenômeno não está só na internet. Schulz aparece praticamente empatado com Merkel nas pesquisas de opinião, feitas após ser anunciado líder do partido. Segundo pesquisa do instituto INSA, divulga no dia 14 de fevereiro o SPD tem 31% das intenções de voto, frente aos 30% da União. Uma pesquisa do grupo Forschungsgruppe Wahlen da última sexta-feira mostra a União pouco à frente, 34% a 30%. Se as eleições fossem diretas, uma pesquisa mostra que Schulz teria 50% das intenções de voto, frente a 34% de Merkel, com ambos desfrutando de cerca de 55% de simpatia dos eleitores.
O resultado parece bom demais para ser verdade em um sistema político como o alemão. O carisma de Schulz é o suficiente para reerguer o partido, que nos últimos 12 anos teve que discutir seus termos por meio de apoios condicionais na coalizão que manteve Merkel no poder? O panorama das pesquisas atuais é bem diferente daquele apresentado nas últimas eleições, em setembro de 2013, quando a União teve 41,5% dos votos contra 25,7% do SPD. “Eu avaliaria com muito cuidado a oscilação das pesquisas. O CDU é historicamente muito mais forte”, disse o cientista político Bruno Speck, da Universidade de São Paulo.
Contra todas as chances
Apesar do SPD estar despontando nas últimas pesquisas e na política — o membro do SPD e um dos políticos mais populares do país, Frank-Walter Steinmeier, que compôs a coalizão de Merkel por mais de 7 anos como ministro de Relações Exteriores, foi eleito presidente com pouco mais de 75% no Bundesrat — o sistema alemão de eleições e escolha não é tão simples para cravar com certeza uma vitória.
É importante entender como funciona a política alemã para compreender o cargo de chanceler, as eleições, a composição partidária e até mesmo as chances do SPD frente à União. A Alemanha tem um sistema eleitoral de representação proporcional mista — metade das 598 cadeiras do parlamento é eleita por votos distritais diretos, em que o mais votado vai para o parlamento, o Bundestag. Os outros 299 assentos são eleitos por um segundo voto, feito em um partido. A proporção da legenda no voto partidário indica quantas cadeiras pode-se ocupar no parlamento. Se o número de representantes eleitos diretamente é maior do que a proporção daria direito, novas cadeiras são dadas às outras legendas representadas para equalizar as proporções— isso significa que o número de parlamentares não é fixo, mas sujeito ao resultado das eleições, algo que acontece com frequência. Inclusive neste mandato há 630 cadeiras, já que a União elegeu 310 membros diretamente e tinha direito a 41,5% do parlamento pelo voto partidário.
Geralmente, o partido mais votado no sistema de representações elege seu líder como chanceler. Historicamente, essa característica é uma prerrogativa, mas não é uma regra. Em 1969, o SPD conseguiu eleger Willy Brandt como chanceler ao negociar a “coalizão social-liberal” com o FDP, embora a União tenha sido o partido com mais votos.
A regra é a necessidade de formar uma coalizão para conseguir governabilidade. “Em um sistema parlamentar como o alemão, o que conta é a capacidade de governar. Nesse cenário que se configura, nem a CDU, nem o SPD teriam uma maioria confortável para governar sozinhos, então quem vencer irá precisar do outro para governar” afirma o professor Bruno Speck.
O sistema é dessa maneira para evitar a concentração de poderes nas mãos de poucos e foi adotado na Alemanha Ocidental após a Segunda Guerra Mundial para, posteriormente, ser incorporado ao país todo quando da reunificação. De lá pra cá, Angela Merkel é apenas a terceira chanceler do país reunificado e a única em toda a história a permanecer no poder por tanto tempo em “condições normais”. Antes dela Gerhard Schröder, do SPD, ocupou o cargo por 8 anos depois de substituir Helmut Kohl, que foi chanceler durante a reunificação do país e permaneceu no posto por 16 anos.
É realmente a hora?
Com um sistema eleitoral e político tão complexo e a necessidade da coalizão, mesmo que o SPD ou a União ganhem o voto partidário, teriam que negociar com outros partidos uma coalizão para governar, muito provavelmente até um com o outro. Na Alemanha, não é possível fazer negociações com membros específicos do parlamento, já que os acordos de coalizão são firmados por documentos assinados entre os partidos.
Dito isto, sobram poucas legendas com representação no Bundestag para negociar — há uma regra que cada partido só pode ter parlamentares caso tenha alcançado 5% dos votos partidários. Atualmente, além da União e do SPD, há no Bundestag o Partido Verde (Grüne) e a Esquerda (Linken), que juntos têm 127 cadeiras e não fazem parte da coalizão de governo. A outra legenda forte da Alemanha, o Partido Democrata Liberal (FDP), não conseguiu percentagem suficiente para estar no parlamento em 2013, mas é esperado que volte este ano. No atual cenário das pesquisas, mesmo que fizessem alianças com seus grupos de afinidade política histórica — o Grüner no caso do SPD, e o FDP no caso da União — ainda não há como se resolver o impasse da maioria necessária para governar.
Os partidos menores tem diversas regras internas de coalizão, o que torna as conversas difíceis. Além disso, não se negocia apoio de partidos extremistas, como o AfD, à direita, que ainda não tem participação no Bundestag, mas aparece com cerca de 10% nas pesquisas e deve conseguir seu lugar ao sol nas eleições de setembro.
O SPD antes de Schulz estava como um partido dividido. Nos últimos anos, a situação se inverteu — Merkel precisou fazer concessões, principalmente em termos da política de portas abertas para conseguir apoio dentro da própria União, principalmente da CSU. A situação a coloca em um impasse: se pende à esquerda, tentando ganhar os votos de Schulz, pode irritar os aliados do CSU e desfazer uma aliança histórica.
Angela Merkel está em um território novo. Seu governo tem 74% de aprovação popular, um número invejável para qualquer mandatário nos dias atuais, mas, pela primeira vez, uma ameaça concreta se põe diante da chanceler, agravada pela incerteza das negociações de coalizão. Segundo o professor Weidenfeld, com Schulz o SPD planeja liderar a própria base para sair da dependência da União e pode negociar com outros partidos do parlamento. “Há muito pouca chance do SPD conseguir a maioria dos votos, mas na situação atual não há como um dos grandes partidos formar uma coalizão sem o outro”. Se até setembro nem Schulz nem Merkel despontarem nas pesquisas, estará armado o impasse alemão.