Como o militante talibã mais procurado dos EUA se tornou uma esperança de mudanças no Afeganistão
Sirajuddin Haqqani tenta mudar sua imagem e se posicionar como diplomata pragmático em meio ao governo do Talibã
Agência de notícias
Publicado em 25 de outubro de 2024 às 07h45.
Ao longo das últimas duas décadas, um nome em especial inspirou medo entre os afegãos: Sirajuddin Haqqani. Para muitos, ele era visto como um ser maligno, um anjo da morte com o poder de decidir quem morreria e quem viveria durante a guerra liderada pelos EUA. Haqqani usou seus homens-bomba do Talibã para atacar tropas americanas e civis afegãos. Um chefão fantasma da jihad global, com laços com a al-Qaeda e outras redes terroristas, ele chegou ao topo da lista de pessoas mais procuradas por Washington, com uma recompensa de US$ 10 milhões por sua captura.
Desde a retirada americana em 2021 e o retorno do Talibã ao poder, Haqqani tem buscado se reposicionar como um estadista pragmático e uma voz de moderação em um governo caracterizado pelo extremismo religioso. Essa transformação é parte de um conflito interno no Talibã, que tenta mostrar uma unidade pública, mas enfrenta divisões internas. No centro desse embate está o emir Haibatullah Akhundzada, um clérigo linha-dura cuja eliminação dos direitos das mulheres isolou o Afeganistão no cenário global.
Enquanto Akhundzada controla a formulação de políticas, Haqqani emergiu como seu maior opositor, defendendo o retorno das meninas às escolas e o emprego de mulheres no governo. Ele se apresentou como uma ponte para o diálogo, enquanto o emir rejeita veementemente as ideias ocidentais.
Diálogo com o ocidente e relações internacionais
Haqqani liderou viagens diplomáticas e negociações de bastidores para promover uma visão mais palatável do regime talibã. Ele buscou controlar grupos terroristas em solo afegão e construiu relações com antigos inimigos, como Europa, países islâmicos, Rússia e China, segundo diplomatas. “Vinte anos de jihad nos levaram à vitória”, disse Haqqani em entrevista em Cabul. “Agora abrimos um novo capítulo de engajamento positivo com o mundo e fechamos um capítulo de violência e guerra.”
Muitos diplomatas ocidentais questionam a transformação de Haqqani, considerando-o um enigma. Para alguns, suas promessas de restaurar os direitos das mulheres são mais estratégicas do que uma mudança de postura pessoal, visando atrair o Ocidente em meio à sua disputa interna com Akhundzada.
Histórico de Sirajuddin Haqqani
Nascido durante a invasão soviética do Afeganistão em 1979, Haqqani cresceu em Miran Shah, na fronteira com o Paquistão. Seu pai, Jalaluddin Haqqani, foi um importante comandante dos mujahedin, estabelecendo laços com agências de inteligência paquistanesas, sauditas e a CIA. Ele também foi próximo de Osama bin Laden e apoiou a criação da rede al-Qaeda.
Quando os EUA invadiram o Afeganistão em 2001, Haqqani estava em uma escola religiosa na província de Khost. Desde então, liderou operações insurgentes no leste do país e, mais tarde, supervisionou a estratégia militar do Talibã. Após o retorno do Talibã ao poder, em 2021, Akhundzada consolidou seu controle, vetando promessas de educação para meninas e impondo um dos sistemas mais repressivos para as mulheres no mundo.
Haqqani tem buscado aliviar algumas dessas medidas, boicotando reuniões em Kandahar e enfrentando a retaliação do emir, que realocou batalhões leais e restringiu suas ações. Apesar das dificuldades internas, Haqqani continua buscando laços internacionais, participando de encontros com funcionários da ONU, diplomatas europeus e líderes de outros países. Ele também apoiou investimentos chineses e reforçou as relações com a Rússia, na tentativa de integrar o Afeganistão ao cenário global.
Em junho, uma foto de Haqqani sorrindo no palácio Qasr al-Shati, em Abu Dhabi, ao lado de Mohammed bin Zayed, marcou seu primeiro encontro oficial com um chefe de Estado. Haqqani também participou do haj em Meca e foi temporariamente removido da lista de proibições de viagem da ONU em julho, sinalizando um avanço em seus esforços de reposicionamento diplomático.