Economia

Brasil não receberá recurso antes de reduzir desmatamento, diz diretor da Eurasia

Apenas a mudança de tom mostrada no discurso do presidente na Cúpula do Clima não deve ser suficiente para garantir o acesso do país a fundos de preservação ambiental que o governo almeja

Presidente Jair Bolsonaro. (Marcos Correa/Reuters)

Presidente Jair Bolsonaro. (Marcos Correa/Reuters)

FS

Fabiane Stefano

Publicado em 23 de abril de 2021 às 07h00.

Apesar do discurso de Jair Bolsonaro de comprometimento com metas de redução do desmatamento na Cúpula do Clima da quinta-feira, 22, a mudança de tom não deve garantir acesso a recursos de fundos internacionais patrocinados por países e empresas privadas sem que antes o Brasil comece a mostrar uma redução do desmatamento, avalia o diretor para Brasil da consultoria Eurasia, Silvio Cascione.

No evento organizado pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, o presidente brasileiro ressaltou a meta de acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e anunciou que o país pretende reduzir as emissões de gás carbônico em 40% até 2030 e de neutralidade ambiental até 2050. Depois, solicitou recursos internacionais para a conservação ambiental no país, como já havia sinalizado antes em diálogos do governo com líderes de outras nações.

As promessas, apesar de representarem mudança positiva em relação à postura anterior do governo, não serão capazes de satisfazer a aspiração do presidente de acesso a recursos externos, afirma Cascione. "O Brasil está com uma credibilidade baixa na política ambiental. Simplesmente ajustar as promessas de redução de emissão de carbono não vai ser suficiente", reitera. "O país vai precisar mostrar resultados no combate ao desmatamento para de fato ficar numa posição melhor para receber financiamento internacional", afirma.

Segundo o analista, os acenos e a nova retórica de Bolsonaro fizeram com que o Brasil continue "na mesa" no ambiente de negociação internacional, e ainda tenha a possibilidade de mostrar resultados.

 

Na manhã da quinta, uma coalizão internacional formada pelos Estados Unidos, Noruega, Reino Unido e empresas privadas para reduzir a emissão de gases de efeito estufa derivados do desmatamento foi lançada durante a cúpula com o nome de Coalizão Leaf. A iniciativa que já tem mais de 1 bilhão de dólares em seu fundo, no entanto, condiciona o aporte de recursos à redução anterior das emissões por desmatamento.

A coalizão se assemelha ao Fundo Amazônia, porém visa auxiliar outros países além do Brasil a combater a devastação de florestas tropicais. O fundo financiado pela Noruega e Alemanha foi paralisado quanto a gestão Bolsonaro, em 2019, editou decretos que dissolveram dois comitês que o geriam.

O analista lembra que o Brasil reduziu de forma significativa o desmatamento no passado com ferramentas locais e sem grande aporte externo e ressalta que é a capacidade de mostrar resultados de controle ambiental pelo uso desses mecanismos o principal fator que será levado em conta por financiadores externos.

 

Se a redução do desmatamento nos próximos anos não se concretizar, avalia Cascione, o país não apenas não receberá financiamento externo, como corre o risco de sofrer retaliações. As já ociosas negociações do acordo entre Mercosul e União Europeia e a expectativa de adesão à OCDE são algumas das tratativas que podem ser afetadas, segundo o analista, além da possibilidade de mais boicotes internacionais a produtos brasileiros e potenciais barreiras comerciais.

Mercado do Carbono

Bolsonaro abordou o dispositivo que trata das regras para a transferência dos resultados de reduções de emissões de gases estufa de um país para outro no Acordo de Paris, cuja regulamentação está na agenda internacional da preservação ambiental, durante o discurso na Cúpula. O mercado do carbono seria outra fonte que poderia render recursos ao Brasil caso avancem as negociações em torno do tema.

"Neste ano, a comunidade internacional terá oportunidade singular de cooperar com a construção de nosso futuro comum. A COP26 terá como uma de suas principais missões a plena adoção dos mecanismos previstos nos Artigos 5º e 6º do Acordo de Paris", afirmou o presidente.

O acordo é interesse do governo Biden, que se comprometeu com o avanço da agenda. Segundo Cascione, negociações em torno dele que beneficiem o Brasil, no entanto, dependerão da demonstração de credibilidade do país na área até lá. "Se o governo Biden mostrar que há muitas travas a serem superadas, é mais difícil ter uma postura cooperativa com o Brasil", pondera. "Eles estarão sob pressão para manter as credenciais ambientalistas e a pressão para punir um país como o Brasil, se esse desmatamento continua a subir, vai ser maior", afirma.

A regulação do mercado de compra e venda de créditos de excedentes de redução de emissões, conhecido como mercado de carbono, poderia trazer recursos ao país, já que o Brasil conta com um portfólio de ativos de baixo carbono.

O artigo ainda não foi regulamentado e desde 2019, quando assumiu o Planalto, o governo Bolsonaro, por meio do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não avançou nas negociações em torno do mercado de carbono.

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