ex-presidente Jair Bolsonaro durante um evento em sua homenagem em Orlando (Flórida), em 31 de janeiro de 2023 (AFP Photo/Reprodução)
Da redação, com agências
Publicado em 1 de fevereiro de 2023 às 06h50.
O ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro expressou na terça-feira, 31, a intenção de continuar envolvido na política do país, durante um evento em Orlando (Flórida), no qual voltou a questionar o resultado da eleição em que foi derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva em outubro.
"Não podemos abandonar a política", declarou o ex-presidente de extrema-direita para quase 400 simpatizantes. "Estou com 67 anos e pretendo continuar ativo na política brasileira", acrescentou.
Bolsonaro foi homenageado em um evento organizado pela 'Yes Brazil USA', uma organização conservadora criada por brasileiros que moram nos Estados Unidos.
O local escolhido, o salão de festas de um restaurante localizado em um shopping center, ao lado de uma pista de boliche, ficou animando com sua chegada.
"Eu nunca fui tão popular. O ano passado superou muito 2018" (quando venceu as eleições), afirmou Bolsonaro, que voltou a questionar a vitória de Lula. "No final das contas a gente fica com uma interrogação na cabeça. Mas vamos enfrentar, e vamos, se Deus quiser, juntos, vencer, esse momento".
Investigado no Brasil por possível incitação aos atos golpistas do último dia 8 de janeiro, Bolsonaro não tem data para voltar dos Estados Unidos, para onde viajou dois dias antes do fim de seu mandato.
Bolsonaro deu entrada no processo para trocar de visto nos Estados Unidos e permanecer no país na condição de turista, segundo o escritório de advocacia AG Immigration, responsável pela condução do caso.
Fora da Presidência e com o fim do prazo para uso do visto oficial concedido a chefes de Estado, o brasileiro agora quer permanecer na Flórida com visto de turista que pode dar direito a mais seis meses de estadia no país.
Longe das investigações e de um país do qual afirmou sentir muitas saudades, Bolsonaro recebeu o carinho dos seguidores em Orlando. Muitos o abraçaram, fizeram selfies e o aplaudiram quando chegou ao salão.
O ex-presidente acompanhou por uma hora uma série de homenagens, uma oração em seu nome, duas canções e vários discursos com elogios a seu governo. No momento do discurso, ele foi muito aplaudido.
Entre os seguidores de Bolsonaro, pessoas de todas as idades, estava Daniela Estebes. A advogada brasileira de 46 anos, moradora da Flórida, afirmou que "ele é um dos melhores presidentes que tivemos no Brasil, com certeza".
Ross Caviccioli, 45 anos, lamentou a vitória de Lula. "As coisas no Brasil agora não estão boas, no último mês, nas últimas semanas, e acreditamos que o Brasil merece um presidente melhor", disse.
Bolsonaro também irá palestrar em um evento, em Miami, realizado por uma organização nos Estados Unidos associada ao ataque ao Capitólio, promovido por uma turba de apoiadores de Donald Trump em 6 de janeiro de 2021 para tentar impedir a certificação da eleição de Joe Biden. A
Turning Point USA, que promoverá evento com Bolsonaro na sexta-feira, 3, foi fundada pelo americano Charlie Kirk, apontado nos EUA como parte da engrenagem que ajudou a financiar o comício de Trump que precedeu a invasão do Congresso americano.
Aos 29 anos, Kirk é um dos agitadores políticos da extrema direita americana mais bem sucedidos. Além de aparecer em listas dos perfis com maior capacidade de influência na disseminação de desinformação, ele arrecada dinheiro de doadores para manter as operações de suas organizações, a Turning Point USA e a Turning Point Action - a segunda é um braço político da primeira.
Em 2020, ele foi um dos responsáveis pela disseminação da teoria de que houve fraude nas eleições americanas e, em 6 de janeiro de 2021, apoiou a realização do ato em Washington com Trump.
Através das redes sociais, ele encorajou as pessoas a participarem do comício de Trump naquela data - depois do qual os presentes marcharam até o Congresso americano e invadiram o prédio, na tentativa de impedir a realização de sessão que confirmava a vitória de Biden.
Em seu programa de rádio, no mesmo dia, chegou a dizer que a data seria "o mais importante dia que irá determinar o futuro da República". Também ajudou a disseminar a informação falsa de que o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, tinha poderes para unilateralmente descartar a certificação da eleição.
Investigações conduzidas nos EUA, no entanto, apontam uma questão mais grave: o possível envolvimento de Kirk com a teia de financiamento do ato.
A Turning Point Action foi listada em um site que promoveu o evento como uma das envolvidas na organização. Kirk chegou a publicar, também em conta nas redes sociais, que havia pago 80 ônibus que levariam americanos de diferentes regiões do país a Washington, para "lutar pelo presidente".
A publicação foi apagada depois da invasão do Capitólio e as informações mais recentes, segundo a imprensa americana, apontam que o número estava superestimado e que Kirk pode estar por trás do financiamento de sete ônibus, responsáveis por levar 350 ativistas à capital americana.
Uma reportagem de dezembro do jornal Washington Post revelou que "grupos sob a direção" de Kirk receberam US$ 1,25 milhão e que o dinheiro estava destinado a financiar atividades de protesto em 6 de janeiro.
Um dos pagamentos, segundo o jornal, foi para Kimberly Guilfoyle, noiva do filho mais velho de Trump, Donald Trump Jr, de quem Kirk é próximo. A Turning Point Action, ainda segundo o Washington Post, pagou US$ 60 mil para Guilfoyle participar do comício pró-Trump do dia 6, no qual o ex-presidente convocou seus apoiadores a "lutarem como o inferno".
Chamado a depor perante o comitê do Congresso americano que investigou o ataque golpista, Kirk invocou seu direito de permanecer calado e não respondeu aos legisladores nem mesmo qual é sua idade.
Os parlamentares finalizaram o trabalho de investigação e recomendaram à Justiça que Trump seja acusado por insurreição. As investigações conduzidas pela Justiça americana sobre o ataque ao Capitólio ainda estão em andamento.
O evento com Bolsonaro foi divulgado por Kirk em suas redes sociais e também por Carlos Bolsonaro. "O Brasil se tornou um campo de batalha fundamental no confronto global entre o poder do povo e a tirania de uma máquina globalista corrupta", escreveu Kirk no Twitter, após anunciar o evento com o ex-presidente do Brasil.
"Misturando, combinando e torcendo os fatos, Kirk veio para exemplificar uma nova geração de agitador político que floresceu desde a eleição de 2016, caminhando na linha entre a opinião conservadora dominante e a desinformação completa", descreveu o jornal The New York Times.
(Com Estadão e AFP)