Cherif Kouachi (E) e seu irmão Said Kouachi (French Police/AFP)
Da Redação
Publicado em 11 de janeiro de 2015 às 10h04.
Washington - Os atentados de Paris, onde pelo menos um dos agressores recebeu treinamento dos jihadistas no Iêmen, põe em evidência o risco imprevisível que representam os criadores de extremistas na Síria e Iraque, onde os Estados Unidos continuam informando de avanços.
Segundo os serviços de inteligência franceses e americanos, pelo menos um dos agressores, Said Kouachi, de 34 anos e de nacionalidade francesa, recebeu treinamento durante os meses que passou em 2011 no Iêmen com a Al Qaeda na Península Arábica (AQPA), um dos braços do grupo terrorista mais ativos.
As ações de Saïd Kouachi e seu irmão Chérif, de 32 anos, que passou 18 meses na prisão por tentar viajar há uma década ao Iraque para se unir à jihad, demonstram a dificuldade de identificar, seguir e reintegrar à sociedade os jovens que escolhem se transformar em combatentes radicais no Oriente Médio.
Os irmãos faziam parte da lista americana de suspeitos de terrorismo que não podem voar para os EUA (com não mais de 50 mil nomes) e tinham estado sob o radar dos serviços de inteligência franceses, algo que não evitou que discretamente preparassem um dos atentados mais graves em meio século na França.
Os Kouachi também faziam parte da Terrorist Identities Datamart Environment (Tide), uma base de dados dos serviços secretos americanos com pouco mais de um milhão de suspeitos com vínculos terroristas. Apesar de todos os recursos disponíveis à espionagem americana e europeia, ambos passaram despercebidos durante anos.
No caso do Iêmen, os EUA trabalharam muito de perto com as autoridades do governo central em Sana, compartilhando inteligência e realizando desde 2004 bombardeios secretos com drones contra posições da Al Qaeda e seus campos de treinamento, por onde passaram importantes figuras do islamismo radical com passaporte ocidental.
Entre essas figuras estava o americano de origem iemenita Anwar al Awlaki, morto no final de 2011 no Iêmen por drones dos EUA e que pôde ter mantido contato com Saïd Kouachi e ter-lhe transmitido sua ideia de jihad contra o ocidente antes de morrer.
Mas após uma década de bombardeios no Iêmen, que se intensificaram significativamente com a chegada do presidente Barack Obama à Casa Branca em 2009, a AQPA continua sendo uma séria ameaça tanto dentro do país como no exterior (no mesmo dia do atentado contra a revista 'Charlie Hebdo' a Al Qaeda matou 37 pessoas com um carro-bomba em Sana).
Apesar de o Iêmen não ser a Síria ou o Iraque, nem a Al Qaeda (em concorrência com o EI) ter a mesma organização ou objetivos que o califado sunita de Abu Bakr al Bagdadi, essas organizações se transformaram em trampolins para jovens muçulmanos insatisfeitos e dispostos a receber treinamento militar em países em guerra.
Segundo John Carlin, adjunto para a Segurança Nacional do Secretário de Justiça, os EUA calculam que há cerca de 18 mil combatentes estrangeiros de cerca de 60 países lutando e recebendo treinamento insurgente na Síria e no Iraque.
Mais de três mil deles são da Europa ocidental e a maioria têm passaportes europeus, uma nova cartada do radicalismo que poderia plantar um novo atentado como o que paralisou Paris durante três dias e que começou com a morte de 12 pessoas no ataque à sede da revista 'Charlie Hebdo'.
'Sem dúvida o enfoque na ameaça de combatentes estrangeiros aumentou muito nos últimos seis a nove meses, e é algo no que trabalhamos muito de perto com a França e outros parceiros, dedicamos um grande esforço internacionalmente à luta contra o extremismo', explicou a porta-voz do Departamento de Estado Jen Psaki.
Os atentados de Paris demonstram que a luta contra o radicalismo e os chamados 'lobos solitários' leva tempo e no caso do EI, contra quem os EUA atuam militarmente há apenas cinco meses, a ameaça continua presente.
Segundo o Pentágono, os bombardeios aéreos e o apoio de forças locais por terra conseguiu conter os avanços dos radicais sunitas do EI, que incorporaram centenas de combatentes estrangeiros, ao mesmo tempo em que destruiu grande parte de sua infraestrutura de financiamento, desde poços de petróleo até vias de recepção de doações internacionais.
Apesar de tudo, o EI, uma milícia com o potencial, segundo os EUA, de se transformar em uma ameaça maior que a Al Qaeda, mantém o controle de regiões de maioria sunita na Síria e no Iraque onde continua atuando com impunidade.
Segundo Bruce Riedel, diretor do Intelligence Project do Brookings Intitution em Washington, o maior perigo é que o atentado de Paris desencadeie uma luta entre Al Qaeda e EI para demonstrar sua relevância com grandes atentados na Europa.
'A guerra por determinar quem é o legítimo herdeiro de (Osama) Bin Laden vai levar a uma competição para superar o outro. Neste contexto um grande atentado na Europa é visto como uma conquista', advertiu Riedel.