10 tendências de consumo na China pós-pandemia que podem pegar pelo mundo
Dois meses após saírem da quarentena, consumidores chineses têm novas exigências e hábitos — movimento que pode ser semelhante em outros países
Ligia Tuon
Publicado em 7 de julho de 2020 às 15h05.
Última atualização em 10 de julho de 2020 às 16h16.
Faz mais de dois meses que os chineses começaram a retomar suas atividades cotidianas após o fim da quarentena imposta contra o coronavírus .
E pela experiência da China , o período de confinamento despertou novas exigências nos consumidores e reforçar alguns hábitos — um movimento que pode ser semelhante em outros países nos próximos meses.
É o que mostra pesquisa da consultoria Inovasia, que analisou o hábito dos consumidores chineses de 8 de abril, dois meses após o fim da quarentena no país até 15 de junho. Entre os hábitos do "novo normal" estão pequenas comodidades diárias e a maior preocupação com a saúde e com a origem dos produtos e serviços.
Quando foi dada a largada das compras com a reabertura, mais de 60% das pessoas disseram que saíram para comer com amigos, 55% foram ao salão de beleza e 52% foram comprar itens para fazer exercício em casa. O sentimento de querer comprar alguma coisa, como prêmio pelo “tempo sofrido” em casa, foi citado por muitos deles.
Vale ressaltar que no período avaliado pela pesquisa, shopping centers e lojas de rua já funcionavam normalmente em mais de 98% das cidades da China, e escolas infantis e de ensino médio abertas em em 42% dos municípios estudados. Serviços como metrô, ônibus e trens também já operaram em todo o país, assim como os voos domésticos.
No mundo, só a China vive esse momento, já que muitos países começaram a afrouxar suas medidas mais recentemente e outros tantos ainda não controlaram a doença, como é o caso do Brasil e dos Estados Unidos.
Veja dez 10 tendências de consumo na China pós pandemia que podem pegar pelo mundo, segundo a Inovasia.
1 - Mais lives, é claro...
As já populares lives ficaram ainda mais atrativas no mundo todo por motivos óbvios durante os meses de confinamento. Depois da reabertura, porém, esse interesse não recuou entre os chineses - nem entre o público e muito menos entre as marcas, que venderam como nunca no "comércio ao vivo".
O segmento deverá movimentar US$ 135 bilhões em 2020 na China ante US$ 63 bilhões em 2019, segundo dado do instituto iiMedia Research trazido pelo estudo da Inovasia.
Para as três principais plataformas de transmissão ao vivo de e-commerce da China - o Taobao Live, do grupo Alibaba, o Tik Tok Douyin, da ByteDance e o Kuaishou, do grupo Kwai -, o setor deve crescer 10 vezes nos próximos 24 meses, levando a participação das vendas por livestreaming de 1% para 9% de 2019 para 2020.
Outro exemplo trazido pelo estudo é a rede de supermercados HeMa, que decidiu manter as transmissões diárias que começou a fazer durante a pandemia porque a audiência não caiu depois da reabertura. Além disso, as lives feitas com cozinheiros famosos que faziam pratos com ingredientes escolhidos, ao vivo, nas gôndolas do mercado, elevou as vendas da companhia em 12%.
É uma realidade que foi apressada pela pandemia e da qual as empresas não tem como fugir. Mais de 90% dos entrevistados pela pesquisa afirmaram pretender elevar seu investimento em influenciadores digitais. E 80% disseram que elevarão os gastos em sua infraestrutura de e-commerce.
2 - Pediu, chegou
Com uma das mais elevadas taxas de penetração do comércio online do mundo, a China já era reconhecida pelo hábito da população de fazer compras pela internet. Neste ano estima-se que 56 milhões de pessoas que não faziam parte desse grupo passaram a fazer. E com as maiores exigências: que o produto seja entregue em até uma hora.
Esses novos clientes, chamados na pesquisa de “late adopter” (aqueles que aderem a uma tendência tardiamente em comparação com o resto da população) é, em geral, formado por homens acima de 50 anos, com pouca intimidade com smartphones ou temor de sofrer golpes online, segundo dados da consultoria chinesa ChoZan.
Esse movimento levou a 78,8% a parcela da população que faz compras online regularmente (ao menos um pedido por trimestre) em março. Em dezembro do ano passado, esse número era 74,8%, de acordo com dados do Statista citados no estudo.
Essas pessoas gostaram da comodidade e não pretendem voltar às filas dos hipermercados, mesmo em um cenário de normalidade, destaca a Inovasia.
"O mesmo raciocínio de “late adopters” pode ser aplicado para “sellers” e “varejistas” como restaurantes e lojas tradicionais que, por questões culturais ou geracionais, não sentiam a necessidade de oferecerem seus produtos digitalmente. A pandemia, no entanto, forçou ambos os agentes a mudar de postura", diz a consultoria.
Os setores mais beneficiados pelo ingresso de novos consumidores digitais foi o de farmácias e supermercados, serviços considerados essenciais e que estiveram operando mesmo durante a quarentena.
3- Sem encostar, por favor
Opções “contactless”, que não envolvem contato físico, como pagamentos remotos e entregas sem encontro presencial, serão uma grande vantagem competitiva para empresas daqui para frente, conclui o estudo, devido ao interesse da população que permaneceu após o confinamento.
Esse movimento impulsionou, por exemplo, a demanda por eletrônicos, como óculos de realidade virtuais, que aumentam a imersão de participantes em reuniões de trabalho, e por aparelhos de academia, pelo interesse em se exercitar em casa.
Especialistas ouvidos pela Inovasia afirmam que são muitas marcas de produtos de beleza e maquiagem no país já trabalham para acelerar a transformação de seus produtos, inserindo itens que facilitem o não-contato e a proteção à saúde.
Outro setor que viu crescer sua procura mesmo após a reabertura do mercado foi o de educação a distância. Para 72% dos estudantes que fizeram, pela primeira vez, um curso via educação à distância durante a epidemia, a experiência foi descrita como “ótima” ou “boa”. Segundo análise do serviço de ensino chinês de idiomas VIP KIDS, mais da metade dos novos assinantes captados pela plataforma durante a pandemia optaram por continuar com as aulas online, mesmo após a reabertura dos cursos presenciais.
4 - Saudáveis e fitness
Os alimentos frescos foram o item mais demandado durante a pandemia e seguiram com maior relevância na alimentação dos chineses ante os congelados. A demanda por esses produtos dobrou em maio, ante abril do ano passado. Além disso, os consumidores estão mais exigentes na escolha dos alimentos.
A pesquisa cita uma análise da Nielsen que mostra que a compra de ingredientes para cozinhar em casa está muito mais rigorosa que no pré-pandemia. No estudo, 80% dos entrevistados disseram que prestam mais atenção à alimentação saudável e tomam cuidados maiores ao ler rótulos e descrições das embalagens.
Além da alimentação mais saudável e consciente, a prática de exercícios é outra prioridade dos chineses atualmente, mostra a Inovasia. Mas a maioria tem procurado fazer isso em casa e não nas academias.
Dados do e-commerce Pingduoduo, o terceiro maior da China, indicam que as vendas de produtos “fitness” em maio, já após o fim da quarentena, foram 35% maiores que no mesmo mês de 2019.
5 - Carros, sim, mas pequenos e elétricos
As vendas de automóveis, que caiu 89% na China durante a pandemia, foram retomadas com força após a quarentena e devem chegar ao mesmo patamar do pré crise em julho, diz a Inovasia.
O estudo remete o movimento, entre outras coisas, ao desejo de uma classe média ascendente no país de evitar o transporte público, onde o risco de transmissão de doenças aumenta.
Os modelos que ganham mais atenção entre os consumidores atualmente são os Low Speed Vehicles (veículos de baixa velocidade), que se movem a, no máximo, 40 km/h e são totalmente elétricos. A autonomia destes pequenos carros
varia entre 40 km e 90 km e seu tempo de carregamento gira entre duas e três horas. Para especialistas, é o carro do futuro.
6 - Xô, fake news
A disseminação em massa de notícias falsas também é um problema na China, onde mais de 850 milhões de cidadãos usam, diariamente, serviços como WeChat e Alipay, e chegaram a prejudicar os esforços de combate à crise sanitária.
Isso fez aumentar a importância de fontes seguras de informação entre os chineses.
O estudo destaca o importante papel dos jovens junto às gerações mais velhas, no esclarecimento de notícias falsas sobre a covid-19 e na introdução de serviços digitais a essas gerações durante o confinamento.
7 - Preferência pelo comércio local
Durante os meses de confinamento, houve uma migração importante de consumidores de grandes supermercados e shoppings centers para pequenos comércios locais. O costume de manteve com a normalização do movimento.
Dados reunidos pela iiMedia Research mostram que 50,6% dos consumidores chineses mudaram a sua referência para artigos nacionais em detrimento de produtos importados após a pandemia no país.
Indicam ainda que mais de um terço dos chineses (38,6%) passaram a consumir marcas locais, de acordo com números de varejo das quatro maiores cidades do país, pela preferência a itens produzidos e vendidos por pequenos comerciantes. Antes, apenas 19% preferiam o comércio local, diz a pesquisa
8 - Nada de dinheiro em espécie
Não é difícil imaginar que que as empresas financeiras que oferecem formas de pagamentos sem contato vão encontrar um cenário mais amigável entre os potenciais consumidores no mundo pós pandemia, não é mesmo?
A China já ia nesse sentido antes da pandemia, sendo considerada por especialista como a primeira sociedade "sem dinheiro em espécie" do mundo, com 850 milhões de usuários ativos de mobile payment no país, segundo dados do banco central chinês.
Com a crise, a China decidiu dar um novo passo e anunciou a criação da primeira criptomoeda soberana, o Renminbi digital. A moeda digital com lastro na moeda oficial do país está em fase de testes em zonas rurais e para o pagamento de funcionários públicos. Sua utilização é possível por aproximação de celulares, mesmo que estes não estejam conectados à internet.
9 - Eles já não são os mesmos
Resistentes e conservadores, os "late adopters" foram praticamente obrigados a fazer compras pela internet durante o confinamento. Após o fim das restrições de circulação, no entanto, 85% deles passaram a considerar como adequadas ou muito boas suas experiências digitais e 73% dizem que vão continuar usando. Os motivos variam entre segurança pelo distanciamento, economia e comodidade.
A inovasia destaca que só a população de idosos da China é maior do que todos os habitantes do Brasil. São mais de 250 milhões de pessoas acima de 60 anos que, nas cidades, ganham US$ 5,8 mil por ano, em média, uma grande oportunidade para os canais online.
10 - Tudo certo, mas nada prometido
Por fim, a Inovasia mostra que, apesar de o consumo na China ter voltado rapidamente após o período de quarentena, impulsionado por meses de demanda reprimida, o futuro ainda é incerto. Sobretudo no que diz respeito à manutenção do emprego e da renda da população.
Num primeiro momento, a disposição para gastar foi grande. Um exemplo citado pela consultoria foi a reabertura, em abril, da loja Hermès, na cidade de Guangdong, que vendeu US$ 2,4 milhões em um dia, o melhor resultado da sua história.
Por outro lado, há uma parcela considerável da população que foi atingida mais duramente pela desaceleração econômica que fechou vagas e empresas, aumentando o grau de incerteza. Um exemplo são os financiamentos de imóveis, que registraram 60% de desistência durante a pandemia, diz o estudo.
O novo comportamento do consumidor já reflete maior cautela com a administração de sua renda, diz também a McKinsey em estudo citado pela Eurasia. A consultoria indica que, depois da pandemia, cerca de 41% dos entrevistados na China planejam aumentar suas fontes de renda através da gestão de riqueza, investimentos e compra de produtos financeiros. Além disso, cerca de 27% indicaram que vão comprar seguro de saúde para si e para sua família.