Marketing

O mercado emerge

Como surgiu no Brasil a moderna sociedade de consumo

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h54.

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    Em 1967, ano em que EXAME começou a circular, o figurino da moda para os homens incluía costeletas e terninhos de Tergal, aquele que "não amarrota nem perde o vinco". As mulheres ainda compravam tecidos para costurar suas roupas. A trilha sonora que embalava os jovens dividia os gostos entre as ingênuas canções de Roberto Carlos e a jovem guarda e os acordes dissonantes de Alegria, Alegria, que Caetano Veloso gravara naquele ano. Unanimidade, só o Spika -- o primeiro rádio transistor portátil -- grudado na orelha. Foi também em 1967 que abriram em São Paulo as portas e as garagens de uma novidade arquitetônica e mercadológica: o primeiro shopping center do país, o Iguatemi, erguido na rua de mesmo nome que se transformaria, mais tarde, na avenida Faria Lima, em São Paulo.

    Caravanas de curiosos o visitavam, mas no princípio os lojistas pouco vendiam. Chegou-se a imaginar que o novo formato de varejo jamais vingaria com aqueles consumidores habituados a freqüentar estabelecimentos tradicionais no centro da cidade: Pirani, Mappin, Isnard, Ducal. Nenhum deles resistiu à prova do tempo. Mas o shopping center estaria destinado a prosperar e a se multiplicar como templo de consumo da emergente classe média que crescia com o país. Mais de duas centenas deles operam hoje de norte a sul. As 37 000 lojas que abrigam faturaram 25,3 bilhões de reais no ano passado -- o equivalente a 15% das vendas do varejo nacional.

    "O shopping center foi o vetor de expansão do varejo", afirma o consultor paulistano Tadeu Masano. "Com base numa estrutura de espaço mais racional, custos menores e maiores volumes de negócios, as grandes redes plantaram nele suas âncoras para se expandir nos mercados regionais." Cada nova marca de franquia surgida no Brasil a partir dos anos 70 buscou seu ninho num shopping. Há hoje mais de 550 delas. Os centros de compras se consolidaram como palco fundamental da cultura de consumo. Passaram a concentrar também as atividades de lazer. Por exemplo: os cinemas agonizaram nos bairros para renascer nos shoppings. O número de salas mais do que triplicou nos anos 90. E das atuais 1 300, mais de 80% ali operam, a maioria no formato multiplex introduzido por cadeias americanas.

    Dos quatro "Ps" do marketing, o ponto-de-venda é o que mais visivelmente simboliza as mudanças vertiginosas ocorridas nas últimas três décadas e meia. Evoluímos das mercearias e vendinhas com cadernetas para diversificadas lojas de auto-serviço -- mais de 60 000 supermercados e hipermercados movimentaram 79,2 bilhões de reais no ano passado, segundo levantamento da revista Supermercado Moderno. Para cá migraram as grandes redes internacionais, como a francesa Carrefour, a americana Wal-Mart, a holandesa Royal Ahold e a portuguesa Sonae. Seguindo uma tendência internacional, esse setor está em pleno processo de concentração.

    As cinco maiores redes hoje respondem por cerca de 40% das vendas nacionais e vivem um clima de hipercompetição por preços baixos. Uma tendência mais recente, que ganhou força com a estabilidade econômica, é a proliferação de redes ou mesmo shoppings especializados na clientela de baixa renda. Tornou-se um negócio tão atraente que um fundo do Bank of America está implantando mais de uma centena de lojas para a classe D na periferia de São Paulo. É apenas um exemplo de democratização do consumo que contrasta com o elitismo da segunda metade dos anos 60, quando comprar um automóvel, um aparelho de TV ou possuir uma linha telefônica era garantia de status.

    Impulsionado pela oferta de crédito, o mercado de bens de consumo deslancharia a partir do fim da década de 60. Os estrategistas de marketing demorariam para ser colocados à prova. Era uma época em que o produto estava no epicentro dos negócios. O grau de competição era baixo. O importante era garantir o abastecimento para uma classe média ávida por novos modelos de automóveis e de eletrodomésticos. Outra alavanca importante para expandir as vendas foi a publicidade. À medida que os aparelhos de TV chegavam aos lares brasileiros (o número de receptores atingiu 4,5 milhões nos anos 70, quase sete vezes superior ao da década anterior), a fatia do veículo no bolo da propaganda aumentava. Saltou de 27% para 40% nos anos 70.

    O governo militar investia nas telecomunicações. Em 1971, uma transmissão em cadeia nacional da Festa da Uva, em Caxias do Sul, coloria pela primeira vez as telinhas. Telenovelas e propaganda -- outro P do marketing -- alimentavam os sonhos de consumo. Foi nessa época que a publicidade brasileira ensaiou os passos decisivos que lhe garantiriam atravessar o século reconhecida como a terceira força criativa do planeta. Surgiram campanhas e personagens memoráveis, como o Teobaldo da Antarctica, o casal do Itaú, o Fernandinho da US Top e o garoto da Bombril -- o personagem mais longevo da propaganda mundial. Desde que o Brasil estreou, em 1971, no Festival de Cannes, o principal evento publicitário do mundo, e faturou três leões, a cada ano a delegação brasileira destaca-se entre as mais numerosas. Ganhar leões em Cannes é até hoje aval de reputação no mercado, tanto para as agências conquistarem contas como para os publicitários aumentarem seus ganhos.

    Exceto nos períodos de ciclotimia da economia brasileira, o bolo da propaganda (10,3 bilhões de reais no ano passado, segundo o Projeto Intermeios) cresceu continuamente e deu uma acelerada ao longo dos anos 90, quando os investimentos duplicaram, graças ao boom de consumo que se seguiu ao Plano Real e, mais recentemente, à entrada de novos anunciantes nos setores privatizados, como o de telecomunicações. Vive-se hoje no setor um período de ressaca e de novos desafios. Parte da verba publicitária de marcas tradicionais migrou para as agências especializadas em promoções no ponto-de-venda. Criar campanhas imaginosas já não basta. As agências de publicidade passaram a sofrer concorrência de consultorias e estão sendo convocadas pelos anunciantes a se envolver com estratégias de marketing e de marcas. A dar resultados, enfim. No que diz respeito à remuneração, um desafio importante é a desregulamentação dos honorários das agências.

    Foi também na década de 90 que sua excelência, o consumidor, passou a ocupar o centro do palco. Não apenas por ter conquistado um código de defesa, que obrigou as grandes empresas a investir seriamente em serviços de atendimento aos clientes. Mas também devido à fartura de opções. A abertura do mercado possibilitou o cotejo de qualidade e de preço com os produtos importados. (Em parte, já vinha ocorrendo desde os anos 80, com as viagens ao exterior no roteiro de férias da classe média.)

    Tudo isso -- o advento da concorrência, preços mais estáveis e, portanto, comparáveis --, somado à proteção legal, resultou num consumidor mais rigoroso na avaliação dos produtos e das marcas. Tornou-se imprescindível para os marqueteiros, nessas condições, olhar a clientela com lupa. Muitas estratégias de segmentação vingaram dessa visão. As mulheres, desde sempre influentes nas decisões de compras da família, tornaram-se alvos prioritários. A razão disso foi sua ascensão no mercado de trabalho. Nos anos 90, elas formavam 35,5% da população economicamente ativa -- numa proporção 70% superior à da década de 70. São agora 41,4%. Estima-se que de cada 100 automóveis, quase 40 sejam comprados por mulheres. Imóveis, produtos financeiros, viagens são negócios que dedicam atenção especial ao público feminino. Uma das empresas brasileiras que melhor compreenderam o fenômeno foi a Natura. Seu discurso publicitário, em vez do apelo de beleza, sempre valorizou atributos da individualidade feminina. É hoje uma das rainhas do quinto maior mercado mundial de produtos de perfumaria, higiene pessoal e cosméticos.

    Também as práticas de segmentação geográfica -- envolvendo pesquisas, campanhas regionais e até produtos específicos -- tornaram-se fundamentais nos últimos anos. Não dá mais para enxergar o potencial de consumo nacional com base no eixo São Paulo-Rio de Janeiro-Minas Gerais. A descentralização industrial levou montadoras para o Paraná, o Rio Grande do Sul e a Bahia, por exemplo. A cada ano surgem pólos de consumo nos locais mais surpreendentes das fronteiras agrícolas. Isso exige esforços das indústrias para satisfazer a clientela. Margarinas vendidas no Nordeste contêm mais sal e corante amarelo. Os molhos são tingidos de vermelho e os desodorantes femininos têm fragrâncias suaves. A Unilever lançou com sucesso na região um sabão em pó, com a marca Ala, para consumidores de baixa renda.

    Não foi apenas o mapa do consumo que mudou. O próprio consumo -- isto é, os objetos de desejo dos consumidores -- mudou. E se sofisticou. Para se ter uma idéia da formidável transformação qualitativa, basta observar uma pesquisa recente do IBGE. Foram comparados, no levantamento, os 100 produtos mais vendidos em 1999. Resultado: produtos de praticidade e os de maior grau de industrialização subiram de posição. A maior surpresa foi o crescimento nas vendas de cerveja, que triplicaram para 8 bilhões de litros anuais. De 43o passou para quarto na lista. O suco de laranja saltou da 59a posição para a 17a. O automóvel desponta em primeiro lugar. Alguns produtos que não existiam ou não apareciam na lista de 1979 passaram a ocupar posição de destaque. É o caso dos celulares e microcomputadores, agora com vendas pouco inferiores às de fogão de cozinha. Hoje o principal desafio do pessoal de marketing talvez seja discernir os diferentes mercados que o país abriga e enxergar as oportunidades em cada um. Há, por exemplo, gôndolas com itens de praticidade. São produtos feitos para donas-de-casa que trabalham fora ou os 2,5 milhões de brasileiros que moram sozinhos. Abrangem de fraldas a comida para cachorro, pratos prontos (mais de 200 lançamentos no período), bebidas isotônicas e bolos. E há espaço, muito espaço, para quem quer disputar fatias no mercado emergente da baixa renda.

    P.S.: A fibra sintética Tergal, um dos produtos que acompanharam a trajetória de EXAME, deixará de ser produzida pela Rhodia-Ster no Brasil, o único país que ainda a produz, a partir de 2003.

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