Zona de conforto: viajantes buscam inovação fora, mas evitam o novo em suas próprias cidades. (Cameron Spencer/Getty Images)
CEO do Grupo Clara Resorts
Publicado em 17 de dezembro de 2025 às 11h00.
Este artigo é escrito em um tom bem pessoal e reflexivo. Já de cara, confesso: tenho mania de frequentar os mesmos restaurantes e pedir sempre os mesmos pratos, em São Paulo. Mas quando viajo e saio, digamos, desse “lugar comum”, viro uma exploradora incansável, sempre atrás das últimas novidades gastronômicas. Se isso soa familiar, bem-vindo ao clube dos "turistas domésticos acomodados".
Esse comportamento constitui o grande paradoxo do turista que a antropóloga Margarita Barretto identificou em seu "Manual de Iniciação ao Estudo do Turismo": quer sair do familiar e do cotidiano, mas quando está em casa, busca exatamente o oposto. Quando viajamos, removemos filtros protetores da rotina e nos abrimos naturalmente para experiências novas. Em casa, a zona de conforto nos abraça — e nos aprisiona.
A rotina implica familiaridade e é tranquilizante em grande parte dos casos, explica a psicologia. É um estado mental e emocional em que uma pessoa se sente segura, familiar e confortável, na qual a rotina e a previsibilidade predominam, e em que o risco e o desconhecido são evitados. Nada mais natural do que, após um dia estressante, querermos chegar em casa, tomar um banho e relaxar com a família. O problema? Quando nos acomodamos em nossa zona de conforto, tendemos a evitar desafios e oportunidades de crescimento, o que pode levar à estagnação pessoal e profissional.
Recentemente, fiz um tour gastronômico e hoteleiro por Nova York com minha filha Cris, que trabalha no mítico hotel Waldorf Astoria, em Manhattan. Foi um banho de luxo e, principalmente, de inovação. Entramos no The Office of Mr. Moto cuja entrada, por si só, é bastante peculiar e faz parte da experiência misteriosa do restaurante. Para acessá-lo, os clientes recebem uma carta eletrônica com um código cifrado, que deve ser decifrado para conseguir entrar. Além disso, há um teclado escondido dentro de uma caixa de correio, onde é necessário inserir a resposta correta para liberar o acesso. Valeu a pena tanto mistério? Valeu, a comida é deliciosa. E ao conhecermos hotéis como o Faena e The Manor, o que mais me impressionou não foi o luxo em si, mas a ousadia dos americanos em misturar materiais, cores e texturas sem medo algum.
Estadunidenses dominam, por exemplo, a arte de transformar ambientes diurnos em noturnos em minutos. No Faena Hotel, conforme escurecia, a iluminação e as cores mudavam completamente. Aquele espaço informal de dia virou algo elegante e intimista à noite. Nem parecia o mesmo lugar.
Outra coisa que os americanos fazem brilhantemente: projetar bares cercados de banquetas aconchegantes — algo que ainda não faz parte da nossa cultura, mais voltada à socialização sentada à mesa. É interessante observar como funcionam esses espaços lá fora, o que pode inspirar profissionais brasileiros de design de interiores a criarem ambientes mais inovadores por aqui. A coquetelaria autoral também impressiona, com ingredientes premium e copos inusitados que transformam drinks em experiências multissensoriais.
A neofilia — traço de personalidade de quem é obcecado por novidades — é liberada quando algo novo e interessante está na iminência de acontecer. A dopamina é a substância responsável por isso. No exterior, permitimos que essa dopamina flua livremente. É por essas e outras que as viagens padronizadas perdem espaço para a busca de novas experiências. Nelas, o turista deixa de ser passivo, consumindo o que lhe é vendido de forma pré-determinada, para ser um sujeito ativo, decidindo para onde e como ir. Mas será mesmo que precisamos estar fora de casa para ativar esse modo explorador?
Quando olho as listas anuais de restaurantes premiados em São Paulo, fico envergonhada por não conhecer muitos deles — e olha que sou chef de cozinha. A pergunta que não quer calar: será que lugares famosos lá fora dão errado no Brasil justamente porque aqui queremos conforto, enquanto no exterior buscamos experimentação? Pense no Tony Roma's, rede americana de costelas famosa mundialmente com mais de 150 lojas em 33 países, que chegou ao Brasil em 2014 mas fechou suas unidades paulistas poucos anos depois. E também o Nobu, TGI Fridays, Le Bilboquet…
Isso me fez lembrar uma entrevista que li, de José Clerton. Segundo o doutor em Psicologia pela Universidade de Barcelona, as coisas não devem perdurar, tecnologias devem ser constantemente substituídas. “Para que serve uma economia que opera com ferramentas obsoletas? Tudo deve ser novo e, de preferência, belo", analisa. Paradoxalmente, quando viajamos, incorporamos essa lógica — mas em casa, resistimos a ela.
Há também a questão da reciprocidade cultural: nunca entrei num restaurante brasileiro no exterior. Afinal, não é destinado a nós, turistas brasileiros, mas aos locais que moram naquele país. Da mesma forma, os estabelecimentos mais autênticos da nossa cidade deveriam nos atrair tanto quanto atraem visitantes.
A grande lição dessa reflexão? Quando temos um olhar atento e aberto ao novo, sempre percebemos que podemos melhorar — não só nossos negócios, mas nossas próprias vidas. Conforme ressalta José Clerton, a neofilia pode ser entendida como um afeto que motiva o desejo de conhecer e experimentar o novo. Essa compreensão é fundamental para que possamos desenvolver liberdade e autonomia.
A inovação está em toda parte. Pode vir de qualquer lugar, até mesmo de onde menos esperamos. Juro que até mesmo num posto de gasolina, na beira da Dutra, vi um sanduíche de ovo mexido que, ao adaptá-lo para a rede de hotéis por mim liderada, ficou mais que delicioso! Basta ter curiosidade, humildade para aprender e coragem para adaptar o que funciona lá fora à nossa realidade brasileira, respeitando nossa cultura e o perfil dos nossos clientes.
Também faço questão de ir ao teatro e visitar museus quando viajo. No Brasil, porém, a rotina cansativa me faz ansiar pelo momento de chegar em casa e descansar. É irônico, mas revelador: tratamos nossa própria cidade como se já a conhecêssemos por completo, quando na verdade ela está sempre se reinventando.
Por isso, resolvi estabelecer uma meta para 2026: conhecer um restaurante novo a cada quinze dias e assistir a uma peça de teatro a cada dois meses. Temos que nos aventurar pela nossa própria cidade, pelo nosso país. Deixar a nossa zona de conforto deliberadamente é uma oportunidade de crescimento pessoal. Enquanto você estiver nela, não está aprendendo, nem crescendo. Fazer o que sempre fizemos nos trará apenas o que sempre obtivemos.
O desafio está lançado: vamos ter o gostinho pelo novo não apenas quando estamos fora de nossa zona geográfica de conforto, mas dentro dela também? Não podemos correr o risco de cair no conformismo — e, convenhamos, essa é uma perspectiva bem mais assustadora que qualquer aventura gastronômica ou cultural em nossa própria cidade.
Afinal, ser turista na própria terra não é sinal de desenraizamento. Pelo contrário: é reconhecer que o lugar onde vivemos merece a mesma curiosidade, o mesmo deslumbramento e o mesmo respeito que dedicamos aos destinos distantes. É aceitar que a aventura pode começar na esquina de casa, se tivermos olhos para enxergá-la.