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Gustavo Franco: 'Temas da transição'

Com a esticada no Teto, o espaço orçamentário criado pelo 'cano' nos precatórios e a 'jogada' dos auxílios, o governo parece oficialmente 'apertar os cintos' para a temporada eleitoral

Congresso Nacional, em Brasília: tramitação da PEC dos Precatórios foi um dos grandes temas de atenção em novembro | Foto: Ueslei Marcelino/Reuters (Ueslei Marcelino/Reuters)
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Da Redação

Publicado em 3 de dezembro de 2021 às 07h00.

Por Gustavo Franco*

A chamada PEC dos Precatórios ocupou grande parte das atenções no mês de novembro e foi votada, afinal, na CCJ do Senado no último dia do mês.

Trata-se de peça de fina engenharia política, econômica e legislativa. A repercussão do trâmite tem sido polêmica, no mínimo, em grande medida em razão da ventania da polarização.

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Curiosamente, essa PEC deixou de ser apenas dos precatórios, tantos e tamanhos foram os outros temas que ali se aglomeraram. Hamletianamente, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), durante a votação na CCJ, desabafou: “Algo mais paira no ar que essa confusão esconde”.

Na verdade, há pelo menos dois outros assuntos nessa PEC que assumiram o que o jornalismo contemporâneo designa como o “protagonismo” nesse enredo:

- uma “esticada” no Teto de Gastos; e
- uma “jogada inteligente”, pela qual o novo “Auxílio Brasil” vinha a substituir o já extinto Bolsa Família.

O primeiro assunto já estava sacramentado: a solução encontrada para evitar a colisão com o Teto foi alterar retroativamente sua regra de correção monetária, de modo a ganhar mais um exercício sem que se tenha de atacar os verdadeiros problemas fiscais que geram insustentabilidade do crescimento da despesa pública.

Não era bem uma “pedalada”, talvez apenas uma “esticada”. A nova regra de correção, que não altera o índice, mas apenas o jeito de fazer a conta (numa emenda constitucional!), resulta em criar “espaço fiscal”, sem entrar no pântano do “extra-teto”, que fatalmente desandaria a discussão na direção do caos.

O que se seguiu foi como uma discussão orçamentária “no sótão”, ou seja, um debate sobre a “destinação” do espaço fiscal, ou da folga sob o teto que ali se criava, no plano constitucional. E assim vieram os dispositivos que tratam do “Auxílio Brasil”, mas com a delicadeza de não tratá-lo pelo primeiro nome.

Ainda que tecnicamente razoável, a repercussão dessa solução de “esticar” o Teto (na verdade, prolongar o tempo em que o Teto não seria uma limitação ao Orçamento) foi a pior possível. Muitos não estavam dispostos a enxergar as sutilezas a compor a diferença entre “esticada” e “pedalada”. Os ânimos estão mesmo muito exaltados.

O fato é que o desgaste do governo com a “esticada” foi gigantesco, quase como se fosse uma confissão de que desistiu da disciplina fiscal e que cedia às demandas eleitoreiras dos senhores parlamentares, como seria típico de um “fim de governo”.

Pouco importa que não seja bem isso e que o Ministério da Economia tenha conseguido uma solução bem melhor que a que se desenhava. Claro que podia ter sido bem pior, do ponto de vista da responsabilidade fiscal. Sempre pode ser pior. Mas isso não quer dizer que a solução encontrada tenha sido boa. A percepção dominante foi a de que não foi. Esperava-se mais do ministro da Economia, a julgar pelas suas declarações ambiciosas.

Reforçando essa impressão de fim de governo e de abertura oficial da temporada eleitoral, veio o segundo assunto acima destacado, a jogada inteligente pela qual o Bolsa Família desaparece para dar lugar ao Auxílio Brasil, sem que o tema seja discutido nesses termos.

De uma só tacada, o governo se apropriou de um grande ativo eleitoral do PT, o Bolsa Família agora renomeado Auxílio Brasil, aproveitando a imensa repercussão dos Auxílios Emergenciais a 600 reais nos últimos meses de 2020, e adicionalmente transformou a votação da PEC dos Precatórios num voto (de homologação) sobre os auxílios de 400 reais.

Com isso, o governo praticamente garantiu a aprovação da PEC mesmo com todas as objeções que levantou, e todos os seus jabutis. Ficou célebre a divisão do PDT, bem como de outros partidos de esquerda nesse assunto, pois muitos de seus parlamentares votaram a favor da PEC (na Câmara). Nenhum parlamentar, mesmo os de oposição, teria como votar contra um Bolsa Família turbinado.

Assim sendo, com a “esticada” no Teto, o espaço orçamentário criado pelo “cano” nos precatórios (que acabou virando o assunto menos interessante da PEC) e a “jogada” dos auxílios, o governo parece oficialmente “apertar os cintos” para a temporada eleitoral.

As pesquisas eleitorais começaram a funcionar como o principal “indicador antecedente” para o futuro da economia, com os mercados reagindo a cada nuance da corrida presidencial. Lula parece liderar com folga, com Bolsonaro ainda bem vivo logo atrás. Sergio Moro foi a novidade do mês, entrando na corrida numa posição bem melhor do que os especialistas antecipavam.

Numa mesma semana, a senadora Gleisi Hoffman o designou como “agente da CIA”, e o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o chamou de “comunista”, o que apenas revela o tanto que o novo candidato incomoda os extremos. As prévias do PSDB fracassaram em definir uma opção forte de “terceira via”. Segue o jogo.

Diante das emoções de uma eleição tão disputada, os temas econômicos parecem ficar mais rarefeitos no noticiário, mesmo com números ruins para a inflação e para o desemprego. Muitos acreditavam que o pior nesses dois assuntos já estava passando, mas, infelizmente, não é possível ter clareza sobre isso neste momento.

Os números da atividade econômica têm sido muito afetados pelas hesitações na reabertura da economia pós-pandemia. Havia certa vitalidade nesses números, e certo otimismo, ainda não confirmados, quando explodiu a notícia sobre a variante Ômicron.

No Hemisfério Norte, a notícia veio mais ou menos na mesma época em que, no ano passado, surgiu a novidade da variante Delta, bem no começo do inverno. Muito se discute se a Ômicron será mais séria que a Delta, considerando a cobertura vacinal já alcançada e tudo o que se aprendeu sobre o combate à COVID-19. É cedo para dizer.

Para o Brasil, a notícia da Ômicron aparece bem no momento em que a reabertura e a recuperação da economia pareciam encomendadas. Medidas restritivas (a viagens e a eventos) parecem pipocar de forma ad hoc, como primeiras reações, e será preciso aguardar mais informações concretas sobre a nova variante.

A inflação tem se mostrado bem mais difusa do que se esperava, em vista de suas origens pelo lado da oferta. Parece haver pouca dúvida de que o Banco Central do Brasil (BCB) ficou behind the curve, ou que demorou a agir. Mas pode ser apenas uma impressão decorrente do fato de que muitos observadores não se aperceberam que, desta vez, os dirigentes do BCB não vão deixar seus postos no final desta presidência.

É a primeira vez que o Brasil experimenta uma transição política com o BCB “independente” ou, mais precisamente, com os dirigentes do BCB no exercício de mandatos não coincidentes com o do presidente da República, e que vão permanecer em suas cadeiras até dois anos dentro da próxima presidência.

Em que exatamente o novo regime altera genericamente o comportamento do BCB durante uma transição política? E mais especificamente nesta transição, que começa com uma tendência de aceleração da inflação um tanto mais séria do que se imaginava?

Aceita-se, sem maiores explicações, que as transições deverão ser menos complexas, do ponto de vista dos mercados financeiros, se os dirigentes do BCB não serão trocados imediatamente e de acordo com o resultado da eleição.

Mas e a situação que se apresenta nesse momento? Será verdade que as falas de Roberto Campos Neto se tornarão, progressivamente, mais importantes que as do ministro?

Vale pensar numa questão eminentemente técnica, o funcionamento da famosa “regra de Taylor” ou, mais especificamente, a reação do Copom diante da ameaça inflacionária que se apresenta. O que muda?

É preciso lembrar que o conceito de “juro neutro” depende em boa medida de uma escolha da Autoridade Monetária quanto ao horizonte de tempo ao cabo do qual se espera que a inflação complete a sua convergência para a meta. A “escolha” da Autoridade é, na verdade, meio vaga, podendo ser o próximo “ano calendário”, ou o seguinte, dependendo da situação. Horizontes flexíveis e movimentos nos juros sempre “parcelados” minimizam a ocorrência de erros.

Não deve haver dúvida de que o novo regime de mandatos dos dirigentes do BCB funciona como um “alongamento” de horizontes: neste momento, há menos razão para imaginar que o BCB tenha que mirar no ano calendário 2022, e mesmo 2023. Os atuais dirigentes do BCB poderão tranquilamente convergir para a meta já bem dentro da próxima presidência. A conjectura seria, portanto, a de que os mandatos reduzem a proatividade da política monetária, na medida em que funciona como um “alongamento” de horizontes.

O tempo dirá.

*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de dezembro, relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.

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