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Relatório IPCC sobre aquecimento global: será que agora a ficha vai cair?

O mundo se vê diante de uma catástrofe. Uma coordenação sem precedentes entre governos, setor produtivo e a população é crucial para evitá-la. E o tempo está acabando

No caso de derretimento das calotas polares, o nível dos oceanos pode subir mais de 60 metros (Jose Javier Ballester legua/Getty Images)

No caso de derretimento das calotas polares, o nível dos oceanos pode subir mais de 60 metros (Jose Javier Ballester legua/Getty Images)

RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 10 de agosto de 2021 às 07h02.

Última atualização em 5 de novembro de 2021 às 13h36.

O relatório produzido pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado na segunda-feira, 9, surpreendeu todo mundo. Os números divulgados mostram um planeta perigosamente próximo do ponto de inflexão climático, um patamar científico que estabelece o momento em que o aumento da temperatura global provoca mudanças permanentes nos ecossistemas.

As chances dessa barreira ser ultrapassada em algum dos próximos cinco anos é de 40%, de acordo com o relatório. Há motivo para preocupação? “Já estamos observando os efeitos do aquecimento global, que ficam piores a cada pequeno aumento nas temperaturas”, afirmou Ed Hawkins, um dos atores do estudo.

Desde o final do século 19, a temperatura subiu entre 0,25°C e 1,2°C. O ponto de inflexão foi estabelecido em 1,5°C. Para o aquecimento global ficar abaixo desse patamar será necessário zerar as emissões de gases de efeito estufa o mais rápido possível, e até 2050, aponta o relatório.

Ultrapassar essa barreira, mesmo que por pouco, significa uma catástrofe. Segundo o IPCC, no cenário de baixa emissão, a temperatura deve se elevar até 1,6°C e o nível dos oceanos, 35 centímetros. No cenário de alta emissão, a temperatura sobe 3°C e o nível dos oceanos, 1 metro. No caso de derretimento das calotas polares, o nível dos oceanos pode subir mais de 60 metros, o suficiente para colocar embaixo d'água boa parte da humanidade.

Líderes repercutem relatório

A relevância do tema foi destacada por diversos líderes globais. Para o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, a humanidade está em código vermelho. "Esse relatório precisa soar como uma sentença de morte para carvão mineral e combustíveis fósseis antes que eles destruam o nosso planeta", disse o secretário.

John Kerry, o czar do clima do governo Biden, alertou para as consequências do aquecimento global. "Os impactos da crise climática, como calor extremo, incêndios, chuva intensa e enchentes só vão continuar a se intensificar a não ser que a gente escolha um outro caminho para nós e para as próximas gerações, afirmou.

A vice-presidente Kamala Harris também se manifestou. “O relatório reafirma que as mudanças climáticas são uma ameaça ao nosso planeta”, disse Harris, no Twitter. “Nossa administração está mobilizada para debelar essa crise. Precisamos agir agora.”

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Já a ativista Greta Thunberg clamou por pressão intensa da sociedade sobre governos e empresas. Bem ao seu estilo, disse que pretende comparecer à COP26, conferência do clima da ONU, que acontece na cidade de Glasgow, Escócia, em novembro.

"Eu espero que o relatório possa ser um grito para que as pessoas despertem, de todas as maneiras possíveis”, disse Thunberg. “O que será preciso para que as pessoas no poder comecem a agir? O que eles estão esperando?”

Todas as esperanças na COP26

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, também ressaltou a necessidade de eliminar o carvão como fonte de energia. "Nós sabemos o que precisa ser feito para limitar o aquecimento global, deixar o carvão mineral para a história e fazer a mudança para fontes limpas de energia”, afirmou. Johnson, antes um cético, agora aposta todas as fichas na questão climática para deixar um legado de seu governo. Ele tem dado a entender que não poupará esforças para que a COP26 seja um sucesso.

A oportunidade de deixar uma boa impressão, de fato, é gigantesca. A COP26 está sendo encarada como a conferência climática mais importante desde a de 2012, na França, quando se estabeleceu as bases para a assinatura do Acordo de Paris. Para isso, é preciso que as negociações em torno dos temas que faltam finalizar no acordo, em especial o artigo 6, que trata da criação de um mercado de carbono global, sejam bem-sucedidas.

Em visita ao Brasil na semana passada, o presidente da COP26, Alok Sharma, que tem status de ministro, destacou o compromisso feito pelo Brasil de alcançar a neutralidade em carbono até 2050. Ele também se reuniu com uma série de companhias, entre elas as gigantes do setor de alimentos e bebidas Ambev, BRF e JBS; a Klabin, de papel e celulose; a indústria de moda Malwee; o Banco do Brasil; a fabricante de cosméticos Natura; as empresas de transportes Movida e Azul; entre outras.

O grupo Empresas pelo Clima, organizado pelo Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), entregou uma carta à Sharma para demonstrar o comprometimento do setor privado brasileiro com a redução das emissões. O grupo reúne os CEOs de mais de 80 grandes companhias, que representam 45% do PIB brasileiro. Sharma ficou empolgado. “Vocês são meus heróis do clima”, afirmou o presidente da COP no encerramento de sua participação.

Relatório aumenta pressão sobre o Brasil

Com a divulgação do novo relatório climático do IPCC, o Brasil deverá sofrer mais pressão para reduzir o desmatamento da Amazônia. “Os resultados do IPCC implicam que a redução drástica do desmatamento na Amazônia será um elemento essencial da conta da estabilização do clima nos próximos anos”, afirma Marcio Astrini, secretário-executivo do OC.

Algumas empresas brasileiras vieram a público para comentar o relatório do IPCC. Os frigoríficos Marfrig e JBS ressaltaram, em nota, que estão comprometidos com o desmatamento zero e a neutralidade em carbono. Ambev, Natura e Suzano também destacaram a importância do relatório – as três também se comprometeram em ser carbono zero num futuro próximo.

Por esses e outros motivos, o governo brasileiro não poderia ter escolhido uma data pior para publicar, no Diário Oficial da União, as diretrizes do Programa Para Uso Sustentável do Carvão Mineral Nacional, iniciativa do ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque.

Divergências na comunidade científica

Uma coisa é certa sobre o relatório: ele é conclusivo. Para entender o motivo, é preciso compreender o que é o IPCC.

Em 1988, no âmbito da ONU, 195 governos chegaram à conclusão que precisavam de uma fonte confiável de informações sobre as mudanças climáticas. Sua primeira tarefa foi preparar um relatório abrangente sobre o que se sabia, até então, a respeito do assunto, e recomendar algumas ações.

Desde então, o IPCC reúne, a cada seis anos, absolutamente toda a literatura científica existente no campo do clima e publica um documento que apresenta o consenso global a respeito dos efeitos da ação humana no aquecimento global.

Há divergência na comunidade científica sobre o aquecimento global? “Não existe divergência. Há uma produção científica extensa a respeito”, afirmou a pesquisadora brasileira Thelma Krug, uma das cinco vice-presidentes do IPCC, em entrevista à EXAME em fevereiro. “Desde a criação do IPCC, em 1988, a produção de relatórios é sistemática. Nosso trabalho é avaliar todas as publicações científicas sobre mudanças climáticas com base em três aspectos: clima, adaptação e mitigação. A cada seis anos é publicado um relatório de 5.000 páginas. E os governos-membros, que são 195, podem solicitar relatórios específicos.”

Se o IPCC diz que a temperatura está subindo, é porque está.

 

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