Exame logo 55 anos
Remy Sharp
Acompanhe:

Como investir com crise e inflação? O desafio da classe C

Crise provocada pela pandemia e pelas incertezas políticas e fiscais impactou a renda dos brasileiros, que também é afetada pela alta acentuada dos preços

Modo escuro

Investir pode até ter saído das prioridades da classe C, mas os investimentos continuam no radar | Foto: flytosky11/Thinkstock (flytosky11/Thinkstock)

Investir pode até ter saído das prioridades da classe C, mas os investimentos continuam no radar | Foto: flytosky11/Thinkstock (flytosky11/Thinkstock)

B
Beatriz Quesada

Publicado em 29 de novembro de 2021 às, 06h05.

Última atualização em 29 de novembro de 2021 às, 08h26.

Quando a crise econômica bate à porta, investimentos muitas vezes são deixados de lado na lista de prioridades dos brasileiros. “A situação em casa apertou na pandemia e precisei usar o dinheiro das aplicações. Resgatei no ano passado e não investi mais”, conta a professora Rita Sabino, 41, que costumava aplicar nos tradicionais CDBs, os Certificados de Depósito Bancário. Ela faz parte da fatia de 23% de brasileiros da classe C que deixaram de investir em 2020. 

Uma pesquisa anual realizada pela Anbima, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, em parceria com o Datafolha, revelou que o número de investidores caiu pela primeira vez desde que o levantamento começou a ser feito, quatro anos antes. Em 2020, a taxa total de investidores brasileiros caiu de 44% para 39%. Quem puxou a queda foi justamente a classe C, já que nas classes A e B o número de investidores cresceu.

O levantamento mostrou que, entre as pessoas entrevistadas da classe C, 40% diziam ser investidoras em 2019; já em 2020 esse percentual caiu para 30%. Dos que pertencem à classe A, 71% disseram se considerar investidores, ante 61% em 2019. A classe B se manteve estável, dentro da margem de erro, com ligeiro aumento de 1,9 ponto percentual, para 54%. Com isso, o total de investidores na população brasileira caiu de 44% para 39%.

"Foi a primeira vez que houve uma tendência diferente entre as classes sociais, tanto é que o mercado fechou em alta em 2020 enquanto o número de investidores da classe C caiu”, destacou Marcelo Billi, superintendente de educação de investidores da Anbima. Apesar da crise provocada pela pandemia de Covid, o Ibovespa, principal índice da bolsa brasileira, se recuperou parcialmente do baque e encerrou o ano passado no azul, subindo 2,92%. 

As classes de renda mais alta conseguiram manter a renda preservada e decidiram colocar o dinheiro extra justamente em investimentos. A Anbima definiu esse fenômeno como “poupança involuntária”: presos em casa por causa do isolamento social, esses investidores tiveram menos gastos em serviços, abrindo espaço para engordar as aplicações financeiras. A classe C, por outro lado, foi a mais impactada pela queda da renda no período, que caiu para 58% do grupo, afetando diretamente os recursos que antes podiam parar nas carteiras de investimento.

Foi o que aconteceu com a analista de comunicação Aline Naomi, 26. Recém-formada, Aline passou três meses desempregada entre o final de 2020 e início de 2021, período suficiente para zerar a reserva de emergência e gastar todo o dinheiro acumulado em fundos de investimento.

Vale lembrar que a taxa de desemprego no Brasil atualmente é a mais alta no grupo das 20 maiores economias do mundo e supera em mais de duas vezes a média mundial, segundo estudo da agência de classificação de risco Austin Rating. 

Aline escapou da estatística e conseguiu um novo emprego, mas não voltou a investir na antiga corretora. Isso porque o custo de vida subiu de forma acelerada neste ano. O IPCA, índice oficial da inflação no Brasil, avançou 10,67% nos últimos 12 meses até outubro e teve a gasolina, o tomate e a energia elétrica – componentes básicos de transporte, alimentação e moradia, respectivamente – como alguns de seus principais vilões. “Não tem sobrado nada para investir”, diz.

Quando se trata de inflação, as perspectivas para o futuro continuam turbulentas. Economistas ouvidos pelo Banco Central regularmente para o boletim Focus aumentaram pela 33ª semana seguida as suas projeções para o IPCA, índice oficial de inflação no Brasil, que deve fechar 2021 na casa dos dois dígitos, em 10,21%. A estimativa para o índice em 2022 também subiu de 4,79% para 4,96% – o 18º aumento seguido. 

Vale dizer que a situação pode ficar ainda mais desafiadora com a desaceleração do crescimento do país. A expectativa é a de que o Produto Interno Bruto (PIB) cresça apenas 0,7% no ano que vem, e alguns bancos, como o Itaú Unibanco, já preveem um 2022 de recessão para o Brasil. Tudo isso em um ano de eleição, que deve aumentar ainda mais a sensação de instabilidade.

Diante de tanta incerteza, a tendência é que muitos brasileiros corram para os braços dos chamados ativos reais – como casa e carro –, deixando de lado os financeiros, como títulos do Tesouro Direto, fundos de investimento e ações.

“A inflação e outras fontes de incerteza levam a um comportamento mais precaucional, com fuga para ativos reais. Pode ser um imóvel, um automóvel ou até mesmo eletrodomésticos como uma geladeira ou fogão”, afirma Marcelo Neri, diretor da FGV Social e um dos maiores estudiosos em políticas sociais do país.

Aprenda como investir seu dinheiro para realizar o sonho da casa própria! Comece agora

Hora de deixar de investir?

Mas, apesar de o ato de investir ter saído das prioridades da classe C neste momento por causa das dificuldades econômicas, esse comportamento continua no radar. Rita, por exemplo, considera que investir é importante – “principalmente para emergências” – e planeja retomar as aplicações. Porém, como não há previsão de quando isso deve acontecer, o pouco que sobra do salário acaba ficando na conta corrente. “Esqueço até de colocar na poupança”, diz. O resultado é um dinheiro que não rende e que acaba ficando à mão, disponível para gastos.

“Poupar e investir são exercícios que precisam ser feitos constantemente. Se isso não acontece, o dinheiro acaba sendo gasto com consumo mesmo quando a renda aumenta”, explica Dina Prates, consultora e educadora financeira. 

A dica é começar com o mínimo possível, colocando moedas no cofrinho e juntando quantias tão baixas quanto um troco de bar. “Se hoje você ainda não consegue investir, será que é possível guardar 5 reais, ou mesmo 1 real por mês, só para manter o hábito? É um passo para buscar a reorganização financeira e estabelecer um planejamento”, afirma Prates.

Muitos bancos também oferecem opções de investimento acessíveis com poucos cliques dentro de seus aplicativos, como é o caso dos digitais BTG+ e Inter, ou mesmo de grandes bancos Bradesco e Itaú. Juntando 30 reais na conta, já é possível investir em títulos do Tesouro Direto, por exemplo. No caso dos fundos de investimento, o valor de entrada pode ser ainda mais baixo: muitos podem ser acessados com apenas 1 real.

Outra ferramenta interessante é deixar parte do dinheiro “indisponível”. O app do Nubank, por exemplo, oferece a opção “guardar dinheiro”, que separa o patrimônio apenas na visualização da conta. Ou seja, o dinheiro continua no mesmo lugar, mas o saldo guardado fica bloqueado, ajudando o cliente a persistir no hábito de poupar.

Para dar um impulso extra aos ganhos, a educadora recomenda manter o dinheiro em contas digitais sem custos, como a do PagBank, que rende 100% do CDI (acima do que é pago pela poupança) e tem a opção de cobertura do FGC, o Fundo Garantidor de Crédito. Ele protege até 250 mil reais por CPF ou CNPJ.

“É preciso começar a planejar o futuro, mesmo que agora a situação esteja mais difícil. Não podemos esperar o dinheiro sobrar, porque nunca vai sobrar. A saída é se antecipar com planejamento e organização”, diz a educadora.

Como as instituições podem ajudar

Corretoras e bancos têm se movimentado para atender os investidores das classes mais baixas, que hoje podem acessar diversos produtos, de Tesouro Direto a bitcoin, com valores cada vez mais acessíveis. Mas o acesso de nada funciona se o investidor não entender os riscos e os benefícios de cada produto. Nessa hora entra a educação financeira.

Existem diversos cursos e ferramentas disponíveis no mercado, alguns, inclusive, disponibilizados gratuitamente pela B3 Educação e pela CVM Educacional. Para Marcelo Billi, da Anbima, as iniciativas são bem-vindas, mas não basta ensinar os conceitos técnicos: é preciso mudar a forma como o mercado se comunica com o investidor.

“Entrevistamos uma senhora que não conhecia a expressão ‘valores mobiliários’. Ela confundiu com ‘imóvel’ e estava certa de que poderia perder a própria casa se investisse”, lembra o superintendente. A entrevista fez parte de um estudo sobre a jornada de investimentos em fundos, publicado em 2019. A pesquisa concluiu que é necessário implementar uma mudança na comunicação dos produtos para deixar o processo de investir mais agradável e simples.

Uma das estratégias sugeridas é observar o que tem dado certo para influenciadores que conversam com investidores de baixa renda. Alguns dos mais famosos são Nathália Rodrigues, a Nath Finanças, e Murilo Duarte, do canal Favelado Investidor

“Existem produtores de conteúdo que falam com as classes C, D e E de um jeito direto e didático que deixa as pessoas seguras para investir. As instituições precisam se apropriar dessa linguagem e aplicar isso em suas iniciativas”, diz Billi.

A responsabilidade da mudança, portanto, não deve ficar apenas com o investidor. Cabe às instituições pensar em soluções de comunicação e educação financeira para tentar reverter o quadro econômico que está afastando os poupadores de baixa renda do mundo dos investimentos.  

A educação financeira é importante também para mitigar o impacto negativo de algumas influências na internet que prometem enriquecimento rápido com esquemas miraculosos – e falsos. No final do dia, a fórmula é a mesma para qualquer investidor, do mais rico ao mais pobre: criar o hábito de poupar, manter a frequência em investir e aprender a identificar quais são as melhores opções de investimento para seu perfil e objetivo.  

Últimas Notícias

ver mais
Tesouro Direto tem recorde de novos investidores ativos
seloOnde Investir

Tesouro Direto tem recorde de novos investidores ativos

Há 18 horas
Rali de fim de ano do Ibovespa? Veja como buscar 1 ano de ganhos em 3 meses
seloOnde Investir

Rali de fim de ano do Ibovespa? Veja como buscar 1 ano de ganhos em 3 meses

Há 18 horas
Copom baixa juros, mas títulos premium garantem rendimento de até 2% ao mês
seloOnde Investir

Copom baixa juros, mas títulos premium garantem rendimento de até 2% ao mês

Há um dia
Bradesco BBI tira recomendação de ‘venda’ para o Nubank pela primeira vez
seloOnde Investir

Bradesco BBI tira recomendação de ‘venda’ para o Nubank pela primeira vez

Há um dia
icon

Branded contents

ver mais

Conteúdos de marca produzidos pelo time de EXAME Solutions

Exame.com

Acompanhe as últimas notícias e atualizações, aqui na Exame.

leia mais