O guia para investir na renda fixa em tempos de juros e inflação altos
A EXAME ouviu especialistas e reuniu as principais recomendações para o investidor montar uma carteira de renda fixa, considerando os riscos para a inflação e os juros
Bianca Alvarenga
Publicado em 29 de agosto de 2022 às 06h03.
Dois dígitos na taxa básica de juros e dois dígitos na inflação: esse é o cenário-base da renda fixa no Brasil, atualmente. Mas se engana quem imagina que Selic e IPCA elevados são sinônimo de sombra e água fresca para o investidor. Quem tem dinheiro aplicado em títulos prefixados e pós-fixados sabe que volatilidade foi a palavra de ordem, nos últimos meses.
A incerteza quanto à duração da inflação, alimentada pelos fatores de riscos globais, como a guerra na Ucrânia, moldou a curva de juros de diferentes formas. Para completar, a disputa pela cadeira presidencial segue em campo polarizado no Brasil, e com propostas que não permitem saber, ainda, se o próximo chefe do Executivo assumirá um compromisso de responsabilidade com o orçamento federal. Isso significou, para o caso de títulos de renda fixa com vencimentos mais longos, a perda de valor, mesmo com os indexadores de inflação e juros nas alturas.
Embora as questões externas não estejam resolvidas, e ainda que o desfecho das eleições no Brasil só seja conhecido em outubro, a recente trégua da inflação acomodou as curvas de juros e deu algum refresco para a renda fixa. Com os índices de preços no negativo em julho ( e caminhando na mesma direção em agosto ), o mercado ficou mais confiante de que o ciclo de alta da Selic está perto do fim. A aposta, agora, é que taxa estacionará perto do nível atual, em 13,75% ao ano.
Daqui pra frente, o rumo dos indicadores econômicos e o desempenho dos títulos de renda fixa vão depender, essencialmente, das variáveis aqui postas. Para que o investidor possa entender o cenário e tomar decisões que ajudem a administrar a própria carteira, a EXAME Invest ouviu especialistas e elaborou um guia de investimentos em renda fixa para os próximos meses.
Títulos públicos
Os títulos públicos são uma das mais acessíveis vitrines do vai-e-vem da rentabilidade da renda fixa. Por ter títulos pós e pré-fixados, com prazos curtos, médios e longos, e indexados ao IPCA e à Selic, o Tesouro Direto é um termômetro completo das percepções do mercado.
Até mês passado, quando o corte nos impostos dos combustíveis prenunciou a queda da inflação, a aposta dos investidores era que os juros e os índices de preços ainda poderiam surpreender positivamente. Tal aposta se traduziu em rendimento negativo acumulado desde janeiro em 11 dos 26 títulos do Tesouro, no final de julho.
Um mês depois, o cenário é outro: apenas 4 títulos ainda seguem no vermelho, e todos têm vencimento acima de 8 anos. Os "lanterninhas" são três títulos indexados ao IPCA, e um prefixado.
"As NTN-B [títulos do Tesouro IPCA+] protegem o investidor da inflação, mas no curto prazo são títulos mais voláteis, porque têm o componente prefixado", lembrou Odilon Costa,analista de renda fixa e crédito privado do BTG Pactual (do mesmo grupo controlador da EXAME ). Cabe observar que todo título de inflação tem a rentabilidade calculada por uma taxa fixa + o valor do IPCA no período.
A parte prefixada do título é justamente a vilã da história. Antes de os indicadores de preços migrarem para o campo da deflação, mesmo com o avanço do IPCA, as NTN-B seguiam perdendo valor. Isso acontecia porque, embora o indexador estivesse em alta, o outro componente do rendimento (a taxa) estava também subindo. Na prática, os investidores que compraram esse mesmo título em meses anteriores estavam perdendo dinheiro, pois o rendimento do papel, em preços atuais, era maior. Trata-se, aqui, da chamada marcação a mercado.
Agora, com a trégua na inflação e as expectativas de juros estáveis, o componente prefixado passou a cair, o que "normalizou" o rendimento do Tesouro Direto. No entanto, os fatores de risco continuam no radar e podem mexer com as taxas novamente, ao longo dos próximos meses.
Por isso, a recomendação do BTG Pactual tem sido a de recomendar a alocação em títulos pós-fixados, preferencialmente os de inflação, e com duration (prazo para que o investimento atinja o rendimento-alvo) de 4 a 5 anos. Segundo Costa, os ganhos com os títulos atrelados ao CDI já estão precificados na curva, e os papeis prefixados seguem voláteis.
"Embora haja perspectiva de estabilidade da Selic no curto prazo, o mercado está reprecificando os juros para cima nos próximos dois anos", alertou o analista do BTG.
A visão de cautela para os títulos prefixados também é corroborada pelo Itaú BBA. Em relatório, o analista Lucas Queiroz lembrou que a crise de energia na China e Europa está trazendo mais incerteza sobre o rumo da inflação global, e que, por isso, as taxas dos prefixados voltaram a subir. A visão aqui é que, embora a Selic esteja em perspectiva estável agora, um repique nos preços de energia no exterior podem puxar a inflação para o alto no Brasil novamente, o que exigiria novas ações do Banco Central.
E aí, assim como ocorre nos títulos IPCA+, quando as taxas sobem, a rentabilidade de quem já tem o papel na carteira cai.
"Os investidores estão otimistas com a possibilidade de novos recuos nas taxas prefixadas, embora eu
continue acreditando que é necessário dados que corroborem o que vem sendo precificado", ponderou Queiroz.
Embora a maior parte das casas esteja recomendando a compra de títulos de inflação, deixando de lado os papeis atrelados ao CDI e, principalmente, os prefixados, a gestora Legacy mantém uma aposta nos investimentos indexados à Selic. A razão, segundo Leonardo Ono, gestor de crédito privado da Legacy, é o risco de uma inflação persistentemente alta.
"O mercado está precificando uma inflação de 6% nos próximos anos, o que é bem superior à meta do Banco Central. Se o compromisso com a meta for mantido, o BC terá que manter os juros em patamares elevados para disciplinar os preços", afirmou Ono. Caso a tese se confirme, ainda haverá um juro real (como é chamada a diferença entre a Selic e o IPCA) a ser capturado.
Crédito e títulos privados
No crédito privado, o perfil de risco do emissor do título adiciona mais um componente para a equação de escolha do investidor. Antes de tudo, é importante saber que, nos últimos meses, o fluxo de compra de títulos e alocação em fundos de crédito privado iniciaram um movimento de compressão das taxas. Aqui, trata-se da lógica clássica: com mais gente buscando esses ativos, os emissores não foram obrigados a oferecer prêmios gordos para atrair a clientela.
Por outro lado, o desafio da alta nos custos, em razão dos juros e inflação elevados, colocou as empresas em uma situação de crédito menos confortável.
"O movimento de acesso ao mercado de capitais voltou a ficar mais conservador, não vemos mais tantas operações de empresas captando dinheiro na bolsa. No crédito privado, as emissões têm sido mais no grupo high grade [de grandes empresas, com menor risco] do que no high yield [empresas menores, com risco de crédito maior]", afirmou Costa, do BTG.
Ono, da gestora Legacy, lembra que as empresas aproveitaram os tempos de Selic em 2% para melhorarem o perfil de endividamento, mas há, sim, uma preocupação com a possibilidade de inadimplência.
"Juros altos por mais tempo é ruim, porque acaba testando a capacidade das empresas. Vejo os setores ligados ao consumo, que dependem mais de crédito para crescer, mais expostos ao risco", alertou o especialista em crédito privado da Legacy.
Ele afirma que a recomendação da gestora para os investidores é a busca por títulos de crédito em setores mais conservadores, como infraestrutura, energia e saneamento. Tais setores, diz Ono, estariam mais protegidos, pois têm maior facilidade em repassar os custos para as tarifas de serviços.