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'O papel da educação financeira é tornar o dinheiro irrelevante', diz Bona

Educador financeiro apresenta reflexões sobre temas abordados em seu novo livro, 'Finanças na vida real', como a troca de custos fixos por variáveis

Para André Bona, um endividado é potencialmente tão escravo do dinheiro quanto um milionário pode ser (André Bona/Acervo pessoal)

Marília Almeida

Publicado em 26 de março de 2022 às 10h15.

Última atualização em 1 de abril de 2022 às 10h58.

Pandemia. Repique dos juros. Inflação. Nestes últimos dois anos, o brasileiro encarou diversas crises e foi forçado a aprender mais sobre dinheiro. Avançamos? Para o educador financeiro André Bona, sim. Mas é preciso avançar mais.

"Apesar de ter muita gente interessada e bom conteúdo, muitos brasileiros ainda não acordaram para o tema. Basta olhar para os números de endividamento no país. Geralmente nós vamos no piloto automático até que nos metemos em uma encrenca e começamos a refletir sobre a importância da educação financeira. Foi o que aconteceu comigo também."

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Para auxiliar quem quer dormir em paz sem pensar nas contas a pagar ou em como manter o nível de vida na aposentadoria, Bona acaba de lançar o livro " Finanças na Vida Real ', publicado pela Editora Leya. Na obra, o educador ensina técnicas para evitar o endividamento, como ter custos fixos menores do que os custos variáveis.

"Busco dar uma visão não apenas financeira sobre o tema mas sobre como inserir bons hábitos no dia-a-dia. Ter um bom comportamento em relação ao dinheiro é determinante para controlar o orçamento familiar."

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E, antes que o leitor suspire, o educador não é adepto de cortar todos os gastos, até mesmo o clássico cafezinho. "Uma situação muito restritiva gera uma pressão grande. A gente fica infeliz até o momento em que começa a gastar alucinadamente. O melhor caminho para evitar esse ciclo é economizar com inteligência", recomenda.

Veja abaixo a entrevista completa de André Bona para a EXAME Invest.

Conte um pouco sobre o seu próprio aprendizado sobre dinheiro e como ele se relaciona com alguns conceitos do livro. Você diz que o começo de sua vida financeira, quando era universitário, foi desastroso.

Geralmente, aprendemos as primeiras lições com nossos familiares. Minha mãe era gastadora e o meu pai era controlado: nunca deu um passo maior do que a perna, nunca teve problemas financeiros e reajustava o seu nível de vida se necessário, sem drama.

Quando eu estourei o limite da minha conta universitária, meu pai fez a maior encenação e apontou que o assunto havia ficado sério. Parecia que eu havia pedido um empréstimo para o FMI: ele exigiu, ao dar o dinheiro, que eu seguisse um programa comportamental, de readequação.

Minhas más experiências financeiras não terminaram aí. Resolvi empreender e deu tudo errado. Vi que tinha que me blindar, entender que passaria por um período de restrições. Foi essa minha falta de controle que me fez pensar em aprender sobre o tema de forma técnica.

Comecei lendo livros clássicos sobre educação financeira, que eram novidades na época. Títulos como "O Homem Mais Rico da Babilônia," e "Pai Rico, Pai Pobre". Gostei, virei a chave e comecei a pensar em ter uma renda passiva, gerada com os rendimentos de aplicações financeiras.

Como os bancos não me davam mais crédito, tive de começar a comprar tudo no débito. Foi uma reeducação forçada. Mas, quando a situação se normalizou, vi que não precisava mais fazer parcelamentos, contratar crédito rotativo. Não paguei mais minhas compras dessa forma. Eventualmente recorri a crédito, mas sempre de maneira planejada.

Vi a conduta dos meus familiares e o resultado desses comportamentos: o que gastava mais estava sempre enrolado, enquanto o controlado nunca tinha problema. Presenciar isso já havia criado uma semente em mim sobre tema, que ampliei com minha própria experiência e buscando mais conhecimento.

Você cita o exemplo de quem troca de carro a cada cinco anos, sempre financiando um novo em vez de quitar o primeiro. Como quebrar esse ciclo?

Muita gente quer um carro bacana porque ele é um simbolo de status. O resultado é que pagará, dos 25 aos 60 anos, o valor de 26 carros, e não de oito. Cada financiamento triplica o valor do bem.

Já no caso do imóvel não dá para recriminar o desejo de ter uma casa própria, mas a forma como ele é realizado. Em um capítulo do livro, proponho reflexões sobre se há necessidade de ter uma casa própria aos 25 anos e quanto a vida ainda pode mudar a partir dessa idade.

O mutuário entra em um financiamento que dura 30 anos, mora na zona norte da cidade e arranja um emprego na zona sul. Um jovem, que tem mais oportunidades na vida, talvez não devesse imobilizar e comprometer a sua renda dessa forma.

Por outro lado, tem o aluguel. Concordo que pagar por ele é jogar dinheiro fora, mas no financiamento você aluga dinheiro e também joga dinheiro fora ao pagar juros.

Talvez valha mais a pena comprar um imóvel na época da aposentadoria, quando sabemos onde queremos ficar e temos uma situação mais estável. Com mais tempo para fazer uma poupança, podemos pagar à vista ou o máximo possível de entrada para ter apenas um financiamento residual.

Dou um exemplo de como o imóvel financiado impede a realização de desejos. A popularização do home office tornou possível o sonho de morar no interior. Mas quem comprou um imóvel financiado por 30 anos fica agora sem saber o que fazer. Se vender rápido a chance de ter prejuízo é grande.

Quando falo sobre o uso indiscriminado de financiamentos não falo apenas de famílias de classe baixa. Também vemos casos de profissionais que ganham um salário alto, de R$ 20 mil, endividados. Eles vão subindo o nível de vida conforme aumentam o salário e ficam sempre no limite por ego. Precisa ter sempre o melhor carro, a melhor casa. Isso se torna um hábito.

Muita gente só pensa nas parcelas mensais do financiamento. Mas, quando alongamos a nossa visão, vemos que a vida fica mais fácil se não tomarmos o crédito. Quem não tem dinheiro para realizar uma compra opta por adquirir e pagar duas vezes mais? É um impulso.

Você cita no livro que o papel da educação financeira é tornar o dinheiro irrelevante. E que um endividado pensa que não, mas é tão escravo do dinheiro quanto possivelmente um milionário.

Quando o dinheiro assume um grau de importância na nossa vida porque somos descontrolados, ele dita o que temos ou o que fazer. Se não gostamos do nosso trabalho, vamos ter de trabalhar nele mesmo assim, pois não temos dinheiro para nos qualificar mais.

Já alguém que se concentra apenas na acumulação de dinheiro começa a deixar todo o resto de lado, como passar um fim de semana com a família. Por dinheiro, começa até a achar que passar a perna nos outros é um negócio legal, e essa dependência pode virar escravidão.

O dinheiro pelo dinheiro não tem valor. Mas, como meio de troca ou possibilidade de troca, sim. O dinheiro é bom porque nos dá segurança, nos permite realizar desejos e viver tranquilos na aposentadoria. Mas tem gente que bloqueia essa ideia, acha que ter dinheiro é ruim.

Ter as finanças controladas é ter qualidade de vida. O papel da educação financeira é tornar o dinheiro irrelevante.

Com a ajuda da educação financeira entramos em um processo positivo de tomada de decisões. No primeiro estágio, somos inconscientes e incompetentes (não sabemos que existe). No segundo nível, somos conscientes, mas incompetentes (não sabemos como fazer); e, depois, nos tornamos inconscientemente competentes. Automatizamos os bons hábitos ao dominarmos o tema e levamos o dinheiro a perder relevância na nossa vida.

Em um momento tão delicado do país, de inflação em níveis altos, quais os métodos para eliminar dívidas que ensina no livro e os principais erros que costumam ser cometidos nesse momento?

Muita gente acha que cortar a Netflix é uma atitude inteligente. Eu não acho. É um gasto supérfluo? É. Mas é um lazer barato: o que a pessoa irá fazer se está em uma situação complicada? Quanto esse gasto é relevante no orçamento? Às vezes, economizar 10% da compra no supermercado faz mais sentido.

O primeiro ensinamento é evitar ter custos fixos elevados. Pois se for necessário reorganizar o padrão de vida em um momento de crise, é possível fazer isso com mais facilidade.

No livro ensino a trocar custos fixos por variáveis, o que protege o orçamento contra a inflação. Sem muitos custos fixos, se no mês que vem for necessário reduzir o orçamento, posso buscar um aluguel mais barato, por exemplo.

Vender o carro e andar de Uber é um exemplo de trocar um gasto fixo por um flexível. Posso parar de usar o aplicativo de corridas a hora que eu quiser. Quem tem carro deixou ele a maior parte do tempo parado nestes dois anos de pandemia, com seguro, e agora tem que pagar mais IPVA.

Isso é ter liberdade financeira. Se você ganha R$ 5.000, mas R$ 4.000 estão comprometidos, você só tem poder de decisão sobre R$ 1.000. Se compromete R$ 2.500, pode decidir o destino de R$ 2.500 todos os meses.

Quais dicas você dá para quem deseja começar a economizar para a aposentadoria?

Ensino que existem três aposentadorias: a de bronze, a de prata e a de ouro. A de bronze consiste em acumular e gastar até o final da vida, enquanto a de prata mostra como acumular e viver de rendimentos, porém o valor principal ao longo do tempo será corroído pela inflação. Por fim, a de ouro consiste em gerar renda suficiente para viver e ainda preservar o patrimônio principal, além de aumentar rendimentos como forma de compensar a inflação.

Uma família que ganha R$ 10.000, ao se aposentar, recebe o teto do INSS, de cerca de R$ 5.000. Faltarão R$ 5.000 para manter seu padrão de vida. Esse dinheiro será uma necessidade no futuro.

Como despertar para a importância de economizar para o futuro? Existem dois divisores de água: quando alguém estanca dívidas e percebe uma melhora da sua qualidade de vida e quando começa a poupar e montar a sua reserva de emergência. Quando faz essas duas coisas, não baseia mais a sua decisão no dia-a-dia: sua preocupação é no mínimo daqui a 6 meses.

Independência financeira é viver do dinheiro acumulado. A liberdade financeira é ter poder de escolha e não ficar preocupado com as contas do dia-a-dia ou endividado.

Dá para considerar os recursos no FGTS como reserva de emergência?

O FGTS tem regras para saques que não dão liquidez imediata aos valores. Uma situação emergencial não se reduz ao desemprego: pode ser uma doença na família, um acidente, um filho que precisa de ajuda financeira ou imprevistos no negócio próprio.

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