Gestora do banco lançou fundo de previdência que permite que investidor acesse mercado internacional (Lucas Agrela/Site Exame)
Bianca Alvarenga
Publicado em 10 de dezembro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 10 de dezembro de 2020 às 12h49.
O Itaú Unibanco recém-anunciou um produto de previdência com até 100% de exposição do investidor brasileiro de varejo a ativos no exterior. O fundo será acessado pelas modalidades tradicionais de PGBL e VGBL.
Essa exposição é novidade no segmento de previdência e tem causado desconfiança no mercado. Pela regulamentação atual, fundos de aposentadoria precisam respeitar o limite de 20% do patrimônio investido no exterior. Não há nenhuma permissão adicional para ativos externos. Como o Itaú conseguiu uma alocação superior a isso?
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A EXAME Invest conversou com o Itaú e com especialistas em fundos de investimento para entender a estratégia que permitiu uma exposição maior do que a limitada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), entidade que regulamenta o setor.
"A legislação de fundos de previdência é menos flexível, mas conseguimos montar uma estrutura como se o fundo tivesse investido 100% do patrimônio em ativos internacionais dos mais diversos tipos", diz Claudio Sanches, diretor de produtos de investimento e previdência do Itaú Unibanco.
Entre os ativos contidos na nova carteira do Itaú há ações negociadas nos Estados Unidos, na Europa e no Japão, títulos de crédito de empresas estrangeiras e títulos da dívida pública americana.
No final de 2019, uma mudança na resolução nº 4.444 do Banco Central permitiu que fundos abertos de previdência passassem a aplicar até 20% do patrimônio em ativos de outros países. A norma atendeu um pleito das gestoras, que, àquela altura, já estavam sendo desafiadas a potencializar os retornos em um cenário de taxa básica de juros em 4,5% ao ano.
"Agora, com juros de 2% ao ano, a necessidade de mudança aumentou. Temos visto algumas discussões para, de fato, ampliar esses limites. Se isso acontecesse, talvez não fosse necessário criar estruturas complexas como a nossa para permitir que o cliente acesse outros mercados", observa Sanches.
Questionado sobre a estrutura, o diretor do Itaú não quis dar explicações detalhadas, pois trata-se de um "segredo" de mercado. "A estrutura por trás é bastante complexa. Nosso fundo investe em outro fundo, que fica em Cayman (nas Ilhas Cayman). Esse fundo alavanca parte do patrimônio lá fora, mas possui caixa no Brasil", disse.
A composição detalhada do novo fundo é a seguinte: 30% em ações americanas, 20% em Treasuries (títulos da dívida do governo dos EUA), 10% em ações de países emergentes, 10% em crédito de alto risco americano, 10% em crédito de países emergentes, 5% em ouro, 5% em títulos ligados à inflação dos EUA, 5% em ações europeias e 5% em ações japonesas.
Essa estrutura estaria de acordo com o que é determinado pela Susep? De acordo com o diretor do Itaú, a resposta é sim. Mesmo "simulando" uma exposição de 100% no exterior, o fundo atende ao limite de 20% de aplicação em ativos estrangeiros.
Isso porque há uma diferença entre a exposição financeira (ou seja, quanto do dinheiro dos cotistas é mandado para fora) e a exposição efetiva do patrimônio do fundo. A exposição financeira atende ao percentual determinado pela Susep, mas a exposição efetiva é capaz de alcançar um valor maior de aplicações no exterior.
Juliana Machado, especialista em fundos de investimento da EXAME Research, explica que alguns fundos de outros segmentos (que não de previdência) usam mecanismos parecidos para aumentar a exposição a ativos no exterior. De acordo com a legislação vigente, fundos de investimento em renda fixa destinados a investidores de varejo podem ter 20% de patrimônio aplicado em investimentos estrangeiros. Nos fundos de ações e multimercados, esse limite sobe para 40%.
Há, ainda, os fundos de investimento estrangeiro que aplicam, no mínimo, dois terços do patrimônio no exterior, mas esses fundos são abertos somente para investidores qualificados (como são chamados os investidores que possuem um patrimônio de mais de 1 milhão de reais aplicado ou que possuem algum tipo de certificação para atuar no mercado financeiro).
Para permitir que os investidores do varejo tenham acesso a produtos com exposição acima de 20% ao exterior, alguns fundos criam estruturas de alavancagem.
"Explicando de forma simplificada, é como se o fundo pegasse mais dinheiro para comprar algum ativo que esteja fora do Brasil e ao mesmo tempo mantivesse o patrimônio em caixa, no país de origem", diz Juliana. Como parte do patrimônio fica aplicada no mercado de origem, a exposição aos ativos no exterior não aparece na própria lâmina do fundo.
Apesar de não ser utilizado em fundos de previdência, esse mecanismo estaria dentro das regras do jogo, disseram fontes do mercado à EXAME Invest. Isso não significa, no entanto, que a Susep não possa apresentar algum pedido de explicação para a gestora do banco.
A EXAME Invest procurou a Susep, que enviou o seguinte posicionamento: "a princípio, o fundo está em conformidade com os limites. Mas, dado que operação com alavancagem, os impactos ainda serão analisados pela Susep".
Apesar de ser permitida, será que a exposição de 100% da previdência a ativos no exterior é recomendável? O Itaú não determinará nenhum limite regulamentar para as aplicações no novo produto, o que significa que o cliente poderá aplicar o percentual da carteira que desejar.
Mas o diretor de investimento e previdência do banco diz que há uma preocupação para que os investidores apliquem de acordo com a própria aceitação ao risco. "Esse não é um investimento recomendado para o cliente conservador, mas o moderado, por exemplo, pode colocar 5% dos ativos de previdência no produto", diz Sanches.
Ele diz que, como a aplicação mínima é de 1 real, clientes que estão começando a investir poderão optar por esse produto sem que precisem comprometer um percentual grande da carteira. "É isso que a CVM e a Susep devem acompanhar nas discussões para democratizar e flexibilizar as normas dos fundos de previdência", diz o diretor do Itaú.
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Como são regulamentados pela Susep, e não pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), os fundos de previdência não exigem um processo de suitability (análise do perfil do investidor) antes da primeira aplicação, a fim de verificar previamente a adequação do investidor. O Itaú, no entanto, diz que cumprirá esse processo.
Machado, da EXAME Research alerta para um aspecto importante: é importante que o investidor entenda a mecânica do novo produto do Itaú, por mais complexa que seja, para não ficar no escuro.
"É um produto que engloba diferentes aplicações internacionais, em diferentes moedas e em diferentes concentrações. Vai ser difícil para o investidor acompanhar o desempenho de cada uma dessas coisas, por isso é importante que ele entenda o que fundo está fazendo", recomenda.