O IGP-M é usado para referenciar o rendimento de alguns FIIs de tijolos e papéis, mas gestores alertam para riscos (Germano Lüders/Exame)
Guilherme Guilherme
Publicado em 27 de novembro de 2020 às 06h00.
Última atualização em 27 de novembro de 2020 às 12h56.
Sob influência da alta do dólar e de seus efeitos nos preços de matérias-primas no atacado, o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M) disparou em 2020, acumulando alta de 20,93% nos doze meses até outubro. Os dados de novembro serão divulgados nesta sexta-feira, 27, e a expectativa do mercado é a de um avanço perto de 3% no mês, o que levaria a taxa em 12 meses para a casa de 22%.
Se a disparada do IGP-M é má notícia para milhões de brasileiros que vivem de aluguel, uma vez que o índice é o indexador padrão dos contratos, ele se tornou motivo de satisfação para cotistas de alguns fundos imobiliários (FIIs).
São fundos imobiliários que administram contratos de ativos de tijolos (prédios comerciais, shoppings e galpões, por exemplo) cujo aluguel é reajustado pelo IGP-M e os fundos de papéis que têm em seu patrimônio Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) indexados ao índice: eles puderam surfar essa onda recente de alta. Naturalmente, o investidor que tinha esses FIIs na carteira colheu dividendos maiores.
Mas uma escalada tão rápida e tão intensa do IGP-M criou um problema para gestores e inquilinos dos FIIs. Muitas empresas não conseguiram ampliar seus negócios no mesmo ritmo de alta do indicador de inflação ou até registraram forte queda com a crise provocada pela pandemia. No caso de shoppings e prédios comerciais, enquanto o IGP-M subiu, a receita ficou mais magra.
Sem conseguir arcar com o reajuste, muitos desses inquilinos sentaram com proprietários para renegociar, pleiteando uma aplicação parcial do IGP-M. Até por isso, nem toda a alta do foi repassada para os rendimentos dos FIIs, mesmo que seus ativos sejam indexados pelo indicador. “É muito difícil o inquilino não tentar negociar. O lado bom é que mesmo com o reajuste não sendo total, se o desconto for a metade, já é bem significativo”, diz Arthur Vieira de Moraes, especialista em fundos imobiliários e professor da EXAME Academy.
"A última vez em que vimos esse cenário foi em 2002, quando uma crise econômica acompanhada de desvalorização cambial levou o IGP-M para as alturas. É claro que a alta gera um desconforto para o mercado imobiliário, ainda que não sejam muitos os contratos ainda indexados a esse índice", diz Evandro Buccini, diretor de Renda Fixa e Multimercados da gestora Rio Bravo.
A forma de saber se um fundo está mais ou menos exposto às variações do IGP-M é por meio dos relatórios gerenciais dos fundos, que podem ser encontrados tanto nos sites das gestoras quanto no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Ainda que diferentes FIIs possam ter investimentos atrelados ao IGP-M, o impacto é mais rápido nos fundos compostos por recebíveis imobiliários. “Como nos fundos de papel o repasse é mensal, o investidor sente na hora. Já nos fundos de tijolo, a correção vai depender do aniversário de cada contrato de locação”, explica Juliana Pedroza, diretora de relacionamento com investidores da Habitat Capital Partners.
Buccini explica que os fundos de tijolos têm tido mais flexibilidade para renegociar, principalmente os que foram afetados pelos efeitos decorrentes da pandemia do coronavírus. "Os inquilinos têm sido beneficiados por algum tipo de carência temporária nas amortizações, para que consigam se organizar financeiramente. O gestor acaba cedendo à renegociação, porque se for intransigente ele pode levar a uma situação de inadimplência (atraso) e, eventualmente, de default (calote)", diz o diretor da Rio Bravo.
No caso dos FIIs que têm CRIs atrelados ao IGP-M, a renegociação é um pouco mais complexa. Para fazer qualquer alteração nas condições de rentabilidade, os emissores do CRI precisam convocar uma assembleia entre os detentores dos títulos -- assim como acontece com as debêntures, por exemplo.
"Aí começam os problemas. Se é operação muito pulverizada, é difícil conseguir quórum. A boa notícia é que as emissões de CRI costumam ser mais concentradas", observa Buccini. Para o investidor, a dica é observar se o seu FII investe em CRIs que foram distribuídos pelo mercado ou se o fundo é um dos poucos detentores daquele título. O segundo caso tende a evitar dores de cabeça futuras.
Para fugir de qualquer tipo de problema, Pedroza conta que Habitat tem aumentado a atenção para o risco de inadimplência devido à alta do IGP-M. “Principalmente para os fundos que trabalham com recebível residencial, que é o nosso caso, entendemos que tem que ficar muito mais próximo do loteador e também da carteira. Calculamos quanto cada aumento do IGP-M acaba ocasionando de inadimplência. Com certeza, tem que aumentar muito esse monitoramento.”
Caio Braz, sócio da gestora Urca Capital Partners, lembra de outro ponto a ser levado em conta: em geral, os contratos contidos nos FIIs são de longo prazo. A expectativa do setor é que o avanço do IGP-M perca ritmo nos próximos meses, o que pode compensar o período de alta. "Até pela saúde da economia, esperamos que a situação se normalize. O ideal é o IGP-M voltar para baixo dos 2 dígitos, para que os investimentos sejam sustentáveis", analisa.
Mas será que ainda dá tempo de surfar essa onda? Tanto o diretor da Rio Bravo quanto o sócio da Urca acreditam que o IGP-M deve permanecer em patamares elevados até o início de 2021. "A boa notícia para os fundos, especialmente os que têm CRIs, é que os emissores pagam o IGP-M dos dois meses anteriores. Sendo assim, esses FIIs vão pagar juros mais altos por mais algum tempo", diz Buccini, da Rio Bravo.
Por outro lado, a esperada chegada de uma vacina para o coronavírus e a própria melhora da economia devem fazer o dólar recuar, o que daria uma trégua para o IGP-M. Mas os riscos de isso não acontecer também existem. "Ninguém sabe como ficarão as contas públicas em 2021. Dependendo do que o governo fizer, o câmbio pode voltar a sofrer, o que tende a acelerar o IGP-M outra vez", pondera Braz, da Urca.
Vieira de Moraes, da EXAME Research, também pontua que o IGP-M costuma ter volatilidade superior à do IPCA. “Não é raro o IGP-M vir negativo. Se começar a cair mês a mês, o rendimento desses fundos cai também.” Segundo ele, porém, os fundos de tijolo tendem a ser mais resistentes ao IGP-M negativo. “É mais comum que o IGP-M negativo não tenha mudança no valor do aluguel. Mas se não tiver essa cláusula, o rendimento cai também”, explica.