Uma nova bolha se forma nos Estados Unidos?
Em 2000, as empresas de tecnologia estouraram a bolha pontocom, e no fatídico ano de 2008 o culpado foi o setor imobiliário
Letícia Toledo
Publicado em 5 de agosto de 2017 às 07h40.
Última atualização em 7 de agosto de 2017 às 12h15.
Um dos mais antigos índices acionários do mercado americano bateu um novo recorde nesta semana e chegou a 22.000 pontos. Não se pode dizer que foi um fenômeno raro para o Dow Jones. Foi a 51ª vez que o índice chegou a um novo patamar histórico desde a eleição do presidente Donald Trump, em novembro do ano passado.
Os outros principais índices, o S&P 500 e o Nasdaq também já chegaram a patamares recordes neste ano. É uma situação tão atípica que um grupo crescente de gestores se pergunta se não há algo estranho no ar.
“Uma bolha parece estar se formando por causa de todo o dinheiro fácil, de toda a liquidez, ao redor do mundo”, diz o icônico investidor americano Jim Rogers, criador do Quantum Fund ao lado de George Soros, em entrevista a EXAME. Ele afirma que a crise que está por vir pode ser a maior que já viu em seus 74 anos de idade. Ele não está sozinho. Tom Forester, da Forester Capital Management, que previu a crise de 2008, também espera um cenário catastrófico.
Em entrevista à revista Time em julho ele disse que a crise que está por vir tem um potencial muito maior porque, enquanto as duas últimas grandes crises americanas (em 2000 e 20008) foram ocasionadas pela falha de um setor específico, desta vez quase todos os setores parecem supervalorizados.
Em 2000, as empresas de tecnologia estouraram a bolha pontocom, e no fatídico ano de 2008 o culpado foi o setor imobiliário. Segundo um relatório recente da FactSet, nove dos 10 setores presentes no S&P 500 estão mais caros do que a média dos últimos dez anos. A exceção é o setor de telecomunicações.
O investidor Marc Faber, famoso por sua postura pessimista, afirma que existem dois problemas alarmantes no momento. O primeiro é que o preço das ações está fora de controle. As ações americanas historicamente são negociadas a um preço de cerca de 17 vezes o seu lucro, e hoje elas estão negociadas a cerca de 30 vezes o lucro.
As duas únicas vezes em que esse múltiplo foi atingido foram em 1929 e no fim dos anos 1990, dois períodos pré-bolha. O problema, garante Faber, é que quando as pessoas começarem a vender esses ativos o preço poderá cair drasticamente rápido. A outra preocupação de Faber é que um número muito pequeno de ações tem guiado toda a compra que movimenta o mercado acionário. Apenas cinco companhias foram responsáveis por quase um terço do total de lucros do índice S&P 500 em 2016.
É a tecnologia, estúpido
A euforia nas bolsas americanas neste ano tem sido guiada basicamente pelas gigantes da tecnologia Facebook, Amazon, Apple, Netflix, Alphabet e Microsoft. Segundo relatório do banco Goldman Sachs de junho, o grupo de ações conhecido como FAAMG (Facebook, Amazon, Apple, Microsoft e Google) foi responsável por 40% de toda a alta do índice S&P 500 neste ano. O índice acumula uma alta de 10,6% neste ano.
O cenário atual é muito diferente de quando o rali na bolsa americana teve início, logo após a eleição do presidente Donald Trump. Na época, o mercado acreditava que os planos do novo presidente de cortar drasticamente os impostos e aumentar gastos com infraestrutura beneficiaria as ações industriais e companhias com altas taxas de impostos.
Com os planos de Trump se mostrando cada vez mais improváveis, pelo menos no curto prazo, os investidores, ao invés de deixarem o mercado, correram para as ações do setor de tecnologia. Empresas como Facebook e Google, afinal, não dependem de Trump para crescer.
A estratégia tem se mostrado acertada. A maioria das companhias apresentou uma alta de dois dígitos em seus lucros neste segundo trimestre. A Apple, maior responsável pela alta desta semana que levou o Dow Jones a um novo patamar, teve um lucro de 8,7 bilhões de dólares no segundo trimestre, alta de 12% na comparação com o mesmo período de 2016. As ações da companhia valorizaram quase 40% este ano, levando seu valor de mercado para mais de 800 bilhões de dólares.
Tanta euforia no mercado americano tem atraído um número cada vez maior de brasileiros. “Nós temos percebido um interesse maior dos investidores brasileiros por investimentos globais, ainda mais dado o contexto econômico e político atual do Brasil”, diz Luiz Fauza, sócio da gestora brasileira M Square Global. Nos últimos anos surgiram gestoras especializadas em investir o dinheiro dos brasileiros no exterior, como a Geo Capital e a Gate Invest.
Os gestores brasileiros que analisam as ações americanas acreditam que o mercado deve continuar em alta. “Ninguém acha que a bolsa está barata, mas consigo encontrar justificativas para os patamares atuais, o lucro das empresas está alto”, diz Ilan Ryfer, sócio fundador da gestora Mogno Capital. Para ele, setores como o de biotecnologia e o de construção civil ainda têm espaço para alta.
“Na nossa opinião não há bolha porque a bolha ocorre quando os investidores começam a acreditar que nada vai dar errado e que não tem problema comprar ações caras. Esse não é o cenário, todo mundo lá fora está preocupado com a economia”, diz Arthur Mizne, sócio fundador da MSquare Global. Para ele, o potencial de alta no momento está nas ações que estão fora dos índices tradicionais como S&P 500 e Dow Jones, que já subiram demais.
Desta vez é diferente?
Sobram, claro, argumentos para os dois lados. Os otimistas com a alta das bolsas americanas têm afirmado que o investidor está mais racional no ambiente pós-crise de 2008. No caso das ações de tecnologia, por exemplo, apesar de os patamares atuais das empresas ter atingido o mesmo do fim dos anos 1990, ao invés de apostar em empresas com potencial incerto, investidores estão colocando dinheiro em companhias consolidadas e cujos lucros têm de fato aumentado consistentemente.
Os mais conservadores encontram dados para justificar sua preocupação. Segundo o instituto americano Investment Company Institute, no mês passado pequenos investidores retiraram 17 bilhões de dólares de fundos americanos de ações e investiram 29 bilhões de dólares em fundos de títulos de dívida. Para alguns especialistas, isso mostra que não há um otimismo exacerbado em ações e que os investidores estão avaliando e variando seus investimentos.
Outro argumento utilizado é o do excesso de liquidez no mundo. Com taxas de juros próximas a zero, a justificativa é que qualquer rendimento (ainda que pequeno, no caso de ações supervalorizadas) valeria a pena. O problema é que uma guinada dos juros é justamente um dos maiores riscos citado por dez entre dez investidores que afirmam que uma bolha está se formando.
Em 2000, as empresas de tecnologia estouraram a bolha pontocom, e no fatídico ano de 2008 o culpado foi o setor imobiliárioO maior problema, entretanto, pode estar onde ninguém ainda conseguiu enxergar. Como ressalta o investidor Rob Arnott, fundador da gestora californiana Research Affiliates, os catalisadores de uma crise “são, por definição, uma surpresa”. Enquanto o cisne negro não aparece, os investidores, do Brasil e do mundo, fazem a festa.