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Risco de manipulação: 25% da bolsa tem negociação de menos de R$ 10 mil

Ações com baixa liquidez correm mais risco de terem seus preços inflados artificialmente, alertam especialistas

Especialistas alertam sobre riscos de investir em ações com baixa liquidez (TolikoffPhotography/Getty Images)

Especialistas alertam sobre riscos de investir em ações com baixa liquidez (TolikoffPhotography/Getty Images)

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Guilherme Guilherme

Publicado em 21 de junho de 2020 às 07h00.

Última atualização em 22 de junho de 2020 às 12h37.

A compra e venda de ações é a base de qualquer bolsa de valores do mundo. Mas isso nem sempre é possível, especialmente, quando uma dessas duas pontas não existe. Especialistas contatados por Exame afirmam que a possibilidade de não conseguir negociá-las é apenas um dos riscos de investir em ações com baixa liquidez, ou outro é estar sujeito à manipulação de preços por criminosos.

De acordo com dados do sistema de informações financeiras Economática, a média diária do volume de negociação de 124 ações listadas na B3 até o fim de maio foi inferior a 10 mil reais nos cinco primeiros meses do ano. A quantia corresponde a 26,12% do total das ações. Dessas 124, 81 delas têm volume médio de negociação menor que 1 mil reais, sendo que 39 sequer haviam sido negociadas no ano.

Essa realidade é bem distante dos ativos do Ibovespa. Composto por 75 ações, os papéis do principal índice da bolsa correspondem a cerca de 80% do volume total da bolsa, sendo que sua ação menos negociada, a da Yduqs, movimenta mais 50 milhões de reais por dia.

Na bolsa, a média do volume de negociação diário de 263 ações foi inferior a 1 milhão de reais entre janeiro e maio – representando cerca de 55% dos papéis listados.

“Mais da metade das companhias listadas na B3 possuem baixa liquidez por causa da forte concentração de mercado. Na bolsa, cerca de 50 empresas praticamente não existem, porque estão tecnicamente quebradas há muito tempo e só não fecham capital porque não têm dinheiro”, afirmou Luiz Guilherme Dias, presidente do Sistema de Análise de Balanços Empresariais (SABE).

Cesar Caselani, professor de Finanças e Métodos Quantitativos da FGV-SP, considera que ações pouco negociadas não são, necessariamente, ruins, mas implicam em maiores riscos. O principal seria a maior dificuldade para conseguir adquirir e se desfazer do ativo. “Pode ser que a pessoa queira vender e simplesmente não consiga porque não tem ninguém para comprar”, afirmou.

Mesmo em casos menos extremos, a negociação de ações de baixa liquidez pode implicar em maiores custos para o investidor. “Se compra em volume maior acaba inflando o preço e o contrário ocorre na venda. O custo é maior tanto para entrar quanto para sair”, disse Renato Mimica, diretor da Exame Research.

Esse tipo de ação também corre maior risco de ter seu preço inflado artificialmente para obter, por meios ilícitos, rentabilidade em cima de investidores desavisados. “A manipulação de preço pode ocorrer tanto em ações de alta quanto de baixa liquidez, mas precisaria de muito mais dinheiro para inflar o preço uma ação bastante negociada.”, disse Caselani.

Mimica explica que as ações pouco negociadas têm mais chance de serem alvo do esquema de fraude conhecido como “pump and dump”. “O investidor que está comprado espalha um monte de informações falsas para alguém desinformado comprar o papel e inflar o preço do ativo. Então, a pessoa que emitiu as informações falsas vende a preços bem maiores.”

Outra maneira de manipular esse tipo de ativo, conta Caselani, é por meio de oferta e demanda. “Com pouco dinheiro pode fazer uma pressão na demanda para subir o preço para depois vender. Quando tem pouca gente negociando o ativo, fica mais fácil manipular o preço para cima ou para baixo.”

Caso Renaux View

Efeito semelhante vem ocorrendo nas ações da fabricante de tecidos Renaux View. A ação ordinária da companhia, que estava sem ser negociada desde 21 de maio, saltou 2,1% em 10 de junho e, em 11 de junho, disparou 105% - dia em que a ação teve volume de negociação de 36.589 reais, montante 1.068.502% superior à média de seu volume diário de maio. Nesta sexta-feira, 19, a ação, que era cotada a 10 reais até 10 de junho, foi negociada por 240 reais, chegando a ter alta de 2300% em menos de duas semanas.

O movimentação chamou atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que questionou a empresa a sobre a oscilação de suas ações. A Renaux View, contudo, informou que “não foi possível identificar qualquer fato ou ato ocorrido, ou relacionado aos seus negócios”.

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A empresa já havia sido notificada sobre as oscilações abruptas em janeiro deste ano, quando suas ações dispararam 1193% e despencaram de forma repentina poucos dias depois. Na ocasião, a companhia também negou que houvesse informações que justificassem o movimento.

“Manipulação de preço é ilegal. A CVM é a responsável por evitar esse tipo de prática nociva no mercado, especialmente agora que tem uma série de investidores novos entrando”, disse Luiz Dias.

Mas segundo o professor Caselani, um dos problemas para se combater esse tipo de prática é a dificuldade de classificar a alta ou baixa de preços como manipulação.

“Frequentemente não se comprova que a manipulação foi feita porque os argumentos usados, muitas vezes, não são suficientes a ponto de conseguir condenar quem está manipulando. Se tem movimentos bruscos sem informações novas sobre a empresa, pode desconfiar.”

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