(EXAME/Exame)
A pandemia de coronavírus (Covid-19) deixou uma "herança maldita" para o mundo: a inflação.
Para tentar contrastar essa alta generalizada dos preços, que está afetando o mundo todo, os Bancos Centrais estão tentando utilizar os instrumentos clássicos de política monetária: alta das taxas de juros e títulos da dívida mantidos em seus balanços.
Desde o início do ano, os Bancos Centrais do mundo inteiro implementaram 90 apertos monetários para tentar esfriar os pedidos de empréstimos e, portanto, enfraquecer a demanda agregada, um dos maiores impulsionadores da inflação.
Além disso, o Federal Reserve (Fed) embarcou no processo de drenagem de liquidez conhecido como "aperto quantitativo", que força o Tesouro a refinanciar através de bancos os papéis da dívida pública vencidos que foram adquiridos pelo Fed.
Com isso, os bancos privados reduzem sua liquidez disponível e, portanto, podem emprestar menos dinheiro às famílias e às empresas. É assim que um Banco Central pode tentar conter o aumento dos preços de bens e serviços agindo do lado da demanda.
No que diz respeito à oferta, os Bancos Centrais têm pouco a fazer. Isso pois a inflação foi importada através do aumento das cotações matérias-primas e aos gargalos na produção provocados pelos lockdowns, além das tensões geopolíticas na Ucrânia e na Ásia, que pioram a situação.
No entanto, a estratégia dos Bancos Centrais, e principalmente do Fed, é piorar as condições financeiras da demanda e induzir a economia para uma "recessão controlada", forçando uma redução das compras até mesmo dos itens mais voláteis, como energia e alimentos, protagonistas absolutos do recente aumento da inflação global.
Não por acaso, o presidente do Fed, Jerome Powell, declarou que é necessário criar desemprego nos EUA para garantir uma redução da inflação. Por quanto isso possa ser algo dolorido.
A pergunta que os mercados estão se fazendo neste momento é: o Fed vai conseguir derrotar a inflação e trazê-la de volta aos 2% considerados saudáveis e fisiológicos? Ou existe o risco de ser infectados pela "síndrome Argentina", onde a inflação está fora de controle a ponto de o Banco Central de Buenos Aires ter aumentado as taxas na semana passada em 550 pontos base, chegando em 75% ao ano?
Se olharmos para as estatísticas do Fed, podemos dizer que a derrota da inflação é apenas uma questão de tempo.
Desde 1923, os Estados Unidos passaram por 16 recessões (a atual é a 17ª), e sempre que a recessão chegou após um período inflacionário, o Fed prevaleceu sobre a inflação. Em média, foram necessários ao Banco Central dos EUA 16,2 meses desde o pico da inflação até seu retorno para cerca de 2%. No entanto, há anos que se situam no extremo do sino gaussiano e que indicam que a luta contra a inflação pode durar até mais de dois anos.
Por exemplo, em 1969, foram necessários 30 meses para reduzir a pressão sobre os preços, que havia atingido um pico de 6,2%. Alguns anos depois, em 1974, a inflação voltou a morder, disparando para 12,3% por causa da crise energética e o consequente alta das cotações do petróleo. Naquela ocasião, a batalha do Fed contra a alta dos preços durou 24 meses.
A estatística mais pesada, no entanto, diz respeito ao que aconteceu em 1981, quando a inflação atingiu o pico de 14,8%. Foram necessários mais de três anos de movimentos agressivos do Fed (41 meses) para domar os preços.
Agora o mercado se pergunta se essa vez será diferente. Teremos que enfrentar uma inflação por apenas um ano, como foi em 2001, ou o dragão inflacionário será mais resistente?
Muitos comparam o período atual com os anos 70 e 80, considerando que - como na época - o gatilho da inflação vem da explosão das matérias-primas e da energia.
Com a diferença, porém, que hoje há também a questão do excesso de liquidez nos mercados, após a injeção maciça de dinheiro no sistema por parte dos próprios Bancos Centrais desde 2009, com os planos de "afrouxamento quantitativo", e continuando quase sem parar até o ano passado.
Grande parte dessa liquidez se transformou em inflação dos mercados financeiros, ou seja, passou a inflar os valores de títulos e ações. Consequentemente, é difícil imaginar que o Fed possa vencer o desafio contra a inflação da economia real sem ver o componente financeiro deflacionar, ou seja caír, ao mesmo tempo.
É por isso que o Banco Central americano provavelmente precisará que Wall Street caia novamente para completar sua luta contra a inflação. A pergunta é: os investidores serão capazes de digerir esse bocado amargo ou decidirão, por sua conta e risco, tomar partido contra o Fed?