Mercados

O que pode sustentar uma tendência firme de alta na Bovespa?

Embora importantes, pacotes do governo dos EUA precisam ser acompanhados de sinais de recuperação da economia real, dizem especialistas

EXAME.com (EXAME.com)

EXAME.com (EXAME.com)

DR

Da Redação

Publicado em 13 de outubro de 2010 às 20h29.

Quem investe na Bovespa não tem do que reclamar deste início de 2009. Até esta segunda-feira (9/2), o Ibovespa, principal indicador do pregão paulista, acumula uma alta de 12,10%. O desempenho contrasta com o de outras bolsas. Em Nova York, por exemplo, o Índice Dow Jones já perdeu 5,80% neste ano, e o Standard & Poor's 500 amarga queda de 3,70%. O indicador americano mais favorável é o Nasdaq, composto por empresas de tecnologia. Até esta segunda, sua alta acumulada era de 0,90%. Para os analistas, parte do otimismo que sustenta a bolsa brasileira vem da expectativa de que o governo Obama também aprovará o pacote de ajuda a bancos após conseguir aprovar no Senado as medidas de estímulo à economia focadas em obras de infraestrutura. Mas os pacotes serão suficientes para consolidar uma tendência de alta da Bovespa?

Infelizmente, a resposta não é simples. Primeiro, porque ainda há dúvidas sobre a capacidade de os pacotes realmente estimularem a combalida economia americana e recuperarem os bancos do país. Depois, porque uma vez implantadas, demorarão vários anos para surtir efeito. Além disso, as blue chips brasileiras dependem também do bom andamento de outros mercados também em dificuldade, como a China. Por último, é necessário resgatar a confiança dos investidores estrangeiros nos mercados emergentes. Nunca é demais lembrar que os grandes movimentos de alta da Bovespa nos últimos anos foram sustentados por estrangeiros em busca de oportunidades no Brasil.

EXAME consultou diversos especialistas para mapear que fatores assegurariam uma tendência prolongada de alta da Bovespa. As respostas vão de argumentos puramente financeiros, como o fato de os papéis estarem baratos, até a recuperação dos mercados mundiais. Confira a seguir o que pode manter as ações brasileiras no azul.

Aprovação dos pacotes americanos: para os economistas, esse é apenas o ponto de partida. Com elas, imagina-se que a recuperação virá em dois ou três anos. Sem elas, a recessão dos Estados Unidos vai se prolongar. "Se o governo não resolver o problema de solvência dos bancos, poderemos ter de cinco a dez anos de recessão nos Estados Unidos”, afirma Rogério Oliveira, diretor de pesquisas para mercados emergentes do Barclays. Mas ainda há dúvidas sobre se os pacotes funcionarão. Primeiro, porque ainda não está claro o desenho final das medidas. Depois, porque a economia real está se deteriorando a uma velocidade elevada, o que pode tornar tudo o que está sendo feito insuficiente.

Retomada do consumo americano: alguns economistas defendem que o ponto de virada da crise será o retorno da expansão do consumo das famílias americanas, duramente afetado pela crise de crédito. "Só quando o consumo voltar a crescer é que a economia vai começar a reagir e vamos ter uma tendência de alta dos mercados", afirma Lance Reinhardt, diretor do fundo austríaco Superfund para a América Latina. Os Estados Unidos ainda são a maior economia do mundo e o destino de muitos exportadores brasileiros. No ano passado, os americanos compraram 25,065 bilhões de dólares em produtos brasileiros, ou 15,60% das exportações do Brasil, segundo o Ministério do Desenvolvimento. O risco, aqui, é que o Brasil não participe plenamente desse consumo. Nos EUA, os democratas são tradicionalmente mais protecionistas que os republicanos. Vários analistas vêm alertando para o risco de uma onda protecionista que pode dificultar o acesso dos produtos brasileiros aos EUA - e a outros países - no instante em que precisamos dos dólares americanos para estimular nossa própria economia. "O comércio global tende a travar e retardar a recuperação econômica e do nível de emprego", afirma relatório do Banco Fator assinado por Lika Takahashi, coordenadora de análise de investimentos.

Retomada da confiança no sistema financeiro: uma parte do consumo americano será incentivada por isenções fiscais para os trabalhadores e pela retomada do crescimento econômico. Mas a principal fatia virá da reabertura das linhas de crédito para consumidores e empresas. Por isso, para alguns economistas, o ponto de virada da crise será a volta da confiança do sistema financeiro e a gradual regularização do crédito. Sem isso, os bilhões de dólares que o governo americano já despejou e ainda vai despejar no sistema ficarão empoçados nos cofres das instituições. "Os bancos não querem dar dinheiro uns para os outros, nem para os consumidores", afirma Reinhardt, gestor do Superfund. Novamente, há um risco neste ponto: o de que o governo Obama seja o próprio beneficiado pela injeção de recursos. Para financiar o programa de recuperação, estima-se que o déficit fiscal atinja 1 trilhão de dólares. O rombo seria coberto pela emissão de títulos públicos. Considerados os papéis mais seguros do mundo, os investidores podem preferir comprar papéis do governo americano a aplicar em crédito ou ações.

Recuperação da China: o país precisa voltar a crescer em ritmo "chinês". Depois de anos de expansão vigorosa, a China já projeta um crescimento de 6% neste ano - uma verdadeira freada para os padrões de Pequim. "Não acho que uma nova lei para os bancos americanos seja o mais vital para os mercados emergentes de ações. O que acontece com a China é mais importante", afirma Jim O'Neill, economista-chefe do banco Goldman Sachs. Em 2008, a China foi o terceiro maior importador de produtos brasileiros, com 10,748 bilhões de dólares, ou 6,69% do total das exportações brasileiras. Grande consumidor de commodities, a deterioração da economia chinesa tem impacto direto sobre o desempenho de importantes blue chips brasileiras, como a Vale. Somente no terceiro trimestre, o país representou 20,1% da receita bruta da mineradora - praticamente o mesmo que toda a América do Sul (20,8%). E a Vale tem um grande peso no Ibovespa. Assim, enquanto os chineses não voltarem a consumir maciçamente o minério de ferro da brasileira, suas ações seguirão voláteis e, com elas, a própria bolsa.

Pechinchas na bolsa: para alguns especialistas, o que puxará a recuperação da Bovespa é a percepção de que os papéis já caíram demais, e está na hora de comprar. Esse impulso deveria vir dos próprios investidores brasileiros. Muitos gestores internacionais analisam com atenção as ações brasileiras, mas estão montando estratégias baseadas em outros ativos, como ações chinesas e títulos americanos. "Não estou certo de que a recuperação dos bancos americanos, ou da economia americana, vá necessariamente estimular o interesse dos investidores nos mercados emergentes. Parece mais provável que essas bolsas se recuperarão porque os investidores locais perceberão que as ações estão muito baratas", afirma economista americano John Williamson, conhecido como o "pai" do Consenso de Washington, por ter formulado os princípios que o nortearam.

Queda acelerada dos juros: com a bolsa volátil, os investidores elegeram a renda fixa como porto seguro. O Brasil é o país com a maior taxa real de juros do mundo, o que faz com que as aplicações em títulos atrelados aos juros sejam bem remuneradas. Para alguns economistas, a Bovespa também será incentivada se o Banco Central adotar uma política mais agressiva de corte da Selic, a fim de estimular a economia, já que a inflação está convergindo para a meta. Outra medida de estímulo que pode vir do governo brasileiro é o pacote habitacional.

Em meio a tantas incertezas, o único consenso dos economistas é que ainda não é possível declarar que a Bovespa engatou uma tendência prolongada de alta. "O pensamento comum de que as notícias ruins sobre o sistema financeiro mundial já estão incorporados nos preços dos ativos e que, portanto, os mercados estão prontos para se recuperar, não é realista", alerta um relatório do Banco Fator, assinado por Lika Takahashi. "Ainda continuamos sem saber a plenitude de seus efeitos sobre a economia global e as grandes mudanças que causará nos próximos meses e anos", completa. Por enquanto, ninguém parece apostar em uma alta duradoura, lastreada pela melhora dos fundamentos da economia mundial. A Bovespa deve continuar volátil, proporcionando oportunidades de ganho apenas entre os altos e os baixos.
 

Acompanhe tudo sobre:[]

Mais de Mercados

Dólar em queda e bolsa em alta: as primeiras reações no mercado após desistência de Biden

Realização de lucros? Buffett vende R$ 8 bilhões em ações do Bank of America

Goldman Sachs vê cenário favorável para emergentes, mas deixa Brasil de fora de recomendações

Empresa responsável por pane global de tecnologia perde R$ 65 bi e CEO pede "profundas desculpas"

Mais na Exame