Mercados

O que o gol de placa de Maradona na Copa tem a ver com os juros ingleses

Bank of England, o banco central local, sinaliza que utiliza a mesma estratégia do craque argentino no gol contra a Inglaterra na Copa do México, em 1986

Maradona celebra a conquista da Copa do Mundo no México, em 1986: lições para banqueiros centrais (David Yarrow/Divulgação)

Maradona celebra a conquista da Copa do Mundo no México, em 1986: lições para banqueiros centrais (David Yarrow/Divulgação)

B

Bloomberg

Publicado em 24 de outubro de 2020 às 07h00.

O Banco da Inglaterra (BoE, o banco central do país) fala tanto sobre taxas de juros negativas que poderia evitar ter que realmente usá-las.

O exame de consciência público da instituição -- desde que o presidente Andrew Bailey suavizou sua posição sobre a política monetária abaixo de zero pela primeira vez em maio -- está convencendo alguns investidores de que as autoridades não estão blefando sobre adotá-la. Então, novamente, criar essa expectativa sem decretar a medida pode ser exatamente o que desejam.

“Eles estão sinalizando para o mercado de forma muito proeminente, mas isso não significa que farão isso”, disse Thomas Costerg, economista sênior da Pictet Wealth Management, em Genebra. “Ainda não estou totalmente convencido de que irão por esse caminho.”

Segurar munição seria consistente com a tradicional cautela do BoE em relação a uma política que corrói a rentabilidade dos bancos na zona do euro. Uma estratégia de ameaçar uma ação sem necessariamente concretizá-la também sairia direto do manual de Mervyn King, antigo chefe do atual presidente do banco central britânico.

Em discurso em 2005 -- quinze anos antes do comentário inicial de Bailey em maio --, o ex-presidente do BoE citou um gol espetacular do argentino Diego Maradona para mostrar como um banco central pode atingir seu objetivo simplesmente orientando as expectativas.

King usou como exemplo a arrancada de 55 metros do argentino antes de marcar contra a Inglaterra nas quartas-de-final da Copa do Mundo de 1986, no México, em que o meia-atacante continuou avançando a partir do meio de campo até praticamente a pequena área, confundindo os adversários que esperavam que ele desviasse ao longo do caminho.

Expectativas alinhadas

“A política monetária funciona de maneira semelhante”, declarou King. “As taxas de juros do mercado reagem à expectativa do que o banco central vai fazer.”

Gertjan Vlieghe -- membro do atual painel de definição dos juros -- era um profissional júnior do BoE na época e um dos quatro que o então presidente citou como “efetivamente coautores” do discurso.

Se autoridades de política monetária desejassem que os investidores apostassem em taxas de juros negativas, sem realmente reduzi-las a tal ponto, para segurar a libra em um momento de fraqueza do dólar, as táticas de Maradona poderiam explicar a saga de cinco meses de comentários do BoE sobre o assunto. A observação mais recente foi feita na quinta-feira, 22, pelo economista-chefe do BoE, Andy Haldane.

“Nós do banco trabalhamos para garantir que a ferramenta esteja na caixa”, disse em conferência. “Isso não é nem remotamente o mesmo que dizer que estamos prestes a implantar essa ferramenta.”

Uma vulnerabilidade da abordagem, se mal conduzida, pode ser a credibilidade futura.

“O efeito Maradona foi usado com bastante sucesso no passado, mas você tem que ter cuidado com isso, porque é ‘o menino que grita lobo’”, disse Steven Major, responsável global pela área de renda fixa do HSBC, em entrevista à Bloomberg Television. “Faça isso muitas vezes e ninguém vai ouvir.”

Major não acha que essa seja a estratégia do BoE. Ele vê uma séria possibilidade de que o banco central acabe seguindo sua retórica e corte os juros abaixo de zero.

Acompanhe tudo sobre:Banco CentralJurosPolítica monetária

Mais de Mercados

Dólar fecha em queda de 0,84% a R$ 6,0721 com atuação do BC e pacote fiscal

Entenda como funcionam os leilões do Banco Central no mercado de câmbio

Novo Nordisk cai 20% após resultado decepcionante em teste de medicamento contra obesidade

Após vender US$ 3 bilhões, segundo leilão do Banco Central é cancelado