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Base para ações judiciais de investidores contra a Petrobras divide juristas

Perda de mais de R$ 70 bilhões com a queda no preço das ações da empresa pode levar à abertura de ações indenizatórias no Brasil e nos Estados Unidos

Empresa brasileira de petróleo pode entrar na mira de Justiça brasileira e dos EUA por interferência do governo Bolsonaro (Paulo Whitaker/Reuters)

Empresa brasileira de petróleo pode entrar na mira de Justiça brasileira e dos EUA por interferência do governo Bolsonaro (Paulo Whitaker/Reuters)

BA

Bianca Alvarenga

Publicado em 23 de fevereiro de 2021 às 06h15.

Última atualização em 23 de fevereiro de 2021 às 07h08.

A queda-de-braço entre Jair Bolsonaro e a Petrobras terminou com a possível substituição de Roberto Castello Branco, o atual presidente da companhia, pelo general Joaquim Silva e Luna. A posse de Silva e Luna depende ainda da aprovação pelo conselho de administração da empresa de petróleo, mas o anúncio já foi suficiente para derrubar em mais de 20% as cotações das ações da Petrobras na bolsa de valores brasileira e de Nova York em um dia.

O descontentamento de Bolsonaro com a política de preços da companhia e a sinalização de que o governo pode passar a interferir ativamente nas operações da Petrobras deixaram os investidores assustados. Como se não bastasse o possível prejuízo decorrente dessa interferência, desde a semana passada o mercado financeiro demonstra preocupação com a hipótese de a Petrobras ser alvo de ações judiciais de grupos de investidores lesados pela queda dos papéis.

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A munição para essas ações (chamadas nos Estados Unidos de class actions) é diversa: desde a falta de transparência na escolha do novo presidente da petroleira, cujo anúncio foi antecipado por Bolsonaro em uma live, passando pela indicação realizada sem um aviso formal ao mercado, até a própria perda de valor de mercado nos últimos dois pregões -- perda que já soma mais de 70 bilhões de reais, ou o equivalente a todo o valor da Natura na bolsa.

"Quem deve nomear o novo presidente da Petrobras não é a União, e sim o conselho de administração. Quando o Presidente da República vai às redes sociais e anuncia a troca do presidente da empresa para atender a interesses ideológicos próprios, ele está fazendo política pública com uma empresa privada", diz André Almeida, CEO da Almeida Advogados.

O escritório de Almeida foi um dos autores de uma class action movida nos Estados Unidos em 2014 contra a Petrobras. Na época, o objetivo da ação era ressarcir os acionistas minoritários pelos problemas de governança da estatal durante a apuração de crimes na Operação Lava-Jato. Por não ter comunicado corretamente o mercado sobre o envolvimento de executivos da empresa nas investigações, a Petrobras acordou em pagar 3 bilhões de dólares nessa ação.

Embora o plano de fundo atual não seja uma ação criminal, o advogado defende que a consequência é a mesma: o prejuízo aos acionistas minoritários por decisões tomadas pela empresa -- no caso, pelo governo, que é acionista majoritário.

Uma ação desse tipo seria inédita e por isso levanta discussões entre juristas. Para Érica Gorga, advogada que também atuou em processos no exterior contra empresas envolvidas na Lava-Jato, não há base suficiente para um questionamento desse tipo.

"Podemos discutir se Bolsonaro deveria ter anunciado a troca como fez e se foi ruim para a companhia, mas não existe base legal para processar a Petrobras por algo que o presidente falou. Não existe nem embasamento para isso, pois a companhia não fez nada de errado até agora", diz Gorga.

Na visão da advogada, a Petrobras só tem a responsabilidade de comunicar ao mercado a troca de presidente quando a indicação for formalizada no conselho de administração.

Não foi assim que a Comissão de Valores Monetários (CVM) entendeu a questão. A autarquia abriu uma investigação para avaliar se houve alguma irregularidade na forma com que a indicação de Silva e Luna foi feita. Pela legislação, empresas listadas em bolsa como a Petrobras devem comunicar informações importantes como essa por meio de um fato relevante, o que não aconteceu.

Ordem do presidente

Não é a primeira vez que a política de reajuste de preços dos combustíveis entra na mira de um Presidente da República. Durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, a Petrobras registrou um prejuízo de aproximadamente 100 bilhões de reais por subsidiar o diesel e gasolina aos consumidores brasileiros.

Na época, assim como agora, o preço do barril de petróleo subiu no mercado externo. Como importa parte do combustível repassado às refinarias, a Petrobras passou a comprar gasolina e diesel por um preço superior ao que era praticado no mercado nacional. A política foi orientada por uma tentativa do governo Dilma de conter a inflação por meio do congelamento dos preços dos combustíveis.

Apesar de o prejuízo de 100 bilhões de reais ter sido maior do que todo o rombo causado pelos esquemas de corrupção investigados pela Lava-Jato, a política de preços da Petrobras não foi mencionada em nenhuma ação judicial contra a empresa.

Ou seja: embora a interferência do governo na estatal não seja novidade, uma punição à Petrobras por essa razão seria inédita. "Apesar de realmente ter acontecido, a ingerência do governo sobre a política de preços da companhia não embasou a class action movida contra a petroleira", lembra Gorga.

Para André Almeida, o ineditismo não invalida a hipótese. Perguntado sobre as razões para a política de preços não ter entrado na ação movida contra a Petrobras no exterior em 2014, o advogado diz que o foco, naquela época, era outro.

"Já existia uma class action grande, então os esforços foram voltados para reparação de danos ao acionista em virtude das óbvias perdas investigadas na Lava-Jato. O problema agora é a nomeação de um novo presidente com o objetivo claro de levar à frente o projeto político do atual governo. A Petrobras é uma empresa privada com acionistas privados, sujeita à regra privada, mas que está sendo utilizada para objetivos públicos", aponta o advogado.

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