Unidade da Fogo de Chão, em São Paulo: para os donos da churrascaria, porém, os ganhos do real ajudam na importação de produtos por valores menores (Fogo de Chão/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 2 de setembro de 2011 às 14h29.
Brasília - Fãs de churrasco hoje gastam menos para degustar cortes brasileiros em Washington do que em Brasília. A diferença na conta em churrascarias especializadas em rodízio de carnes é sinal de que o Brasil está perdendo a “guerra cambial” do ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Um jantar na churrascaria Fogo de Chão da Avenida Pennsylvania, a cinco quadras da Casa Branca, em Washington, custa US$ 3,25 menos que na filial de Brasília. A diferença é fruto da queda de 31 por cento na moeda americana frente ao real desde o início de 2009. Caso os preços fossem os mesmos de hoje, naquela época a mesma refeição custaria US$ 14,70 a menos em Brasília.
A valorização do real, a maior expansão econômica em mais de duas décadas e a inflação tornaram São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília mais caras do que qualquer cidade dos EUA, segundo estudo da ECA International, empresa de recursos humanos com sede em Londres. O aumento no poder de compra, que impulsiona o consumo, também torna mais difícil a vida de empresas que competem com produtos importados.
“Hoje os custos de se abrir negócios no Brasil são mais altos do que nos EUA”, disse Arri Coser, ex-garçom de 49 anos que fundou o Fogo de Chão com seu irmão, Jair. “Alguns anos atrás, o gasto com carne por pessoa no Brasil era um terço do que nos EUA. Agora são iguais.”
Os setores calçadista, têxtil e de móveis estão entre os mais afetados pelo câmbio, disse José Augusto de Castro, vice- presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil, em entrevista por telefone do Rio de Janeiro. O real forte deve elevar o déficit comercial no setor de manufaturados neste ano para US$ 100 bilhões, segundo Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. No ano passado, o déficit foi de US$ 71 bilhões.
Importados mais baratos levaram a fabricante de calçados Vulcabras Azaleia SA a fechar, neste mês, sua fábrica em Parobé, no Rio Grande do Sul, de acordo com comunicado do dia 13 de maio à Comissão de Valores Mobiliários. A companhia demitiu 800 de seus 42.000 funcionários, reduzindo a produção em 3 por cento.
Expansão nos EUA
O slogan da Fogo de Chão, “o jeito gaúcho de fazer churrasco”, já se espalhou por 16 cidades dos EUA desde que o primeiro restaurante foi aberto no país, em Dallas, Texas, há 14 anos. No Brasil, maior exportador mundial de carne, a empresa abriu seis unidades desde 1979.
No ano passado, a receita da Fogo de Chão cresceu 12 por cento, para US$ 170 milhões, disse Coser. O potencial de expansão do negócio atraiu a gestora de recursos GP Investimentos Ltd., que comprou 40 por cento da rede em 2006 por US$ 64 milhões. Hoje, a GP, com sede em São Paulo, tem uma fatia de 35 por cento na empresa.
Com renda per capita quatro vezes superior à do Brasil, os EUA ainda oferecem mais oportunidades de negócio, disse Coser, em entrevista por telefone de São Paulo. No momento, os donos do Fogo de Chão se preparam para abrir dois novos restaurantes nos EUA, um em Las Vegas e outro em Orlando, e um no Rio de Janeiro.
Cidades mais caras
A alta inflação e o real valorizado tornaram, no ano passado, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília cidades mais caras para se viver do que Nova York, segundo a ECA International. O Rio passou do 51º para o 19º lugar no ranking da empresa entre 2009 e 2010. São Paulo foi do 71º para o 26º lugar e Brasília do 70º para o 30º. A ilha de Manhattan, uma das regiões de Nova York e onde fica Wall Street em Nova York, está na 28ª posição na lista da ECA International.
Como serviços não sofrem concorrência de importados, a alta nos preços desse setor tem superado os reajustes de outros segmentos. A inflação de serviços, que inclui desde depilação até refeições fora de casa, acelerou para 8,57 por cento no mês passado, ritmo mais elevado em pelo menos 15 anos.
A indústria, por sua vez, enfrenta dificuldades por conta do câmbio elevado no Brasil. Desde 2003, o real se valorizou 122 por cento em relação ao dólar, a maior alta entre 25 moedas de países emergentes acompanhadas pela Bloomberg.
‘Guerra cambial’
Mantega, que cunhou o termo “guerra cambial” no ano passado, triplicou o Imposto sobre Operações Financeiras para investimentos estrangeiros em renda fixa para tentar conter a alta do real e proteger a indústria. Desde que Dilma Rousseff assumiu a Presidência, o ministro elevou o imposto sobre captações externas em três ocasiões, enquanto o Banco Central intensificou sua intervenção no mercado de câmbio.
A diferença entre as taxas de juros no Brasil e no exterior estimula o fluxo de capital externo ao País. Investidores estrangeiros trouxeram US$ 49,5 bilhões para o Brasil de janeiro a meados de maio, quase duas vezes mais que os US$ 24,4 bilhões de todo o ano passado.
O convívio com uma moeda forte é um desafio maior para o governo do que controlar a inflação, disse Gray Newman, economista-chefe para a América Latina do Morgan Stanley, em Nova York.
“’Guerra Cambial’ não é apenas um slogan engenhoso”, disse Newman. “O real forte tem sido extremamente positivo para estimular demanda, mas está num patamar destrutivo para a produção nacional.”
Para os donos do Fogo de Chão, os ganhos do real ajudam o negócio.
“Importo vinho, azeite. Compro carne do Uruguai e da Argentina e cordeiro do Chile e da Nova Zelândia”, disse Coser.