Americanas: aposta de queda da ação cresceu 600% antes de empresa anunciar rombo de R$ 20 bi
Período de crescimento das posições vendidas coincide com início das vendas de ações por membros da diretoria da empresa
Guilherme Guilherme
Publicado em 13 de janeiro de 2023 às 12h55.
Última atualização em 13 de janeiro de 2023 às 13h13.
A quantidade de ações da Americanas em aluguel cresceu 580% entre o fim do segundo trimestre do ano passado e o pregão de quarta-feira, 11, anterior ao anúncio de que a empresa encontrou "incosistências contábeis" avaliadas em R$ 20 bilhões. Em termos nominais, o número cresceu de11,12 milhões de ações para 75,86 milhões.
O aumento do aluguel de ações necessariamente significa que houve um aumento – e, nesse caso, muito relevante – nas apostas de queda nas ações. Nesses casos, os investidores ganham dinheiro quando uma ação cai. Eles primeiro vendem as ações e depois compram, num ciclo inverso. Por isso, existe a expressão “os vendidos” do mercado.
Após o anúncio das inconsistências nos balanços, na quinta-feira, 12, as ações da Americanas caíram 77%, provocando ganhos significativos para os vendidos.
O crescimento das posições vendidas, de acordo com dados da B3, teve início em julho -- período que coincide com o começo das vendas de participação da antiga diretoria da Americanas.
O número de ações alugadas aumentou de 11,12 milhões para 18,18 milhões entre o começo de julho e 19 de agosto, antes da chegada de uma nova diretoria comandada pelo executivo Sérgio Rial se tornar pública.
Entre os comprados, o anúncio de que Rial assumiria a empresa em 2023 foi comemorada, com a ação chegando a disparar 22,5% no pregão seguite e mais 16% no subsequente. Do lado dos vendidos, aumentaram as apostas de queda. Em três pregões após o anúncio de Rial, as posições em aluguel disparam 89% para 34,3 milhões de ações. Naquele mês, as vendas da diretoria da Americanas foram de 3,4 milhões de ações, 107,3% a mais que a registrada em julho. Em setembro, a diretoria viria a vender mais 6 milhões de ações avaliadas, na época, a R$ 124,15 milhões.
Ao fim do terceiro trimestre, a direitoria já havia vendido 12,5 milhões de ações a um valor total de R$ 212,4 milhões. O saldo com que os diretores encerraram o período, de 20,1 milhões de ações da Americanas, só não foi ainda menor devido à subscrição de outras 1,47 milhão de ações da empresa. No quarto trimestre, a diretoria vendeu mais 1,5 milhão de ações, encerrando 2022 com 18,59 milhões, 40,3% abaixo do montante registrado no início de julho.
Mas enquanto diretores reduziam o volume de vendas de ações no quarto trimestre, no mercado, as posições vendidas não pararam de aumentar. Em outubro, quando a diretoria já havia se livrado de 35% da participação que detinham, a quantidade de ações em aluguel chegou a saltar para 66,49 milhões de ações.
A quantidade máxima de ações em aluguel, no entanto, só foi atingido em 21 de dezembro, quando bateu 79,44 milhões de ações. O volume da aposta de queda chegou a R$ 700 milhões, considerando o preço em que as ações eram negociadas na época. Com a alta de 31% das ações da Americanas nas últimas duas semanas do ano, a quantidade de ações em aluguel caiu, encerrando o ano em 60,01 milhões.
As apostas de queda, contudo, voltaram a subir nos primeiros pregões de 2023, após Rial ter assumido o comando da empresa. Mesmo com as ações a um preço cada vez mais alto, as apostas de desvalorização cresceram em mais 15,85 milhões, atingindo a máxima 75,86 milhões até quarta-feira, 11, véspera do anúncio que derrubou o preço das ações. Rial, assim como o novo CFO, André Covres, deixaram a empresa após terem detectado as falhas contábeis.
A CVM, xerife do mercado financeiro brasileiro, abriu três processos administrativos contra a Americanas. Um deles, sob sigilo, será conduzido pela Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários, que analisa casos de informação privilegiada.
Como funciona a posição vendida?
Quem aluga uma ação é ‘enxergado’ pelo sistema como alguém que efetivamente é dono desse papel. Dessa forma, pode vender o ativo na bolsa e receber o dinheiro pela transação. Os contratos de aluguel têm prazo estabelecido. Quando acabam, é preciso devolver as ações ao dono de fato, que era o chamado doador no contrato. Para isso, aquele que alugou, conhecido como tomador, precisa comprar a ação na bolsa e entregá-la de volta.
Se, quando for fazer essa devolução, a ação estiver mais barata do que quando vendeu, o investidor embolsa a diferença. Quando maior a queda, maior o lucro. Em alguns casos, quando a ação sobe muito, os vendidos são forçados a comprá-las para limitar as perdas, alimentando ainda mais a ponta compradora. É o tal do short squeeze. Quando os vendidos são apertados contra a parede.