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Escalada de conflito no Oriente Médio não está precificada, diz Tony Volpon, ex-BC

Economista acredita que valorização do petróleo foi "modesta" em relação à de outras crises na região

Tony Volpon: "As taxas de juro de longo prazo, que já estavam subindo devido à política expansionista do governo Joe Biden, sofreram nova alta por um erro de comunicação do Fed. O Fed jogou gasolina na fogueira" (WHG/Divulgação)

Tony Volpon: "As taxas de juro de longo prazo, que já estavam subindo devido à política expansionista do governo Joe Biden, sofreram nova alta por um erro de comunicação do Fed. O Fed jogou gasolina na fogueira" (WHG/Divulgação)

Guilherme Guilherme
Guilherme Guilherme

Repórter de Invest

Publicado em 16 de outubro de 2023 às 17h52.

Última atualização em 16 de outubro de 2023 às 18h48.

A guerra travada entre Israel e Hamas é a mais nova fonte de instabilidade nos mercados globais. Seu efeito mais direto foi a alta do preço do petróleo. O barril terminou a primeira semana do conflito acima de US$ 90. Nesta segunda-feira, 16, a commodity chegou a ceder parte da alta, com rumores sobre a retirada de sanções sobre a Venezuela, mas logo voltou a subir. A recente valorização, porém, foi bastante "modesta", se comparada à de outras crises no Oriente Médio, na avaliação de Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e professor de economia internacional da Georgetown University.

"O mercado está apostando que a crise não vai se multiplicar, com envolvimento de outros países. Isso pode ser verdade ou um grande erro do mercado", afirmou Volpon em entrevista à EXAME Invest.

As maiores preocupações são quanto ao possível envolvimento do Irã no conflito. O país, embora negue, teria participado da organização para os ataques em Israel, de acordo com reportagem do Wall Street Journal. Investidores temem que uma eventual sanção ao petróleo iraniano provoque um novo choque de oferta. "Seria uma outra pancada. O petróleo a US$ 100 mata o pouso suave dos Estados Unidos", disse Volpon.

O pouso suave (ou soft landing, como é chamado internacionalmente) seria a passagem ilesa da atividade econômica pelo resfriamento da inflação. O fenômeno se tornou o cenário-base de grandes bancos de investimento diante da desaceleração dos índices de inflação americanos e resiliência dos dados de atividade. Mas Volpon não está tão otimista de que isso irá ocorrer. Além dos riscos ligados ao preço do petróleo, Volpon vê outra complicação para um pouso suave: um possível exagero na política monetária do Fed.

"As taxas de juro de longo prazo, que já estavam subindo devido à política expansionista do governo Joe Biden, sofreram nova alta por um erro de comunicação do Fed. O Fed jogou gasolina na fogueira."

Os juros elevados dos Estados Unidos, afirmou Volpon, se tornaram o principal fator limitante para ciclo de queda da Selic do Banco Central brasileiro. "Os cortes podem passar de 0,5 ponto percentual para 0,25 antes do que o mercado imagina."

Confira a entrevista com Tony Volpon, ex-diretor do Banco Central e professor de economia internacional da Georgetown University.

Como o senhor avalia o cenário econômico mundial? 

Há três turbinas no avião da economia global, que são os Estados Unidos, a China e a Europa. Duas já pararam de funcionar corretamente e apenas uma está mantendo o avião de pé. Ao menos, por enquanto.

A China experimentou um longo período de crescimento, impulsionado pelo aumento do crédito e endividamento, mas agora está se aproximando de seus limites. Isso não é apenas prejudicial para a economia global, mas também pode levar a China a adotar uma postura geopolítica mais agressiva para compensar a desaceleração doméstica.

Na Europa, a atividade econômica está desacelerando significativamente. A guerra na Ucrânia continua, mas a contraofensiva enfraqueceu. A derrota da Rússia ou uma solução para o conflito poderiam encerrar a guerra, mas atualmente há um impasse, o que significa que a guerra pode continuar por um longo período, com custos humanos e financeiros significativos

Já nos Estados Unidos, a economia parece não estar respondendo como esperado ao aperto monetário. Eventos externos, juntamente com o aumento das taxas de juro nos Estados Unidos, podem prejudicar o motor que estava liderando o crescimento. As perspectivas de um pouso suave nos Estados Unidos estão diminuindo, mas ainda não há sinais claros de uma crise econômica iminente. A maioria das casas ainda tem uma visão otimista de que teremos um pouso suave, mas tenho dúvidas que caminharemos para um final feliz. Uma recessão moderada, por outro lado, não seria ruim para o Brasil. 

Por que uma recessão leve nos EUA não seria ruim para o Brasil? 

Porque poderia resultar em uma queda do dólar global e das taxas de juro no Brasil. Uma recessão moderada seria caracterizada por um PIB próximo de zero e uma taxa de desemprego em torno de 5%, o que ajudaria a aliviar a pressão inflacionária e abriria a possibilidade de cortes nas taxas de juro pelo Fed. A normalização das condições de oferta levou a alguma desinflação, mas há preocupações de que um excesso de consumo e renda possa reverter essa tendência, especialmente na inflação de bens. 

Como o conflito no Oriente Médio altera esse cenário?

O Oriente Médio desempenha um papel importante no cenário econômico global, especialmente em relação ao preço do petróleo. Um aumento no preço do petróleo pode impactar a economia dos Estados Unidos de duas maneiras: mais inflação e uma desaceleração na atividade econômica, criando uma situação de estagflação. Isso tornaria mais desafiador para o Fed sinalizar cortes nas taxas de juro com a inflação subindo.

O risco de envolvimento de grandes produtores de petróleo no conflito pode impulsionar ainda mais o preço do barril?

A alta que o  petróleo teve até agora foi bem modesta, se comparada à de outras crises no Oriente Médio. O mercado está apostando que a crise não vai multiplicar com envolvimento de outros países. Isso pode ser verdade ou um grande erro do mercado.

O grande risco é o envolvimento de produtores de petróleo, como o Irã?

O possível envolvimento evidentemente, preocupa todo mundo. É uma situação complexa, uma tragédia humana. Mas é isso. Se começar a desarticular o mercado que já está desabastecido pelos cortes de Arábia Saudita e Rússia, será outra pancada na oferta. O petróleo a US$ 100 mata o pouso suave.

O risco, hoje, é o Fed ser excessivamente contracionista ou brando demais na política de juros?

Há um risco maior relacionado à atividade econômica que à inflação. As taxas de juro de longo prazo, que já estavam subindo devido à política expansionista do governo Joe Biden, sofreram uma nova alta por um erro de comunicação do Fed. O Fed jogou gasolina na fogueira. Foi algo desnecessário. Isso pode enterrar a possibilidade de pouso suave e levar os EUA a uma recessão leve. Isso permitiria ao Fed começar a sinalizar corte de juros, mudando o discurso de "juro alto por muito tempo", que é ruim para o mundo inteiro e para a nossa taxa de juro, que, diferentemente da americana, está muito salgada.

A política monetária do Fed se tornou o principal fator limitante do ciclo de cortes da Selic?

O Banco Central, como o mercado, acaba prestando mais atenção naquilo que está fora da curva. Acho que a dinâmica inflacionária ainda é positiva no Brasil e que a expectativa de inflação está acima da meta por dúvidas sobre como será a gestão do Banco Central depois da saída do Roberto Campos. O que pode mudar positivamente ou negativamente, no curto prazo, é o Fed, a taxa de juro americana. Se o cenário dos Estados Unidos for mesmo de juros altos por muito tempo, vai restringir a queda de juros do Banco Central. Aí, o corte pode cair de 0,5 ponto percentual para 0,25 mais cedo que o esperado.

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