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Erros (velhos) que se desenham

A economia parece ausente da eleição e talvez não vamos assistir a uma reflexão ou um debate profundo sobre novos caminhos do desenvolvimento brasileiro

Gustavo Franco: não é a primeira vez que o Brasil se vê diante de um “choque do petróleo”. A experiência histórica teria muito a ensinar, caso fosse lembrada (Leonidas Santana/Getty Images)

Karla Mamona

Publicado em 7 de março de 2022 às 14h25.

Última atualização em 5 de abril de 2022 às 15h03.

Espremido por um Carnaval meio proibido, meio informal, o mês de fevereiro foi curto, mas contundente em suas mensagens. A ômicron fez o prefeito do Rio de Janeiro adiar os desfiles de escola de samba para os feriados de abril, não deixando alternativa ao país senão começar imediatamente o ano letivo de 2022, ano de eleição, portanto, carregado de agendas econômicas e políticas.

Como se não bastassem os problemas já presentes, todavia, quis o destino que, nos dias em que o país estaria distraído pelo Carnaval, a Rússia invadisse a Ucrânia, dando início a uma turbulência geopolítica de proporções e repercussões impossíveis de delimitar, inclusive com alinhamentos locais tão radicais como surpreendentes.

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Há apoios declarados a Vladimir Putin à esquerda e à direita, nos extremos do espectro, parecendo difícil antever os efeitos do conflito na paisagem política brasileira e sobre as eleições em particular.

A movimentação dos candidatos e partidos políticos foi intensa. Em si, a multiplicação de conversas revela que a corrida já começou para valer. Não há sinal de Terceira Via, por ora, mas já não é mais cedo demais para se falar nesse assunto.

Na verdade, o espectro da Terceira Via parece ser a maior das forças a estimular Lula a incorporar Geraldo Alckmin em sua chapa, o que, todavia, tarda a se confirmar.

Seria o primeiro movimento significativo dos extremos para estrangular o centro, com impactos muito positivos para a governabilidade de uma Presidência petista, mas de efeitos muito complexos no tabuleiro político regional, particularmente em São Paulo. Daí a dificuldade, a hesitação e o tempo de espera.

No campo bolsonarista, não há movimento na direção do centro ou da moderação, com vistas a fechar os espaços para uma Terceira Via. Pelo contrário, o presidente parece buscar atiçar suas bases mais orgânicas, e respectiva militância, e repetir a estratégia de assegurar o monopólio do antipetismo e o domínio (o assédio) nas redes sociais.

O respiro nas pesquisas divulgadas durante o mês, exibindo certa diminuição da diferença, faz crer que o jogo não está decidido.

Não há praticamente nenhuma definição sobre planos futuros para a economia nas candidaturas liderando as pesquisas. Lula exibe sua indefinição dando voz a um conjunto tão grande de assessores econômicos que mais se assemelha uma assembleia estudantil. Pode significar que há peso e substância nos planos econômicos petistas, mas se é verdade que em 88 economistas será possível chegar a mais de 100 ideias diferentes, segue-se que a assembleia é apenas uma fórmula de driblar o debate e deixar o assunto da economia, em todas as suas vertentes, para o candidato decidir no devido tempo.

Do lado bolsonarista, o presidente nada indica sobre a permanência de Paulo Guedes, e menos ainda sobre sua simpatia a qualquer das ideias liberais que seriam a marca desse ministério. Sem essa “marca”, o presidente não é capaz de exibir qualquer personalidade no terreno das ideias econômicas.

Tudo considerado, a economia parece totalmente ausente da eleição, por ora. Ao que tudo indica, não vamos assistir, nesse ciclo eleitoral, a uma reflexão ou um debate muito profundo sobre novos caminhos do desenvolvimento brasileiro.

É claro que tudo pode mudar a depender dos desdobramentos do que se passa na Ucrânia. O Brasil aparenta estar distante de tudo isso, por enquanto, mas a extensão dos efeitos pode ser muito grande e prolongada.

Fica certamente mais remota a possibilidade de uma recuperação econômica mais vigorosa que pudesse ajudar a reeleição do presidente. Este era um cenário não inteiramente improvável em vista do vislumbre do fim da pandemia por conta da menor agressividade da ômicron e a normalização dos problemas em cadeias de fornecedores, nacionais e internacionais. Mas a Ucrânia fez crescer novamente as cautelas, agora motivadas pelo que vem do exterior. A cidadania econômica global é proposição muito complexa, os russos que o digam.

Não há clima para nada muito criativo e impactante emergindo do Legislativo, ressalvado o espaço para a proverbial irresponsabilidade fiscal típica das eleições e para a pirotecnia. O Executivo parece empenhado em montar um pacote de nítida intenção eleitoral, resta ver do que será composto.

Não progrediu a ideia de uma nova fórmula de preços de derivados do petróleo, em que houvesse alíquotas de impostos sobretudo estaduais que tivessem relação inversa com os preços do petróleo. Ainda que o próprio Lula abordasse o assunto e com propósitos semelhantes aos do presidente, ninguém parece disposto a se arriscar em algum modelo alternativo de tratamento para choques de oferta dessa grandeza.

O tema deve permanecer vivo e contencioso, todavia, pois tudo indica que o petróleo ficará acima de US$ 100 por um bom tempo, afetando a inflação brasileira e aguçando as tentações populistas e a imaginação criadora da assessoria brasiliense.

Não é a primeira vez que o Brasil se vê diante de um “choque do petróleo”. A experiência histórica teria muito a ensinar, caso fosse lembrada, o que, infelizmente, não é o que se passa.

A inflação não deu propriamente sinais de fraqueza, mas também não se agravou. Por ora. O Copom indicou que confia em seu tratamento para o assunto: entregou mais um aumento na 1,5% na Selic, que atingiu 10,75%, e em seus comunicados fez claro que o ciclo de alta está se encerrando, ou que os próximos movimentos serão mais moderados, mantidas as atuais condições. Em mais um par de reuniões, é o que o contexto sugere, o Copom manteria os juros estáveis pelo tempo necessário para a inflação ceder.

Esse era o plano anterior aos eventos na Ucrânia: um conservadorismo monetário cauteloso, buscando preservar a recuperação na atividade. Mas é bem possível que a guerra traga um tanto mais de inflação, e com isso force a Autoridade Monetária a rever sua estratégia.

Mas seria a guerra inflacionária? Como lidar com esse novo “choque do petróleo”?

Duas reflexões finais, referentes a falácias muito comuns e pertinentes a essas perguntas:

A primeira e mais importante se refere a um erro muito comum, o de assumir que o Brasil, por ser economia muito fechada (no sentido de o comércio exterior ser pequeno relativamente ao PIB), está protegido do choque externo. Errado.

Sucessivas gerações de historiadores e cronistas da recorrente “vulnerabilidade externa” de países que escolheram a via da “substituição de importações” e da autossuficiência como estratégia de desenvolvimento concluíram, contrariamente ao senso comum, pela tese segundo a qual o rabo balança o cachorro. Quanto mais fechado mais vulnerável, ou mais difícil lidar com choques externos.

A demonstração desse aparente paradoxo é muito simples.

Pense em uma economia fechada como o Brasil e outra aberta como a Coreia do Sul, e que ambas precisam aumentar o seu saldo comercial (digamos em 6% do PIB), como resposta ao choque externo, e que ambas possuem a mesma elasticidade do comércio exterior com relação a desvalorizações cambiais reais (unitária, digamos).

Nessa situação, a economia aberta (com importações e exportações na faixa de 30% do PIB) precisaria de uma desvalorização inferior a 10% para a acomodar o choque enquanto a economia fechada (com importações e exportações na faixa de 10% do PIB) vai precisar de uma desvalorização de uns 30% ou 40%, dependendo da conta [1], com as consequências que se conhece.

Choques externos são muito mais inflacionários nas economias fechadas, e quanto mais fechada maior a inflação ceteris paribus. Segue-se que o Brasil não está protegido por ser fechado, antes pelo contrário.

A segunda falácia se vê com clareza na fala da ministra da Agricultura, Teresa Cristina, e do próprio presidente, quando externam preocupação com a “dependência” do Brasil em fertilizantes importados, e em planos mirabolantes de “autossuficiência”. É o raciocínio clássico, e errado, sobre como lidar com choques externos.

O setor de fertilizantes tem sido contemplado por políticas e incentivos com vistas a subverter as vantagens comparativas ao menos desde o famoso “Segundo PND”, o incensado plano de autarquia do general Geisel, com o qual se esperava que o Brasil respondesse aos choques do petróleo dos anos 1970 com mais fechadura em vez de abertura.

O Segundo PND, nem a substituição de importações genericamente, não foi capaz de revogar a lei das vantagens comparativas. Nem o será.

Espera-se que tenhamos aprendido com esses erros, mas parece que não. O apelo da falta de imaginação e a inclinação na direção de erros velhos e conhecidos são fortíssimos em lideranças confusas submetidas a conjunturas difíceis.

*Gustavo Franco é sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos e ex-presidente do Banco Central do Brasil. Este artigo faz parte da Carta Estratégias de março, relatório mensal distribuído pela Rio Bravo a seus clientes e reproduzido com exclusividade pela EXAME Invest.


[1] Mais detalhes desse exercício numérico podem ser encontrados em O desafio brasileiro (ensaios sobre desenvolvimento globalização e moeda). Rio de Janeiro, Editora Zahar, 1999, págs. 58-61.  A tese original é de 1994: W. Fritsch e G. H. B. Franco “Import compression, productivity slowdown and manufactured export dynamism, Brasil 1975-90” em Trade policy and industrialization in turbulent times.G. Helleiner (org.) London, Routledge, 1994.

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