(Spencer Platt/Getty Images)
Paula Barra
Publicado em 1 de fevereiro de 2021 às 12h47.
Última atualização em 1 de fevereiro de 2021 às 13h10.
Na semana passada, os mercados ficaram fixados por uma alta astronômica das ações da Gamestop, uma varejista de videogames americana, que viu suas ações subirem em um certo momento mais de 2.400% em menos de um mês. O movimento foi impulsionado por investidores pessoas físicas, que se reuniram por meio do fórum WallStreetBets, da rede social Reddit, para tentarem impor perdas a grandes fundos de investimentos que operavam vendidos, apostando na queda dos papéis.
As perdas dos fundos chegaram a mais de um bilhão de reais em um único pregão. Em meio à alta desgovernada das ações, nos últimos dias, as corretoras americanas anunciaram restrição para negociação com os papéis. O bloqueio levou os papéis da companhia para uma queda de 44% na última quinta-feira, mas durou pouco. Em meio a diversas críticas de usuários das plataformas e de outros participantes da sociedade americana, a Robinhood, corretora que ficou famosa entre investidores iniciantes e traders, informou, na noite de quinta-feira mesmo, que permitiria "compras limitadas" com as ações. Na sexta-feira, os papéis da GameStop voltaram a subir 68% na Bolsa de Nova York.
Como essa legião de pequenos investidores conseguiu promover essa disparada nos preços de uma varejista de videogames tradicional?
No último pregão de 2020, os papéis da companhia eram cotados a 18,84 dólares. Nesta semana, chegaram a bater no movimento intradiário 483,00 dólares, o que corresponde a uma valorização de 2.464% frente ao fechamento do ano passado. Agora, são cotados na casa dos 235,00 dólares, o que corresponde ainda a uma alta acumulada no ano, até o momento, de 1.147%.
Dois fatores podem explicar o movimento. O primeiro deles, o mais falado, um “short squeeze” com as ações. Esses pequenos investidores perceberam que as ações da GameStop era uma das mais procuradas no mercado americano por aqueles que querem apostar na queda (“short”) de um papel.
Para fazer isso, o investidor precisa primeiro tomar emprestada as ações em uma corretora para, posteriormente, vendê-las no mercado, com a expectativa de que o preço caía. Assim, ele compra as ações de volta, em um valor mais baixo, e as devolve para a corretora, embolsando o lucro com a operação. O problema é que há a possibilidade, considerada de alto risco, de fazer essa operação a descoberto -- isto é, vender a ação sem alugar antes o papel --, estando sujeito a ter que comprar as ações de volta, eventualmente, a qualquer preço.
No caso da GameStop, a quantidade de ações “short” (vendida) chegou a bater 140% de seus papéis em circulação no mercado. Ou seja, tinha mais gente vendida na ação do que o total de ações da empresa disponíveis no mercado, o que sugere que muitos desses investidores estavam vendidos a descoberto.
Isso significava para os pequenos investidores, que, se eles reunissem em um número suficientemente grande, poderiam empurrar os preços dos papéis para cima, o que faria com que os investidores que estivessem vendidos tivessem que comprar as ações, limitando assim as suas perdas. A questão é que, ao fazer isso (comprar as ações para encerrar o "short"), esses investidores puxariam os papéis ainda mais para cima, gerando o famoso “short squeeze” -- violentos movimentos de alta nos preços ocasionados por uma corrida dos vendidos, o que ocorreu.
Mas não para por aí. Além das ações, houve também um aumento na negociação do mercado de derivativos, com opções de compra ("calls") de ações da companhia.
Se um trader quiser comprar uma opção de compra de uma ação a um preço muito superior ao registrado em tela, ele pode fazer isso pagando um preço bem reduzido. Por exemplo, segundo dados da Bloomberg, no dia 21 de janeiro, um investidor que quisesse uma "call" da GameStop com um preço de exercício de 60 dólares (naquele pregão, as ações fecharam cotadas a 43,03 dólares), ele poderia comprá-la a 0,07 centavos de dólar.
Normalmente, esses contratos de opções são lançados por um "market marker" (formador de mercado), cuja função é justamente fornecer liquidez ao mercado. Para proteger sua exposição, esse formador de mercado geralmente compra algumas ações para buscar equilibrar seu risco. Como ele faz isso?
Quanto mais "dentro do dinheiro" estiver dessa "call", ou seja, quanto mais o preço de exercício desse contrato estiver abaixo do preço de tela, mais o formador de mercado terá que comprar em ações da companhia para reduzir seu risco.
Isso é calculado usando as letras gregas do mercado de opções, mais especificamente, o delta e gamma. E é dessa última que vem o nome do segundo squeeze com GameStop: o "gamma squeeze", que impulsionou ainda mais a alta das ações.
Para entender o movimento, primeiro é preciso conhecer essas duas letras gregas, começando com o delta. Ele representa a mudança esperada no preço de uma opção no caso da ação subjacente se mover em 1 dólar (ou real, aqui no Brasil). Por exemplo, uma opção com delta 0,2 varia 0,20 centavos de dólar para cada um dólar que a ação variar.
As opções "no dinheiro", isto é, com o preço de exercício igual ao preço de tela do ativo subjacente, tendem a ter um delta de cerca de 0,5, com o delta se aproximando de 1,00, conforme a opção de compra se mova mais profundamente para "dentro do dinheiro", ou seja, passe a ter seu preço de exercicio abaixo do valor de tela da ação subjacente.
Já o gamma estima a mudança no delta caso a ação se mova em 1 dólar, medindo efetivamente a aceleração do delta, conforme a opção fique mais "dentro do dinheiro". Uma opção com gamma de 0,10 significa que quando o papel sobe ou cai 1%, o delta diminui em 0,10.
Outra forma de interpretar o delta é que ele pode mostrar aproximadamente quantas ações o investidor precisaria ter para equiparar seus ganhos no mercado de opções. Exemplificando: uma vez que um contrato de opções de compra nos EUA representa 100 ações, ter uma opção de compra com um delta de 0,50 seria semelhante a possuir 50 ações dessa empresa -- ambas as posições (com ações e com as opções) ganhariam 50,00 dólares caso as ações subjacentes se valorizassem em 1,00 dólar.
Portanto, quando um investidor compra uma opção de compra "no dinheiro" (que normalmente tem o delta de 0,5) de um formador de mercado, esse formador de mercado, que lançou o contrato -- e por isso, está vendido em uma opção -- tem uma posição delta negativo de 0,5. Para proteger seu risco, esse formador de mercado normalmente compra 50 ações dessa empresa que fez o lançamento das opções.
Caso a ação continue a subir, a posição delta do formador de mercado também se torna cada vez mais negativa a uma velocidade mais rápida em função do gamma, exigindo que ele compre mais ações, empurrando o preço desse papel cada vez mais para cima. Tal movimento é conhecido como "gamma squeeze", uma corrida de investidores para comprar ações no mercado que se assemelha ao "short squeeze".
"No caso da GameStop, as ações dispararam tão rapidamente que não haviam nem strikes (preço de vencimento das opções) para acompanhar o preço do ativo. Chegou um momento que as ações superavam todos os strikes de opções de compra lançados com a ação, o que foi naturalmente se ajustando conforme os market makers foram observando a situação", comenta o especialista em mercado de opções Luis Fernando Roxo, sócio-fundador da ZenEconomics.
De acordo com ele, com a força de compra nos derivativos, "muitas vezes, em eventos como esse, é possível que as posições sintéticas ultrapassem o número de ações disponíveis no mercado, fazendo o preço das opções irem para lua". Ele aponta que a volatilidade das opções de GameStop estava "absurdamente alta nos próximos vencimentos".
Diferentemente do Brasil, em que o vencimento de opções sobre ações ocorre uma vez por mês (sempre na terceira segunda-feira de cada mês), nos EUA, há vencimento de opções toda semana (sempre nas sextas-feiras). Na última sexta-feira, a volatilidade média implícita das opções de GameStop daquele vencimento chegou a 1.519,7%. Para a próxima sexta-feira, estava em 839,5%, como é possível observar na última coluna do quadro abaixo.
Segundo dados da Bloomberg, na sexta-feira, foram negociados 913 mil contratos de opções de compra de GameStop, muito acima da quantidade de contratos em aberto de aproximadamente 400 mil no dia anterior. Em conjunto, foi possível observar um aumento exponencial nos valores negociados com as ações da companhia, atingindo 29,3 bilhões de dólares na última terça-feira.
"Pelo menos, os strikes maiores que o preço dos ativos já foram ajustados", aponta Roxo.
Na imagem abaixo, é possível ver os contratos da GameStrike com os maiores strikes em aberto. Para o vencimento do dia 19 de fevereiro, há calls de Game Stop com preço de exercício acima de 400 dólares.
Atualmente, os papéis são cotados na casa dos 235 dólares. Nesta sessão, registram queda de 28% na Bolsa de Nova York perto das 13h (horário de Brasília).