Real digital deve focar em câmbio e não em pagamentos, dizem especialistas
Em debate da EXAME sobre as moedas digitais de bancos centrais, especialistas afirmam que CBDC brasileira não deve seguir modelos de outros países
Gabriel Rubinsteinn
Publicado em 27 de novembro de 2020 às 07h51.
Em debate sobre as moedas digitais emitidas por bancos centrais — as chamadas CBDCs — especialistas no assunto afirmam que o Brasil não deve buscar uma solução para pagamentos digitais com o "real digital", mas sim uma solução mais eficiente para câmbio e remessas internacionais.
"A digitalização da moeda pode afetar duas coisas: meios de pagamento e transações entre países — câmbio e etc. No caso do Brasil, já existe um sistema eficiente para o primeiro, e com o Pix fica ainda mais eficiente. Então eu vejo uma CBDC brasileira interessante olhando para essa questão do mercado externo", afirmou o economista Gustavo Cunha.
Aristides Cavalcante, chefe do Escritório de Segurança Cibernética e Inovação Tecnológica na Banco Central do Brasil e coordenador do grupo de estudos sobre o "real digital" na instituição, também afirma que, para a instituição, pagamentos digitais não são mais um problema no país após o lançamento do Pix: "As discussões nos bancos centrais ainda estão muito ligadas ao pagamento de varejo. Para isso temos o Pix. Nós acreditamos que uma CBDC deveria servir à criação de novos modelos de negócio", afirmou.
"Cada país tem que entender a sua realidade, as suas prioridades. Na China, eles querem uma alternativa aos sistemas de pagamento digitais, como AliPay e WeChat. Nos Estados Unidos, eles constataram que precisam melhorar a eficiência do sistema de pagamentos. Já na Europa, que já tem um sistema digital há mais tempo, querem dar um passo mais adiante, trabalhar mais a questão de delivery versus payment [liquidação de valores mobiliários], tornar isso mais eficiente e acessível. É dentro dessa perspectiva que nós estamos olhando, porque aqui temos um arranjo de pagamentos que a gente acredita que vai trazer acessibilidade à população e ser um drive de transformação digital, que é o Pix", explicou Aristides.
Para Aristides, cada país que está desenvolvendo sua CBDC, como a China, a Suécia, o Camboja, ou a União Europeia, entre outros, tem um objetivo diferente, e isso acontece também com o Brasil: "Cada país tem um modelo diferente, um foco diferente. No Banco Central Europeu eles têm outra ênfase [em relação à China], que é mais alinhada com a nossa. Para pagamentos do dia a dia, o Pix endereça bem. Mas quando você tem a transformação digital no sistema financeiro, digitalizando moedas e ativos, uma moeda digital do banco central pode aumentar a eficiência de remessas internacionais, troca de moedas rápidas, troca de moedas por ativos", comentou.
Os especialistas também afirmam que a possibilidade de uma CBDC extinguir o uso do papel moeda é bastante remota: "Mais de 98% dos pagamentos na Suécia são feitos por meios eletrônicos e, mesmo lá, já se tem a ideia de que não se vai extinguir o papel moeda. Os idosos, por exemplo, que não têm acesso aos meios digitais, precisam de uma alternativa. Se você extinguir o papel moeda, você vai tirar o acesso dessas pessoas ao sistema financeiro. Então já se têm a ideia de que uma coisa vai substituir a outra", disse Gustavo Cunha, acompanhado pelos outros participantes da conversa — além de Aristides, a especialista em blockchain Tatiana Revoredo e o moderador Bernardo Quintão.
Para assistir à íntegra do debate, que foi parte do evento Future of Money, realizado pela EXAME para discutir inovação financeira e o futuro dinheiro, clique no player abaixo: