A criptomoeda Terra (UST) e seu token associado, Luna (EXAME/Exame)
Cointelegraph Brasil
Publicado em 8 de setembro de 2022 às 10h12.
O bitcoin e o ether registram quedas de 17% e 5%, respectivamente, nos últimos 30 dias, mas a Luna Classic (LUNC) segue desafiando o péssimo momento das criptomoedas e opera em alta de 385% no período, enquanto sua capitalização de mercado atingiu impressionantes US$ 3,2 bilhões, de acordo com dados do CoinGecko.
Em pleno inverno cripto, a LUNC acumula ganhos de 385% nos últimos 30 dias. No entanto, a alta não se baseia em fundamentos sólidos ou no desenvolvimento do ecossistema. A Luna Classic é o que restou da Terra (LUNA) depois que as duas moedas que o sustentavam entraram em uma espiral da morte e perderam mais de 99% dos seus valores de mercado em menos de uma semana, em maio deste ano.
Após o colapso, os desenvolvedores do projeto o abandonaram e criaram uma nova rede para tentar ressuscitá-lo. Até agora, a iniciativa não surtiu o efeito desejado e a nova LUNA vem se depreciando de forma constante desde o seu lançamento, no final de maio.
Desprovido de valor, a antiga LUNA foi rebatizado como Luna Classic, ou LUNC, e tornou-se um dos veículos preferenciais do capital especulativo em um mercado cripto em baixa. Investidores lesados pelo colapso do Terra que viram seu capital virar poeira organizaram-se para tentar reaver parte do prejuízo.
Um perfil mantido por usuários anônimos intitulada LUNC DAO se formou a partir do Twitter e assumiu o controle sobre o projeto. Desde o final de agosto, a Luna Classic ganhou um novo impulso a partir do anúncio do lançamento de mecanismos de staking e de queima da LUNC, que, em tese, poderiam gerar um impacto positivo sobre o preço do ativo.
Em 1º de setembro, o analista Carlos Henrique Dias de Freitas, da equipe de research da Mercurius Cripto, lançou um alerta aos investidores em uma postagem no Instagram alertando para os riscos e armadilhas envolvidos na recente alta da LUNC.
A narrativa construída pela comunidade da LUNC DAO foi capaz de ocupar um espaço que se encontrava momentaneamente vazio em um mercado de baixa e tornou-se o "grande escape especulativo" para grandes investidores em busca de liquidez, de acordo com Felipe Medeiros, head de análise da Quantzed Cripto, em uma avaliação exclusiva para o Cointelegraph Brasil:
"Durante os ciclos de alta, as narrativas são muito fragmentadas. No ano passado, por exemplo, você tinha as criptomoedas-meme. Shiba Inu, Dogecoin, Safe Moon e vários outros ativos baseados na Binance Smart Chain que eram alvos fáceis para especuladores.
Quando o mercado afunila muito e vai ficando pesado, essas narrativas acabam morrendo, se tornam narrativas velhas, e é preciso encontrar uma nova saída. No meu ponto de vista, a Luna Classic é esse ativo para especulação que o mercado encontrou nesse momento de baixa porque permitiu a criação de novas narrativas. Agora é o mecanismo de queima. Enfim, isso se configuram em uma novidade que atrai os investidores do varejo."
"Luna Classic é o novo memecoin", completa Medeiros. "No passado já foi XRP, já foi Dogecoin, já foi Shiba [Inu]. Agora é a LUNC."
Prova disso é que em grupos no Telegram ou mesmo no Twitter tem surgido diversos memes e campanhas para elevar o preço da LUNC de volta à sua máxima histórica de US$ 120, quando ainda se chamava LUNA, ou até mesmo a US$ 1.000, como chamou atenção Carlos Henrique em sua postagem no Instagram.
A verdade é que o mecanismo de queima da LUNC não chega a ser uma novidade. Embora agora os desenvolvedores anônimos por trás da Luna Classic tenham criado um sistema para queimar 1,2% de todo o volume transacionado do token, tanto em negociações on-chain quanto nas grandes exchanges em que o ativo está listado, a queima de LUNC já acontece de forma irregular desde maio, como mostrou o analista da Mercurius Crypto. O gráfico abaixo, por exemplo, mostra a queima da LUNC durante o mês de agosto.
Ou seja, as queimas de LUNC tiveram início logo depois que a Luna Foundation Guard (LFG) e Do Kwon, respectivamente a fundação e o fundador do projeto, o terem abandonado. Inclusive, os dados estão disponíveis em tempo real em um site dedicado exclusivamente ao monitoramento da quantidade de LUNC queimada diariamente.
Até esta quarta-feira, 7, mais de 3,5 bilhões de LUNC haviam sido queimados. Em números absolutos, pode parecer uma grande quantidade. Na verdade, porém, representa apenas pouco mais de 0,05% do atual suprimento circulante de LUNC. De acordo com dados do CoinGecko, há hoje 6,9 trilhões de LUNC no mercado.
Ainda que o novo mecanismo de queima tenha maior efetividade do que o sistema implementado em maio, ele terá pouco ou nenhum impacto sobre o preço da LUNC, explica Medeiros:
"A queima de tokens não impacta diretamente o preço no curto prazo. Você não está tirando do mercado tokens que estão ali girando compra e venda. Você está queimando tokens que teoricamente deveriam estar fora do mercado. Não é que os tokens estejam sendo recomprados a partir do suprimento atualmente em circulação para serem queimados e retirados do mercado. Não é isso que vai acontecer. E isso é o que poderia fazer alguma diferença no preço. Então, você não tem um impacto real no mercado a partir dessa queima. É só um pretexto para criar uma narrativa para os investidores do varejo comprarem."
Em um thread no Twitter, o analista especialista em DeFi (finanças descentralizadas) Miles Deutscher apresenta uma tabela que projeta a quantidade de LUNC queimado diariamente em função do volume de transação do ativo.
Tomando como referência um volume de negociação diário de US$ 1bilhão, Deutscher calcula que o novo mecanismo de queima da LUNC a ser implementado em 12 de setembro excluiria diariamente do mercado 120 bilhões de LUNC. "Se o mesmo ritmo for mantido por 30 dias, 3,6 trilhões de tokens, o que equivale a aproximadamente a metade do suprimento em circulação atualmente, seriam queimados", afrima.
Considerando-se que nas últimas 24 horas o volume negociado foi de mais de US$ 2 bilhões, de acordo com dados do CoinGecko, talvez o mecanismo possa vir a ter alguma efetividade. No entanto, em seguida, o próprio Deutscher faz algumas ponderações:
"Existem algumas ressalvas importantes:
1. Esta projeção assume que o preço do $LUNC mantém-se constante, mas à medida que o preço aumenta, a lei dos retornos decrescentes entra em ação.
2. É improvável que o volume de negócios sustente esse ritmo quando o hype diminuir. Construir o hype é fácil, sustentá-lo é difícil"
A essa altura, a comunidade poderia intervir para manter o hype e garantir o crescimento da LUNC. Segundo Medeiros, esta é outra ilusão muito comum construída por narrativas dessa natureza. A suposta "força da comunidade" dificilmente é suficiente para impulsionar e sustentar uma ação de preço positiva para além do curto prazo:
"A narrativa de memecoins ou outros ativos que não se baseiam em fundamentos sólidos ou desenvolvem uma tecnologia realmente útil vem travestida de comunidade. Sob a roupagem de uma comunidade com força para sustentar um movimento de alta. Mas isso não existe. Comunidade não faz preço.
O que faz preço é dinheiro e liquidez de investidores dispostos a injetar uma quantidade considerável de capital no mercado. Quando se fala em comunidade, se fala basicamente de pessoas sem conhecimento técnico ou analítico. Em geral, são investidores do varejo almejando uma valorização desses ativos no curtíssimo prazo."
O fato de que a LUNC subiu 385% em um mês deve ser visto sob a perspectiva do histórico do ativo, afirmam ambos os analistas. Não se pode esquecer que há quatro meses, ele custava US$ 120. Ou seja, mesmo que o Luna Classic tenha disparado recentemente, ele ainda acumula uma desvalorização de mais de 99% e não há fundamentos que indiquem que tal depreciação possa ser revertida.
Medeiros explica que ralis como este que vem impulsionando a alta da Luna Classic sempre tem início a partir do movimento de uma grande baleia. Valendo-se de uma grande quantidade de capital e de operações de mercado, essas entidades são capazes de provocar um primeiro repique no preço de um determinado ativo, atraindo, então, "os investidores do varejo que querem especular atrás de promessas de uma alta sustentável que não vai acontecer."
No caso da LUNC, Medeiros suspeita que a própria LFG e seu líder, Do Kwon, estejam por trás do atual frenesi especulativo que se formou em torno do token, uma vez que o controle sobre a maior parte da Luna Classic, tecnicamente, está sob controle da fundação. A estratégia teria sido pensada para compensar parte dos prejuízos deixados pelo colapso do Terra:
"No meu ponto de vista, a Luna Foundation Guard e o Do Kwon, ambos responsáveis pelo fracasso do LUNA, é que estão manipulando o preço do ativo para conseguir capturar liquidez a partir dos investidores do varejo. Eu acho que ele tá usando isso para levantar dinheiro e em algum momento a gente vai ver lá na frente que o tesouro do Luna Classic foi vendido para o varejo pela LFG durante esse rali de alta. Então é muito provável que a gente veja o varejo se frustrando em um determinado momento no futuro".
Medeiros diz que, por enquanto, os dados on-chain disponíveis ainda não permitem a confirmação de sua suspeita, pois a LFG deve ter usado mixers para dificultar o rastreamento dos fundos movimentados, assim como para pulverizá-los em múltiplas carteiras.
No entanto, diz o analista, mais cedo ou mais tarde, através do destino destes recursos que agora estão sendo mobilizados, será possível identificar quem está se beneficiando da disparada irracional do Luna Classic.
Em paralelo à ascensão da LUNC, o Terraform Labs anunciou uma nova rodada de airdrops entre 4 de setembro e 4 de outubro para os detentores do LUNA e do UST – hoje rebatizados LUNC e USTC.
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