Brasileiro 2023: após ápice de técnicos gringos, campeonato termina com seis estrangeiros
Especialistas e dirigentes analisam perspectiva para 2024 e avaliam principais desafios enfrentados pelos comandantes estrangeiros que buscam trabalhar no futebol brasileiro
Repórter da Home e Esportes
Publicado em 26 de dezembro de 2023 às 10h27.
Na última semana, o técnico Mariano Soso antecipou sua chegada ao Brasil para iniciar os trabalhos no Sport ainda este ano visando a próxima temporada. O movimento feito pelo argentino tem como principal objetivo acelerar a sua adaptação ao país, conhecer melhor o clube rubro-negro, além de ampliar o processo de aprendizado do idioma português.
De acordo com João Marcelo Barros, integrante do comitê gestor de futebol do Sport, a vontade em se adaptar aos novos ares e antecipar sua chegada no Recife partiu de Soso.
“Ele quer se debruçar sobre o clube, os setores, a cultura institucional. Estamos em contato constante com ele, com a comissão a técnica, a fim de qualificar e otimizar o trabalho de 2024, mas iremos intensificar ainda mais isso com o contato presencial”, explicou Barros.
O caminho percorrido pelo novo comandante do Leão e os desafios que terá de encarar no ano que vem não são diferentes do mesmo que tiveram que trilhar mais de uma dezena de profissionais estrangeiros nesta temporada.
Terreno fértil para os forasteiros, o Brasil iniciou o torneio com dez gringos no comando das equipes e bateu recorde no decorrer da Série A com a presença de 65% dos clubes sendo comandados por eles. Em determinado momento 13 dos 20 times tinham como técnico um profissional nascido fora do Brasil. Foram sete portugueses, cinco argentinos e um uruguaio.
Ao final do Nacional, contudo, sobraram somente seis contra 14 brasileiros. Apesar da queda brusca na reta final, Thiago Freitas, COO da Roc Nation Sports no Brasil, crê que a tendência de apostar em profissionais vindos de fora em 2024 continue a exemplo do que fez o Cruzeiro que terminou a competição com Paulo Autuori, mas já acertou com o argentino Nicolás Larcamón, que estava trabalhando no futebol mexicano.
"Baseado no que ouvimos dos dirigentes ao longo dos últimos dois anos, a expectativa é de que sigam buscando mais treinadores estrangeiros, esperançosos de encontrarem nomes que sejam bem sucedidos aqui”, opinou o profissional, que trabalha em uma empresa que agencia diversos jogadores entre eles os palmeirenses Endrick e Zé Rafael, o meio-campista do Red Bull Bragantino, Lucas Evangelista, entre outros nomes do futebol brasileiro e internacional.
Freitas afirma ainda que a demissão de treinadores será sempre recorrente por conta do número de rebaixados do campeonato nacional. “Isso pesa mais para as trocas do que a nacionalidade do treinador", acrescentou.
Marcelo Paz, CEO da SAF do Fortaleza, enxerga que a contratação de profissionais de fora do Brasil já tomou uma proporção natural por aqui. “A tendência do treinador estrangeiro já está totalmente consolidada. Os clubes brasileiros já procuram como opção real. Não é mais um modismo. As pessoas entendem que dá para trabalhar. E como eles estão faz muito tempo no Brasil, eles entraram na roda vida de demissões a curto prazo, que ao meu ver não é o ideal”, disse o dirigente, que tem em sua equipe o argentino Juan Pablo Vojvoda desde maio de 2021.
Se por um lado o intercâmbio aumenta e o futebol passa a ter uma maior diversidade e variedade tática, por outro, a barreira linguística e cultural pode se tornar um desafio.
“A dificuldade é o treinador ter a humildade de que é ele que tem de se adaptar à cultura, e não a cultura a ele. Essa é a primeira coisa. Ele entender que existe um outro ritmo no futebol brasileiro. Essa adaptação cultural é fundamental”, explica Sandro Orlandelli, diretor-técnico de futebol com passagens por Arsenal, Manchester United, Internacional e seleção brasileira.
“Ter a humildade também de buscar uma boa comunicação, ser um bom comunicador, em termos de tentar aprender a falar a língua portuguesa. A gente observa nas entrevistas, principalmente treinadores com a língua espanhola, não se importarem de tentar pelo menos ser um melhor comunicador com a língua. Tudo isso mostra o quê? Empatia, se você busca fazer isso. E falta dela, se você não busca. São fatores que no dia a dia vão ser decisivos para você ter continuidade no trabalho”, completa.
Neste ponto, Freitas discorda. “O idioma não foi problema para nenhum dos treinadores que chegaram recentemente ao Brasil. Nem para os portugueses, nem para os argentinos e uruguaios. É muito fácil a compreensão de tudo que se relaciona a treinos e jogos, tanto em espanhol, quanto com as pequenas variações do português falado em Portugal”, argumentou.
Sueca sofreu com idioma na seleção brasileira feminina
Nos quatro anos em que esteve à frente da seleção brasileira Pia Sundhage preferiu se comunicar com a imprensa em inglês. Por não ser nativa essa foi a maneira mais segura que ela encontrou para não ser mal interpretada por jornalistas ao falar de esquemas e convocações.
Com as jogadoras, porém, arriscava algumas palavras na língua local nos treinos e até preparava textos em português que costumava ler nas preleções. "Quando perdemos [para o Canadá na Olimpíada de Tóquio de 2020], lembro bem, foi uma sensação muito ruim. A Pia, emocionada, falou: 'me desculpa, vou aprender português e procurar fazer o melhor'. Ela realmente aprendeu. Ela deu muitas reuniões falando em português”, revelou Tamires, jogadora do Corinthians e frequentemente convocada para o time brasileiro.
Chegar mostrando domínio da língua não é fácil. O argentino Ramón Diaz, do Vasco, assumiu o Gigante da Colina em julho. Demonstrou dificuldade com o português no início, o que gerou brincadeira de quem sofreu na pele com a situação. O ex-técnico Joel Santana viralizou em 2010 durante uma entrevista quando trabalhava na África do Sul.
“O português dele é pior do que o meu inglês. Vou perdoar porque o time está melhorando”, brincou Joel em um vídeo exibido em seu canal no Youtube.
Mas se Diaz aparentava dificuldade ao falar com os jornalistas, no campo isso não se refletiu. Os ajustes táticos e o bom rendimento da equipe carioca nas mãos do argentino garantiram a permanência do Vasco na elite do futebol brasileiro. Em 24 jogos, ele somou dez vitórias e seis empates, um aproveitamento de 50% dos pontos disputados, que se estendido para toda a competição poderia ter garantido aos cariocas a sétima posição do Nacional.
Não à toa, Diaz teve seu contrato estendido até o final de 2025 e arrancou elogio do CEO da Vasco SAF, Lucio Barbosa: “Ele já demonstrou a qualidade que tem e onde pode levar o Vasco”.
Português também passou por momento inusitado
Se engana quem pensa que para os portugueses a adaptação é instantânea. Embora o idioma seja o mesmo existem diferenças no português utilizado em Portugal e no Brasil. Por isso, os lusitanos também precisam ajustar a forma como se comunicam no dia a dia.
Multicampeão no Palmeiras, Abel Ferreira já viveu momentos inusitados. “Algumas palavras são diferentes. No Brasil se fala grama, já em Portugal usamos relvado. Aqui se fala torcedor, lá adepto. Teve uma situação curiosa que vivi aqui durante um treino. Durante um trabalho de finalização eu pedi atenção a recessão – receber a bola no pé de forma orientada já preparando para o giro. Ao final do treino, o Weverton veio falar comigo e me perguntou: ‘o que significa recessão? Aí descobri que aqui no Brasil se fala domínio”, explicou.
Série B também começa a olhar para os gringos
Na divisão de acesso para a elite do futebol brasileiro, a primeira movimentação é de que o número de gringos pode crescer. Se em 2023, o paraguaio Gustavo Morínigo foi o único a receber uma oportunidade – trabalhou no Ceará e posteriormente no Avaí – para 2024, além do Sport que trouxe Soso, o Botafogo-SP também já contratou o português Paulo Gomes.
E vir de fora não necessariamente significa falta de conhecimento ou de imersão no futebol nacional. Com a ambição de conquistar o acesso em 2024 para atuar a Série A do Brasileiro em 2025, o Botafogo-SP investirá em um português com amplo conhecimento no futebol local.
“O projeto pede um treinador com muito conteúdo e buscamos no mercado o Paulo Gomes, que fez a formação, a Licença Pro da CBF”, afirmou o gerente executivo de futebol do Botafogo-SP, Sérgio Dimas. “Ele tinha o objetivo de trabalhar no país. Ele está muito antenado ao futebol Brasileiro, inclusive sobre o Campeonato Paulista”, finalizou.