Todas as crianças alfabetizadas – Um chamado à ação
A partir desta segunda-feira, milhões de crianças e adolescentes voltam às aulas em todo o Brasil. É um momento de alegria, mas o UNICEF traz um alerta urgente: mais da metade das crianças do 2º ano do Ensino Fundamental da rede pública não aprendeu a ler e escrever
Colunista
Publicado em 29 de janeiro de 2024 às 06h20.
Última atualização em 30 de janeiro de 2024 às 10h16.
Por Mônica Dias Pinto*
A partir desta segunda-feira, milhões de crianças e adolescentes voltam às aulas em todo o Brasil. É um momento de alegria, mas o UNICEF traz um alerta urgente: mais da metade das crianças do 2º ano do Ensino Fundamental da rede pública não aprendeu a ler e escrever. Elas se somam a outros milhões de meninas e meninos que não foram alfabetizadas na idade certa, e estão ficando para trás em sua trajetória escolar.
Ciclos de alfabetização incompletos têm impactos significativos no desenvolvimento integral dos estudantes, levando a reprovações e, em muitos casos, ao abandono escolar. Sem estar alfabetizada ou plenamente alfabetizada, a criança vai sendo reprovada uma, duas ou até mesmo muitas vezes.
Um grande contingente de crianças passa a não ter mais interesse/motivação em estudar, e acaba deixando de frequentar a escola. Muitas crianças permanecem ou retornam, mas acabam ficando em situação de atraso escolar. Sem acolhimento, acompanhamento customizado, oportunidades de aprender, vivenciam um contexto que culmina, infelizmente, com a saída prematura da escola, antes da conclusão da Educação Básica.
A alfabetização de todas as crianças na idade certa já era um desafio no Brasil antes da pandemia da covid-19, e se agravou de maneira intensa durante e depois dela. Os dados revelam um aumento significativo no número de crianças que não conseguiram aprender a ler e escrever no 2º ano do Ensino Fundamental público, passando de 39,7% em 2019 para 56,4% em 2021, segundo o Saeb 2021, último dado disponível no País.
Estamos, portanto, diante de uma crise educacional urgente, que precisa unir o país, para ser enfrentada em todos os municípios brasileiros, juntamente com os Estados e o Governo Federal, e com apoio do setor privado, da sociedade civil e da comunidade escolar.
Como reverter esse cenário
Enfrentar esse desafio crítico requer a implementação de duas estratégias urgentes e interligadas. Primeiramente, é crucial investir em práticas pedagógicas de qualidade voltadas à alfabetização das crianças nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Isso garantirá que aprendam a ler e escrever na idade apropriada.
Em paralelo, é essencial implementar propostas de recomposição das aprendizagens para aqueles estudantes que, infelizmente, não conseguiram adquirir essas habilidades até o 2º ano do Ensino Fundamental. Esses alunos precisam de apoio específico para consolidar habilidades de leitura e escrita e avançar na aprendizagem.
A boa notícia é que o País está caminhando em direção a essas duas estratégias. O Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, lançado em 2023 pelo Ministério da Educação (MEC), busca assegurar que 100% das crianças brasileiras estejam alfabetizadas ao final do 2° ano do Ensino Fundamental, e foca também na recomposição das aprendizagens de 100% das crianças matriculadas no 3°, 4° e 5° ano afetadas pela pandemia.
Até o final de 2023, cerca de 98% dos municípios e todos os estados já haviam aderido ao Compromisso. A adesão é positiva, mas é preciso agora acompanhar de perto a implementação dos programas, monitorando os planos de ação em cada município e os resultados concretos na redução do analfabetismo no País ao longo dos anos.
Parceria público-privada
Nesse contexto, investir em boas práticas com resultados já comprovados, que podem inspirar escolas e redes públicas no desenvolvimento e aprimoramento de programas de alfabetização é fundamental. Pesquisadores, universidades, sociedade civil, gestores públicos, educadores, fundações e institutos têm um papel importante a desempenhar, apoiando boas práticas de governança e de gestão pedagógica, que sejam eficazes nas redes públicas de ensino e em escala.
Colaborações estratégicas entre o setor privado, governos e sociedade civil são potentes para criar condições e ambientes propícios para inovações educacionais, iniciativas inéditas que inspirem e contribuam efetivamente para que ainda nesse começo de século XXI tenhamos o direito à alfabetização garantido para todas as crianças, especialmente para aquelas que estão ficando para trás.
Uma iniciativa que pode inspirar programas de recomposição de aprendizagens é a estratégia Trajetórias de Sucesso Escolar, desenvolvida nos últimos anos pelo UNICEF junto a Secretarias Estaduais de Educação de seis estados e do DF, com apoio de Instituto Claro, Itaú Social, Porticus e Grupo Profarma. A iniciativa é voltada ao enfrentamento da cultura de fracasso escolar, promovendo a aprendizagem de crianças e adolescentes.
Junto com cada Secretaria, é realizado um diagnóstico dos estudantes que estão em distorção idade-série (com dois ou mais anos de atraso escolar). A partir daí, desenvolve-se um planejamento pedagógico específico, formação de professores e gestores e práticas pedagógicas para esses estudantes.
O trabalho é desenvolvido em regime de colaboração com os municípios. Em 2023, mais de 30 mil estudantes foram matriculados nesses programas, para garantir aprendizagem de qualidade e permanência na escola.
Sabemos que o Brasil está diante de um desafio imenso: promover a alfabetização e a aprendizagem de milhões de crianças e adolescentes – mas, a implementação do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada e iniciativas como Trajetórias de Sucesso Escolar nos mostram que há caminhos para construir um novo cenário educacional.
* Chefe de Educação do UNICEF no Brasil