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Marca de calcinha para mulheres trans, Truccs luta para distribuir as peças no SUS

Silvana Bento deixou o trabalho hospitais de São Paulo para criar a Trucss, marca de calcinhas para mulheres trans. Produto visa minimizar impactos negativos da prática de aquendar

Silvana Trucss, fundadora da Trucss (Trucss/Divulgação)

Silvana Trucss, fundadora da Trucss (Trucss/Divulgação)

Marina Filippe
Marina Filippe

Repórter de ESG

Publicado em 28 de junho de 2023 às 10h00.

Colocar o órgão sexual por entre as pernas e fixar com supercola ou fitas adesivas de alta resistência, de modo que não seja possível ir ao banheiro durante o dia todo é rotina para mulheres transexuais e travestis que desejam "aquendar". Ou seja, fazer o truque de esconder o órgão. Além do incomodo, e as feridas na pele por conta das colas, a prática tem causado problemas nos rins, chegando à necessidade da hemodiálise, como percebeu Silvana Bento durante seu trabalho como técnica em hemoterapia em hospitais de São Paulo.

“Desde 2008, deparava com muitas mulheres trans entre os pacientes de hemodiálise e cirurgia de rins. Ao conversar com algumas delas descobri que isto acontecia pela baixa ingestão de água para que não existisse vontade de ir ao banheiro ao longo do dia”, diz. Foi neste cenário que, em 2015, Silvana viu morrer Luiza, uma mulher trans que passava por tratamento no hospital.

“Quem trabalha em hospital lida com o óbito, mas vê-la morrer por não beber água e ir ao banheiro mexeu muito comigo. É uma violência enorme. Ao mesmo tempo, entendo que ela preferiu a prática de aquendar do que deixar o órgão genital mais a mostra – por questões de identidade de gênero e de violência”.

No Brasil, a expectativa de vida de uma pessoa trans é de 35 anos, de acordo com os dados da Associação Nacional de Travesti e Transexuais (ANTRA). Entre as causas, estão as dificuldades e falta de acessos ao longo da vida por conta da evasão do núcleo familiar e escolar -- o que faz com que 90% das pessoas trans estejam na prostituição – e os assassinatos de fato, visto que o Brasil é por 14 anos consecutivos o país que mais mata pessoas trans e travestis.

A TRUCSS

Com a intenção de tornar a prática de aquendar mais fácil e segura, Silvana lançou a marca de roupas íntimas Trucss em 2016. As calcinhas da marca possuem um elástico na cintura e modelagem em formato de funil, que permite colocar o pênis para trás e prendê-lo com um fecho, como os de sutiã. "É prático de soltar e fazer as necessidades ao longo do dia", diz a empreendedora, que detêm a patente do produto.

Conseguir costureiras para produzir as peças, no entanto, foi um desafio. “Tive que lidar com o preconceito de mulheres que desistiram de costurar as peças após saberem da finalidade. Algumas delas disseram que vou para o inferno por ajudar pessoas trans. Algo que, como católica, não acredito. O que importa é ajudar ao próximo”. A Trucss tem 16 tamanhos diferentes, considerando as variações do manequim e do genital. “Pode ter uma mulher trans com genital M e manequim G”, explica.

O apoio da família, de acordo com Silvana, foi essencial para que a Trucss existisse e se tornasse a atividade principal da empreendedora. “Precisei de apoio do meu marido e dos meus quatro filhos para empreender, visto que antes eu tinha dois empregos e a renda principal da casa”. Mas, a iniciativa deu tão certo que hoje um dos seus folhos, Pietro Miguel, é seu sócio. “Além da questão profissional passamos por importantes momentos pessoais. Em 2016, quando comecei, ele se identificava como uma mulher lésbica e hoje é um homem trans. É uma sorte tê-lo comigo”.

Campanha para distribuição no SUS

O site da Trucss é o único canal de vendas da marca e foi criado após a participação de Silvana no programa de televisão Shark Tank, em 2018. Agora, a intenção é levar os produtos aos postos do Sistema Único de Saúde (SUS). “A calcinha custa R$90 e fazemos por encomenda. Mas, além das vendas online, precisamos colocar o item no SUS para ajudar meninas e mulheres que, na maioria das vezes, têm baixa renda”.

A marca lançou, em junho, uma campanha para conscientizar a sociedade sobre a importância de distribuir o produto gratuitamente --  realizada em parceria com a agência África Creative, a peça principal da campanha levou prêmios de prata e bronze no Festival de Criatividade de Cannes, encerrado na semana passada. Silvana escolheu transmitir o vídeo na TV Record. "Com um público majoritariamente religioso, entendi que ali seria o melhor lugar para falar da Trucss, pois precisamos quebrar barreiras".

Enquanto o projeto do SUS não é aprovado, a Trucss segue buscando parceria com lojas de departamento para revender os produtos e contratar mulheres trans que possam explicar o uso das peças. Assim como na promoção de capacitação, como quando, em parceria com a ONU Mulheres, realizou um curso de moda para mulheres trans na região da Sé, em São Paulo. Na ocasião, mais de 40 mulheres se inscreveram e 15 terminaram o curso. “É preciso pensar no ecossistema e em formas de retenção das mulheres em programas de capacitação com ajuda financeira, ou ao menos de custo para lanche e transporte. As pessoas trans precisam ser incluídas de fato, considerando todas as exclusões que passam ao longo da vida, para que não sofram com os preconceitos da sociedade”.

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