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O Ceará nem começou a produzir hidrogênio verde, e já vendeu tudo

Em evento da FIEC, o CEO da siderúrgica Arcelor Mittal se compromete a comprar todo o combustível que sair do Complexo de Pecém. Setor deve movimentar US$ 30 bilhões no Brasil

Porto de Pecém, no Ceará: combinação entre localização, bons ventos e zona franca atraem investidores em hidrogênio verde (Getty/Getty Images)

Porto de Pecém, no Ceará: combinação entre localização, bons ventos e zona franca atraem investidores em hidrogênio verde (Getty/Getty Images)

Rodrigo Caetano
Rodrigo Caetano

Editor ESG

Publicado em 27 de outubro de 2023 às 11h48.

Última atualização em 27 de outubro de 2023 às 17h30.

De Fortaleza

Parece uma cena de filme. No auditório lotado, o presidente da grande corporação anuncia, para a incredulidade de todos, uma mudança radical de posicionamento, que vem acompanhada de uma grande injeção de capital na comunidade. O final feliz se dá graças a uma inovação há pouco tempo considerada inviável, uma utopia. Só não é ficção: aconteceu no Ceará.

A grande corporação, no caso, é a Arcelor Mittal, uma das maiores siderúrgicas do mundo. A inovação é o hidrogênio verde (H2V). Nesta quarta-feira, 25, durante o FIEC Summit, evento promovido pela Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), Erick Torres, CEO da Arcelor Pecém, anunciou que a empresa "não vai abrir mão de utilizar o H2V produzido no pólo de Pecém". A afirmação foi compreendida como uma espécie de compromisso de compra, uma vez que a demanda da siderúrgica compreende praticamente toda a capacidade futura do complexo. Ainda que falte assinar o contrato e cumprir as etapas dos estudos de viabilidade técnica, como ressaltou a siderúrgica em e-mail enviado à EXAME, é um compromisso que muda o jogo. “Isso significa que o consumo será interno”, afirma Ricardo Cavalcante, presidente da FIEC.

Mas, e o porto de Rotterdam, na Holanda, sócio do Complexo de Pecém e que espera receber parte desse hidrogênio para abastecer a Europa, questiona a EXAME. “Vamos ter de produzir mais”, conclui Cavalcante, com um sorriso no rosto.

O polo cearense de produção de H2V está sendo gestado há alguns anos. Na visão do empresariado local, e do atual governo do estado, trata-se de uma oportunidade histórica de colocar o Ceará na liderança de um processo de reindustrialização do país a partir de uma fonte de energia limpa. Além da injeção financeira, o movimento da Arcelor Mittal foi comemorado por trazer, justamente, essa dimensão à indústria, setor que vem perdendo espaço no PIB ano a ano. “O objetivo é a descarbonização”, explicou o CEO da siderúrgica, em conversa reservada com a reportagem.

A Arábia Saudita do hidrogênio verde

A economia do Ceará é uma história muito mais de escassez do que de abundância. A falta de chuva, o sol escaldante e os ventos de arrancar guarda-sol pareciam condenar o cearense a uma vida de resiliência. A caatinga, bioma predominante no estado, não por acaso, é tido pelos cientistas como um dos mais resilientes do planeta, o que dá a dimensão dos desafios de se produzir qualquer coisa por lá. O que era fraqueza, no entanto, hoje é fortaleza.  O sol e o vento impulsionam a produção de energia limpa, a base da transição para uma economia de baixo carbono.

Idealizado nos anos 90, o Complexo de Pecém tinha como âncora econômica a instalação de uma refinaria de petróleo, que nunca veio. Por décadas, os governos do estado lutaram para convencer a Petrobras a tirar do papel o projeto, sem sucesso. Apesar do fracasso, o plano inicial deixou como legado as fundações de uma zona industrial, que hoje se volta para o hidrogênio verde, combustível com enorme potencial para substituir os hidrocarbonetos em indústrias intensivas em carbono, como a siderurgia.

Além da abundância de vento e sol, características geográficas tornam o Ceará um local privilegiado para essa nova indústria. A viabilidade de geração eólica offshore (em alto mar) começa muito próxima à costa. Algumas centenas de metros mar adentro, há um desnível no fundo do mar, cuja profundidade atinge uma altura ideal para a instalação de plataformas, condição que se prolonga por quase 30 quilômetros em direção à Europa. O porto também oferece a rota mais rápida para se chegar de navio à Europa, aos Estados Unidos e ao Norte da África, viagens que levam, em média, uma semana.

Os planos da Arcelor Mittal

De capital indiano, a Arcelor Mittal produz anualmente 7,5 milhões de toneladas de aços planos na América Latina. Sua principal unidade no Brasil está localizada em Tubarão, no Espírito Santo. Em março deste ano, a companhia adquiriu, por completo, a Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), que pertencia à Vale e a duas empresas sul-coreanas. A transação movimentou 2,2 bilhões de dólares (cerca de 11 bilhões de reais).

O CEO Erick Torres explica que os investimentos em hidrogênio verde estão relacionados ao compromisso global de se tornar carbono zero até 2050. “Onde é possível acelerar, estamos fazendo”, disse. A disponibilidade do combustível é essencial, e o hub cearense, segundo o executivo, oferece condições únicas de custo e velocidade de implementação. A CSP produz chapas zincadas, utilizadas, principalmente, pelas indústrias automotiva e de construção.

Junto ao complexo portuário, também foi instalada uma Zona de Processamento de Exportações (ZPE), que são “distritos industriais incentivados, destinados a sediar empresas orientadas para o mercado externo”, como explica o site do porto. Na prática, trata-se de uma zona franca, cujo objetivo é atrair investimentos estrangeiros.

Nessa combinação de recursos energéticos abundantes, localização privilegiada, estrutura industrial e desembaraço aduaneiro acelerado, a expectativa é de que Pecém seja um polo de hidrogênio com o potencial do que foi, em seus tempos áureos, o município de Macaé, no Rio de Janeiro, base das operações do pré-sal durante o primeiro governo Lula. A cidade atraiu todo tipo de empresa interessada em prestar serviço e fornecer produtos para a cadeia do petróleo. Por alguns anos, Macaé vislumbrou o enriquecimento, mas a derrocada da Petrobras e do petróleo transformou o sonho em pesadelo, e hoje Macaé tenta se reerguer das cinzas do abandono empresarial.

Alexandre Negrão, CEO da Aeris: "Se o Nordeste falhar, o Brasil falha." (Leandro Fonseca / Exame) (Leandro Fonseca/Exame)

No Ceará, esse risco parece menor. Não só a perspectiva para o mercado de hidrogênio é melhor e de mais longo prazo (estima-se que o combustível movimentará 350 bilhões de dólares no mundo e 30 bilhões no Brasil, até o final da década), como a transição energética oferece ao Brasil, e ao Nordeste em particular, uma oportunidade de ouro para ganhar protagonismo global, fortalecer a economia e reduzir as desigualdades sociais. “Se o Nordeste falhar, o Brasil falha”, disse à EXAME Alexandre Negrão, CEO da Aeris Energy, fabricante brasileira de pás para geradores eólicos. Negrão espera uma aceleração dos investimentos a partir do compromisso feito pela Arcelor Mittal, e se diz preparado para atender a demanda dos projetos offshore cearenses.

“Precisamos de pouquíssima adaptação para isso. A indústria nacional de geradores eólicos está consolidada, o que facilita a decisão de investir no Brasil. Essa é uma consequência positiva dos incentivos dados ao setor nas últimas duas décadas”, afirma Negrão. Uma política mais clara e efetiva de fomento ao setor, por sinal, era a principal demanda dos executivos e empresários no evento da FIEC. A segunda mais importante era para o governo, se não for ajudar, pelo menos não atrapalhar.

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