Urso polar se refresca em sua piscina no zoológico de Hanover, na Alemanha: onda de calor provocou mais de mil mortes na Europa (picture alliance / Colaborador/Getty Images)
Rodrigo Caetano
Publicado em 21 de julho de 2022 às 18h56.
Economistas chamam de “externalidade” a lacuna entre o custo privado e o custo social de algum comportamento. O professor americano Charles Wheelan, autor da trilogia “Naked Statistics, Naked Economics e Naked Money”, explica o conceito fazendo uma analogia com a compra de um carro grande. “Quando minha esposa e eu fomos à revendedora Ford comprar um Explorer (modelo SUV), fizemos um levantamento dos custos em comparação a um Civic (sedan): mais gasolina, seguro mais caro, prestações mais altas. Não havia nada no nosso levantamento referente a derretimento de calotas polares”, escreveu o economista no livro “Economia: o que é e para que serve” (Zahar, 2018).
Ainda que não entre na conta do casal, há um custo ambiental associado a dirigir um carro beberrão. “Quando uma externalidade é grande, os indivíduos têm um incentivo para fazer coisas que melhoram suas vidas às custas dos outros”, explica Wheelan. “Todas as transações de mercado são trocas voluntárias que melhoram a vidas das partes envolvidas. O problema é que todos os indivíduos afetados por uma transação de mercado podem não estar sentados à mesa quando o negócio é fechado.”
As mudanças climáticas são uma externalidade. Por muitas décadas a partir da revolução industrial, nenhuma empresa ou indivíduo precisou se preocupar com o carbono emitido, até que isso virou um problema global. O mercado busca resolver a situação com a solução econômica mais simples disponível: aumentar o custo privado de determinados comportamentos. Daí o surgimento dos mercados de carbono. Na falta de uma solução de mercado, são os governos que devem entrar em ação, segundo Wheelan, por exemplo, instituindo impostos. Mas, e quando uma externalidade gera outra externalidade, que provoca uma crise de abastecimento, enquanto os governos estão muito ocupados travando uma guerra?
Essa é a situação de momento na Europa. Nas últimas semanas, uma onda de calor extremo atingiu a região, provocando milhares de mortes em Portugal, na Espanha e no Reino Unido. Cientistas apontam que as altas temperaturas são resultado das mudanças climáticas. O fenômeno ocorre concomitantemente a uma crise de energia gerada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Para pressionar o governo de Vladimir Putin a desistir dos planos expansionistas, a Europa busca reduzir a dependência do gás natural russo para gerar energia, condição que afeta, em especial, a Alemanha.
Esse processo, no entanto, é lento e vem gerando uma crise energética de grandes proporções. Com a eclosão do conflito, os europeus planejaram acelerar a transição energética, alocando mais recursos financeiros para fontes limpas de energia. O plano era dar um passo atrás, retomando o uso de combustíveis fósseis emergencialmente, inclusive o carvão, para dar dois passos para frente com a antecipação da meta de descarbonização do setor elétrico. Até a energia nuclear se tornou uma alternativa – embora não seja exatamente limpa, essa fonte praticamente não emite carbono. Parecia perfeito, até a temperatura subir.
A onda de calor provocou um pico de demanda de energia em função do uso de ar-condicionado. Segundo a empresa de pesquisas climáticas Kayrros, da Inglaterra, as emissões de carbono aumentaram 18% entre os dias 12 de junho e 17 de julho. No mesmo período, Portugal, Espanha, França e Reino Unido lidavam com temperaturas na casa dos 40 graus Celsius. “Nunca tivemos tamanha clareza sobre a relação entre aumento de temperatura, demanda por refrigeração e emissões de carbono”, disse Antoine Rostand, fundador e presidente da Kayrros, à agência de notícias Euronews. “Infelizmente, essa não será a última onda de calor.”
Desde o ano 2000, a demanda por sistemas de ar-condicionado cresce a um ritmo anual de 4% na Europa. Semana passada, ela explodiu. Na Inglaterra, a rede de varejo Sainsbury’s, a segunda maior do país, registrou um aumento de 1.400% na venda desses equipamentos. Mais baratos, os ventiladores tiveram um crescimento de 1.876%. A demanda se justifica: na Europa, esse nível de calor gera risco de morte a uma população envelhecida e mais preparada para o inverno do que para o verão. Para lidar com o “calor mortal”, diz Rostand, é preciso encontrar maneiras sustentáveis de atender a demanda por refrigeração e endereçar as causas do aquecimento global.
O ar-condicionado, no entanto, não é a única causa da pressão no sistema energético europeu. As temperaturas extremas reduzem a eficiência das termelétricas a gás, que passam a gerar menos energia com a mesma quantidade de combustível. Na Alemanha, a seca fez o nível do Rio Reno cair para o menor patamar em 15 anos, ameaçando o transporte fluvial de carvão para as termelétricas. Nem as usinas nucleares escapam da onda infernal. Com águas mais quentes, é difícil resfriar os geradores, que operam em capacidade reduzida por questões de segurança.
Assim como as casas, a infraestrutura de geração de energia da Europa é preparada para o inverno, já que as temperaturas abaixo de zero são mais comuns na região do que as acima de 40. A preocupação, agora, é com os estoques de combustíveis. Levando em consideração as sanções em curso contra a Rússia e a maior necessidade de geração atual, especialistas começam a calcular se haverá energia suficiente para quando as temperaturas baixarem. O inverno, afinal, está chegando.