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Marina Grossi: Caminhos concretos para um mundo novo

A presidente do CEBDS, organização empresarial que reúne 50% do PIB, faz uma análise dos desafios climáticos em um contexto de guerra e volatilidade política e econômica

Sem um declínio imediato das emissões, a humanidade não conseguirá restringir o aquecimento global a 1,5ºC, o objetivo dos compromissos climáticos assumidos pelos países (Black_Kira/Getty Images)
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Rodrigo Caetano

Publicado em 24 de maio de 2022 às 07h00.

Marina Grossi*

Os persistentes alertas sobre a emergência climática, os conflitos de natureza política que geram instabilidade global, a lenta redução das desigualdades sociais e a inestimável perda dos ecossistemas nos fazem repensar o papel dos negócios no contexto atual.

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Em busca de respostas  - e de inspiração -, participei, em Genebra, na Suíça, de um encontro que reuniu 575 lideranças de negócios e especialistas em sustentabilidade de 49 países, no início de abril. O encontro Liaison foi convocado pelo WBCSD (Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, na sigla em inglês), rede do qual o CEBDS faz parte, e promoveu quase 40 painéis sobre os desafios do nosso tempo e como os negócios podem dar contribuições para uma mudança de patamar.

Abrigada pelas montanhas dos Alpes suíços, Genebra vive a proximidade com a guerra na Ucrânia,e o encontro buscou também promover o engajamento das empresas no Grupo de Resposta à Crise das Nações Unidas, criado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres. Por meio de uma força-tarefa sobre alimentos e energia, as empresas se comprometeram a disponibilizar suas capacidades, inteligência e articulação para potencializar ações para auxiliar as pessoas mais vulnerabilizadas pelo conflito.

A guerra na Ucrânia, desencadeada pela invasão das tropas russas no país em fevereiro, ameaça levar até 1,7 bilhão de pessoas* - mais de um quinto da humanidade - à pobreza e vulnerabilidade social. Isso porque Ucrânia e Rússia fornecem, segundo a ONU, 30% do trigo e da cevada, um quinto do milho e mais da metade do óleo de girassol consumidos pela população mundial.

Ao mesmo tempo, a Rússia é o maior exportador mundial de gás natural e o segundo maior exportador de petróleo, o que coloca países em desenvolvimento em grave situação de insegurança energética e alimentar, além de causar pressões inflacionárias. Desde o início de 2022, os preços do trigo e do milho aumentaram 30%, o petróleo subiu mais de 60% em relação ao ano passado e os preços do gás natural e dos fertilizantes mais do que duplicaram.

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É preciso dizer que a guerra Rússia-Ucrânia surpreendeu o mundo, que, ainda se refazendo dos efeitos da pandemia, subestimou o risco bélico e não esperava que um conflito armado voltasse à baila neste momento. Ao mesmo tempo, a guerra assinalou uma forte mudança de percepção das empresas em relação ao tema: os negócios se posicionaram, seja em sanções diretas contra a Rússia e seus produtos, seja no apoio às iniciativas de solidariedade ao povo ucraniano, como na iniciativa encabeçada pela ONU.

Do ponto de vista das mudanças climáticas, a guerra é igualmente perniciosa: no curto prazo, a falta de suprimento de combustíveis fósseis de origem russa, especialmente petróleo e gás natural, pode desencadear um aumento no consumo do carvão, com aumento das emissões de gases de efeito estufa, o que coloca em risco os compromissos assumidos no Acordo de Paris.

Assim, o desafio humanitário da guerra na Ucrânia e seus desdobramentos se somam à emergência climática. O mais recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças climáticas (IPCC) da ONU, lançado em abril, reforçou o alerta de que temos pouco tempo para agir. Sem um declínio imediato das emissões, a humanidade não conseguirá restringir o aquecimento global a 1,5ºC, o objetivo dos compromissos climáticos assumidos pelos países.

No patamar atual de crescimento dos gases de efeito estufa e se nada for feito concretamente, corremos o risco de dobrar o aumento da temperatura e alcançar 3,2ºC até 2100, com efeitos deletérios para a população e a economia de todo o planeta.

Nesse cenário cada vez mais adverso, em que três grandes crises interdependentes se alimentam - a emergência climática, a crescente desigualdade social e a perda da biodiversidade -, o papel das empresas precisa ser cada vez mais rediscutido. Nesse bojo, surgem movimentos como o capitalismo de stakeholder (públicos de interesse) em substituição ao capitalismo de shareholder (acionista), que vêm sendo vocalizados por parte expressiva dos negócios, como uma tentativa de redefinir as bases do sistema econômico vigente, de modo a responder aos desafios sociais e ambientais do nosso tempo.

Marina Grossi, presidente do CEBDS: "As empresas devem usar toda a sua inteligência para acelerar as mudanças positivas de que precisamos" (CEBDS/Divulgação)

O encontro Liaison do WBCSD em Genebra reverberou esse clamor, partindo do pressuposto de que a sustentabilidade corporativa, hoje, já pode ser considerada mainstream e a conversa precisa mudar do “por que engajar” para “como colocar os compromissos em prática” para dar respostas às três grandes crises.

Fatores como as demandas regulatórias, as mudanças no comportamento dos consumidores, a pressão dos investidores e os litígios relacionados aos aspectos ESG deverão acelerar a transformação de todos os setores. As empresas que fazem parte do movimento pelo desenvolvimento sustentável, representadas pelo WBCSD, são numerosas: a rede é composta por mais de 200 grandes multinacionais em todo o mundo, com receita estimada em mais de US$ 8,5 trilhões e responsáveis pela geração de 19 milhões de empregos diretos.

O CEBDS, que representa a rede no Brasil e lidera a promoção de negócios sustentáveis no país, possui 85 empresas associadas, com um faturamento somado que equivale a quase 50% do PIB brasileiro.

Existe nos negócios, portanto, uma grande força transformadora que já direciona esforços na resolução das grandes crises, mas é preciso ir além do compliance e das boas intenções e colocar em prática os compromissos assumidos, capazes de gerar o impacto que precisamos. Não basta reduzir as emissões de gases de efeito estufa: é preciso alcançar a neutralidade climática, e temos um prazo para fazer isso; não basta reduzir danos à natureza, é preciso causar impacto positivo e regenerar ecossistemas; não basta gerar empregos e riqueza, é preciso atuar ativamente na promoção da equidade social.

Vivemos um contexto político de volatilidade econômica em todas as frentes, agravado pela pandemia, pela guerra, pela polarização, e as empresas devem usar toda a sua inteligência na busca por caminhos concretos para acelerar as mudanças positivas de que precisamos.

*Marina Grossi é presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), entidade que acaba de completar 25 anos e que reúne 85 empresas, cujo faturamento equivale a quase 50% do PIB brasileiro

*https://brasil.un.org/pt-br/177661-grupo-de-resposta-crise-da-onu-lanca-primeiro-documento-de-recomendacoes

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